Infância
Era dezembro, véspera de Natal, nas ruas já poderia sentir no ar o perfume, a alegria que invadia nossos corações, de forma tão genuína que nos transbordava de um forte sentimento de solidariedade e compaixão.
Nas casas da minha rua sentia-se também o cheiro fresco das tintas que renovavam as casas como se quisessem trazer um ar de transformação, de novo! Ah! Quantos cheiros marcaram aquela época!, O cheiro das árvores, aquele cheiro verde e de flor que nos enchia de alegria! Minha mãe me dizia que as árvores também trocavam de roupas como nós, éramos seis irmãos, esperávamos ansiosos para ganharmos roupas novas também.
Ah, tantas coisas me levam àquela época, mas especialmente nesse ano, lembro-me com total alegria e uma profunda nostalgia daquela manhã ensolarada, meu pai pintando a casa como era de costume todos os anos. Ele dizia que a casa também merecia uma roupa nova!
Minha mãe chegava do mercado com a minha irmã, apressada pois já era a hora do almoço e a comida ainda não estava pronta! Minha irmã, que não se conteve de ansiedade, logo retirou da sacola uma linda e enorme caixa de presente e me entregou.
Fiquei surpresa com aquele presente, afinal, não esperava e também não era a hora de ganhar presentes, ainda não era natal, mas minha irmã apressada, antecipou a surpresa!
O que será? perguntei pra mim mesma; era uma boneca, a primeira da minha vida, Primavera era o seu nome, não cabia em mim de tanta felicidade, aquela boneca era tudo pra mim naquele momento.
Que infância linda a nossa! Não tínhamos muito, somente meu pai trabalhava e minha mãe cuidava de todos nós com tanto zelo! Certa vez minha mãe, com sua simplicidade e pouco estudo, mas com sabedoria divina, disse que nós éramos as flores do seu jardim!
Tínhamos o necessário e o essencial, o amor e o carinho que enchia nosso humilde lar de muita felicidade.
Éramos muito criativos e nossas brincadeiras sempre foram em conjunto, morávamos numa vila que era da família e nossos primos, que eram cinco, juntavam-se à nós e a nossa imaginação ia longe...
Quando chovia... ai meu Deus! Quando chovia era o melhor dia! havia no quintal da vila uma enorme tamarineira e quando ventava fazia chover tamarindos que caiam por todos os lados, o barulho da casca madura no chão era um alerta pra todos correrem e pegarem os frutos que caíam como se fizessem parte da nossa brincadeira. A vila ficava literalmente alagada e formava um enorme lago que vinha do final da vila formando uma correnteza onde colocávamos nossos barcos de papel à deriva...
Mas no melhor da brincadeira, nossas mães gritavam, como num coro: _ Crianças, saiam já dessa chuva, vocês vão ficar doentes criaturas!! Às vezes a palmada comia solta, por que a preocupação era demais e a nossa teimosia também.
Aquela vila tem história, tantas brincadeiras, tantas conversas, tantos concursos de danças, peças de teatro e cantorias acompanhadas no violão do meu irmão. Nós éramos artistas, autores da nossa alegria, vivíamos do nosso jeito, despretensioso, a única razão era a alegria...
Hoje a vila continua lá, algumas pessoas se foram outras continuam por lá, mas nunca mais, nunca, aquela vila foi como nos nossos tempos, as brincadeiras mudaram, os sentimentos também, a inocência de outrora foi substituída pelo egoísmo e pelo individualismo, as brincadeiras agora são solitárias, vazias, pobres de criatividade, sem gosto, sem perfume, vida, sem nada...