O Desespero de Eliza
Cedo de manhã, Eliza acordou para um novo dia de rotina. Ela foi para a cozinha preparar o café das crianças, colocou o avental azul e começou a esquentar as torradas. Ligou a cafeteira, fez o suco de morango. Acordou os filhos e os mandou ao chuveiro, e depois esperou um pouco, olhando pela janela, a que os filhos descessem a tomar o café, e a que seu marido também viesse. Todos sentaram quase que em silêncio, um preocupado com a lição que não fez, outro com o engarrafamento que enfrentaria. E ela planejava seu dia, tudo o que teria que fazer, o almoço a preparar, o chão para varrer. E ao pensar em tudo isso sentia uma pontada de angústia no peito.
Eliza não era muito feliz. Quando menina sempre havia imaginado uma vida cor-de-rosa, havia planejado um futuro de sucesso, uma carreira, uma chance de explorar o mundo. Tinha feito faculdade, mas nunca tinha conseguido um emprego estável e duradouro. E depois vieram os filhos, e ela disse a si mesma que era bom ficar em casa e cuidar deles, ser uma mãe presente. Porém, ela sentia a cada dia um vazio crescer dentro dela, uma parte de vida que fugia e que lhe fazia falta. Ela detestava ficar trancafiada dentro de casa o dia inteiro, mas o seu marido era desses que chegava do trabalho cansado demais para pensar em algo além de comer, dormir e curtir o futebol. E assim, ela se sentia culpada quando reclamava, pois ele era o "provedor" da família, aquele que se quebrava o lombo para trazer o pão para o lar. Ele reclamava de cansaço e ela não sabia o que falar.
E assim, dia após dia ela ia se consumindo por dentro, e sentia sua alma ficar amarga, escura, e seu rosto ao espelho lhe parecia cada vez mais duro, com finas rugas de tédio ou raiva a aflorar na sua testa, em volta dos seus lábios cheios. Seus cabelos iam ficando cada vez mais cheios de cãs. Daqui a pouco teria que começar a tingir o cabelo. Às vezes ficava tão exausta, tão cansada de fazer sempre o mesmo, sempre limpar, cuidar, organizar, brigar com os filhos, entregar currículos sem muita esperança de ser chamada para um colóquio, sempre no mesmo ciclo que a levava a se sentir no fundo de um buraco, de onde não podia mais sair... e então ela fechava os olhos, esquecia de tudo e por alguns instantes imaginava um mundo diferente, uma vida onde ela era diferente.
E quando saia desses momentos, de novo carregava a culpa, a culpa de ficar cansada dos filhos, de ser desagradecida por seu lar. E voltava ao inicio do ciclo. Sua amiga falava que as coisas podiam mudar, que em breve arranjaria emprego, que podia sair e fazer alguma atividade, algum esporte. Mas Eliza respondia com uma careta de desânimo e não se tocava mais no assunto.
Na verdade o que estava corroendo Eliza por dentro era o desespero. Até algum tempo atrás ela ainda tinha vontade de acordar, ainda sentia alegria quando sua família elogiava seus pratos, e gostava de manter cuidadas suas crianças. Ainda esperava ouvir o telefone tocar oferecendo-lhe um emprego num dos muitos lugares aonde tinha se candidatado. Mas o tempo passava, e cada dia levava embora um pedaço de esperança. Quando a esperança acabou, o tempo começou a levar embora pedaços da alma de Eliza. E ela só se via nesse ciclo, presa, esperando pelo dia em que não teria mais alma, e sua vida acabaria. Às vezes ficava com medo, mas, sobretudo ultimamente, ela esperava esse dia com cada vez mais ansiedade. Ela queria se libertar, queria sair de uma vez por todas desse ciclo interminável que a afogava no próprio tédio. O desespero a enchia.