DIAS VAZIOS
Hoje é um dia extremamente triste. O vazio se faz presente no peito e a dor se faz companheira. Lembranças tentam tornar cada minuto real de volta a cada segundo do presente. Tudo o que foi vivido parece ter sido em vão. Um sentimento de ódio também parece bater na porta da consciência. As lágrimas dos familiares são súplicas por ajuda e abraços. Lembranças tentam se tornar reais. Hoje é um dia extremamente triste. Um pedaço dele foi arrancado.
O mundo moderno exige praticidade, e nessas horas é preciso cuidar de toda parte burocrática e do dinheiro para o enterro. Tudo é feito de forma consciente, mas consciência essa alimentada pelo vazio de pensamento nenhum, de sentimento nenhum que não seja a falta, e a esperança por qualquer coisa, a súplica por um sinal ou troca e a certeza do nunca mais e de que amanhã e depois de manhã e depois e depois e depois serão cada vez mais vazios.
Seus olhos estão lagrimejados, seus beiços tremem, seus braços não possuem mais vida ou possuem vida própria. Uma vontade de gritar e chorar o mais alto possível, vontade de sair correndo para lugar nenhum, vontade de se encontrar com ela, vontade de um abraço, só mais um – o último que seja, vontade de uma última palavra: eu te amo.
Chega o momento em que não podemos mais agir como muralhas e ele desabou sobre suas pernas. Estava sentado e começou a chorar. Não um choro qualquer desses que choramos quando nos machucamos, mas um choro doloroso, solitário, eterno. Um abraço amigo veio fazer-se presente, veio apoiar as colunas da muralha. Nenhuma palavra foi dita. O homem ainda não foi capaz de inventar palavras para esse momento.
Carlos tem dezesseis anos e perdeu a visão ainda com um ano de idade. Consegue locomover-se facilmente pela cidade, é um rapaz independente; estuda, faz cursos e pratica esporte. Tem uma vida normal, apenas com um sentido a menos. Amava sua mãe e apesar de nunca tê-la visto com os olhos, a sensibilidade de seus dedos o ajudava a enxergar a mãe pelo tato e pela audição. Ela era realmente linda. Fez de tudo pelo filho, lutou pelos direitos dele e lutou por ele. Era uma mulher alegre, bem humorada dessas que gostam de fazer várias coisas ao mesmo tempo.
Carlos ainda consegue ouvir a voz de sua mãe. Por vezes, jura que ela ainda está entre nós e lágrimas brotam de seus olhos.
Seu pai, sua irmã e ele ficaram na casa dos avós por três dias após o enterro. E o dia de volta para casa foi como se tivessem viajado no tempo para o passado. Era como viver novamente os momentos sem a permissão de senti-los. O cheiro da casa, as coisas como ela deixou, o quarto, as fotografias, tudo. Tudo também fez parte dela e ela fez parte de tudo, muito do que se encontrava dentro daquela casa era criação dela. Como é possível as coisas mudarem de um instante para o outro? Como é possível olhar para obra de alguém que sabemos que nunca mais chegará sorrindo, nunca mais ouviremos sua voz, nunca mais um abraço, nunca mais veremos o brilho dos olhos? A dor pesou mais sobre ombros de Carlos. O cheiro da mãe ainda era presente, os cremes, os perfumes eram verdadeiras máquinas do tempo.
Ficaram, por um tempo, sentados no sofá da sala, olhando para o nada, calados. Cada um isolado em suas lembranças, dores e ao mesmo tempo prontos para dividir as lágrimas.
Após um tempo, apenas Carlos ficou sentado no sofá. Estava de olhos abertos, mas a escuridão dentro de seus olhos trazia a voz e o cheiro dela.
Alguns dias depois, trancado em seu quarto e sem explicação por que fez aquilo, Carlos ligou para o celular da mãe que estava em sua mão. Suas pernas também tremeram quando ouvir e sentiu o aparelho tocar e vibrar. Esperou que a ligação caísse na caixa postal.
Após o sinal, Carlos ouviu a voz dela na mensagem. Seu coração bateu forte, ficou ofegante. Uma sensação de alegria e dor se misturavam ao meio ao caos em sua mente inundada por lembranças. Por uma fração de segundos imaginou tocar o rosto da mãe novamente... chorou, chorou muito. Algo apertava seu peito, algo precisava ser expelido.
Ligou novamente várias vezes para o número do celular, até que parou em pé em frente à janela do seu quarto. O sol brilhava lá fora, mas isso, naqueles dias, não fazia diferença nenhuma. Carlos se perdeu em pensamentos... Entregou-se mais uma vez, chorou muito e quis quebrar o celular, mas logo veio a ideia de que estaria machucando a voz da sua mãe. Tentou engolir o choro e mostrar força e antes que caísse em prantos de novo questionou-se: até quando ficaria disponível aquela mensagem?