Perfume - Série Eu me lembro muito bem...
Eu me lembro muito bem de um perfume. Era pequeno e minha primeira professora usava um perfume que me encantava, mas naquela época nem sabia que estava encantado.
Eu me lembro muito bem do primeiro dia de aula e de quando minha mãe me apresentou àquela jovem, que tinha cara de anjo. Minha vó Benedita, toda noite, me ensinava a rezar para o meu anjo da guarda e dizia o quanto era importante eu ser um bom garoto para que os anjos viessem conviver comigo o dia inteiro.
Eu me lembro muito bem de ajoelhar todas as noites, pedindo que meu anjo me protegesse. Um dia meu anjo se materializou na figura de minha primeira professora.
Não sou do tempo em que se chamava a professora de ‘tia’. Não. Sou um velho, e no meu tempo a professora era chamada de ‘senhora’ mesmo, sem grandes intimidades.
Mas aquele anjo que apareceu na minha vida estava muito além dos meus mais ardentes sonhos. Lembro-me de seus olhos azuis como o céu. Admito que a metáfora não é rica, sequer original, mas só posso comparar seu olhar com o azul do céu infinito, morada dos seres angelicais.
Eu me lembro muito bem daquele olhar, daquele perfume que me envolvia toda vez que ela amorosamente me colocava em seu colo para me consolar por alguma coisa. Meu anjo se corporificou na figura daquela jovem tão bela, tão meiga, tão carinhosa.
O tempo passou e o mato cresceu. Hoje, com a idade avançada, ainda sinto saudades daquela figura, daquela fragrância, daquele consolo carinhoso que só um anjo é capaz de dar aos meninos que ralam o joelho na calçada de concreto da vida.
Muitos anos se passaram, mas juro que lembro. Eu ainda me lembro muito bem.