O Surto
Dona Neli era uma viúva que vivia com seus seis gatos em um apartamento repleto de antigos, pesados e escuros móveis. Sua vida social se resumia às conversas com as vizinhas do prédio sobre a violência que assolava a cidade, os aumentos dos produtos no supermercado e na farmácia e principalmente sobre a vida dos outros.
Após assistir na televisão a uma reportagem de uma explosão causada por vazamento de gás, dona Neli resolveu chamar um profissional. Não sentia cheiro, mas, queria ficar tranqüila, ter a certeza de que não corria nenhum risco.
O técnico chegou acompanhado de um ajudante. Cumprimentou-a e dirigiu-se para a cozinha, tentando se desvencilhar dos felinos que se enredavam em suas pernas. Abriu o fogão. Dona Neli acompanhava apreensiva a vistoria. O homem às vezes acendia o isqueiro e o colocava em lugares por onde passava o gás. Os gatos se escafederam da cozinha. Dona Neli ficava nervosa com medo que ocorresse a tão temida explosão. O técnico abaixava-se, passava um olhar rente aos mecanismos a procura de alguma irregularidade. Olhava para o auxiliar e fazia um gesto com a cabeça indicando que não havia nada, o que, acalmava a dona da casa.
Fechou o fogão, colocou-o no lugar e disse de uma maneira enfática:
- Não tem vazamento nenhum. O fogão é novo. Está uma beleza.
Aliviada, Dona Neli perguntou quanto era o serviço. Foi ao quarto, buscou o dinheiro, entregou-o para o homem que a mirava com um olhar desconfiado, repressor e alucinado. A viúva conduziu a dupla até a porta e se despediu. Mas, logo, tornou a abri-la, mesmo apreensiva, pelo tumulto alucinado que atingia seus ouvidos. Flagrou o técnico e o assistente caminhando apressados, quase correndo, olhando para todos os lados. O que parecia ser o chefe berrava:
- Neuróóóótica! Looouuuca! ! Neuróóóótica! Looouuuca!
À medida que eles passavam, as portas dos outros apartamentos eram abertas uma a uma e seus moradores olhavam surpresos para o corredor na ânsia de descobrir quem era o autor da gritaria. Depois, lançavam olhares inquisidores para dona Neli, indagando-lhe quais eram as causas do escândalo.
Envergonhada, Dona Neli fechou a porta de seu apartamento e sentou no sofá. Os gatos alvoroçados a cercaram, como se perguntassem o que estava ocorrendo. Trêmula, tinha as mãos em forma de concha sobre o rosto e se questionava alarmada o que os vizinhos vão falar.