Morena

Morena

Todos os dias era a mesma rotina. Ele pegava o ônibus no ponto na rua de sua casa às cinco da manhã e rumava para o serviço, na maratona de umas trinta paradas até chegar à fábrica, onde dava duro até o findar da tarde, quando seu turno acabava. Ele sabia que na sétima parada ela entraria no ônibus, e sempre dava um jeito de assentar no corredor, para oferecer-lhe a poltrona vazia da janela, quando entrasse. Às vezes dava sorte, outras não. Mas esse gesto de cortesia era o único que já fora capaz de fazer, nunca tivera coragem de puxar conversa, perguntar o seu nome ou onde trabalhava. Bastava-lhe ver o sorriso que ela dava quando ele se afastava para lhe oferecer o lugar, sentir o cheiro suave do seu corpo quando assentava-se ao seu lado e olhar de relance para o seu rosto. Notava que suas mãos não traziam aliança, portanto sabia que não era noiva ou casada e tinha esperanças de um dia criar coragem de perguntar. Mas não seria hoje, não daria tempo. O ponto dela já estava chegando, e ela já se preparava para saltar. Sua covardia fazia o peito doer, mas ele não sabia o que ela tinha no olhar, que o deixava mudo. Jurou que de um jeito ou de outro, no outro dia criaria coragem, pelo menos o nome dela iria perguntar. Não podia continuar sonhando com alguém que ele não sabia o nome, a quem dera o codinome de “Morena” , sem jamais ter lhe dirigido a palavra. Viu quando ela desceu e desapareceu na multidão, que já movimentava a manhã para mais um dia de trabalho. Naquela noite, não sonhou com ela. Sonhou que havia um buraco numa estrada onde caminhava sozinho e ele não tinha como atravessar para o outro lado, um pesadelo terrível que o fez acordar completamente suado. Naquele dia, foi para o ponto com o coração apertado. Na sétima parada, ela não apareceu. O ônibus seguiu em frente e ele ficou olhando para trás, na esperança de vê-la correndo... Mas não havia ninguém no meio da rua. E assim foi no dia seguinte e no outro também. Chegou sábado e domingo e ele contava os minutos para que na segunda feira tudo voltasse a ser como antes e ela entrasse com seu sorriso lindo na sua parada. Mas de novo, ela não estava no ponto. Suspirou conformado e arrependido de jamais ter tido a coragem de dirigir-lhe a palavra enquanto seguiam juntos. Agora era tarde. Talvez tivesse saído do emprego, ou mudado o percurso, quem sabe. Talvez nunca mais fosse vê-la . Trabalhou tristonho naquele dia, revoltado com a sua timidez sem cura. Foi embora com raiva de si mesmo e mudou de lugar quando entrou no ônibus. O passageiro ao seu lado lia um jornal durante o caminho e ao descer no seu ponto, deixou-o sobre o banco que ficou vazio. Para passar o tempo, pegou o jornal e começou a folheá-lo, quando de repente seu coração deu um salto diante da manchete no meio da página. Uma mulher havia sido morta num assalto no centro da cidade. Junto, a foto dela, a sua Morena. Seu nome era Diana. Duas lágrimas rolaram pela sua face. Tarde demais para descobrir seu nome...

maria do rosario bessas
Enviado por maria do rosario bessas em 16/11/2011
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