POLÍTICA EM SALÃO DE BELEZA
A rua de acesso ao final do beco parecia novidade. Nunca havia andando por ali e estava um pouco perdida, mas reconhecia indicações anteriores, um pet shop, uma loja de artesanatos... Sim, era ali. Estava na rua certa. Porém, as construções que atravessavam a rua, os pedreiros, carriolas, areias, tapumes a deixavam desnorteada. Tanto que as mesmas informações que obtivera de antemão acerca do endereço não foram suficientes e perguntou a algum transeunte:
-Onde fica o salão do Nei?
-Fica na esquina, logo ali.
Estava perto, a alguns passos apenas. E junto às construções dos passeios, era o salão do cabeleireiro que também se encontrava em um pequeno reparo no piso externo. Não tardou que atendessem a campainha, o Nei em pessoa foi atender a moça. Havia espaço naquele horário. Milagre! Dera sorte... Tratava-se de um cabeleireiro cotado na cidade.
Os rituais que se seguiram são bem típicos de um salão de beleza. Ela dizia como queria o corte do cabelo, o porquê, etc... Nei parecia muito simpático, além possuir indubitável competência, afinal, a moça fora informada acerca disso por “fontes seguras”. À primeira tesourada, iniciou-se um papo desinteressado.
-Essa cidade tem mudado muito...
-Você é daqui Nei?
-Sou sim, nasci nessa mesma casa onde é o salão. Seu cabelo está torto.
Um belo começo, digno de um profissional da beleza. O Nei conversava muito, falava sobre política, sobre sua indignação com a “corja” de deputados, até que o assunto enviesou rumo aos problemas verificáveis na cidade e foi aquele desplante em relatos de roubos, tráfico de drogas, falcatruas de toda ordem. A moça se interessava cada vez mais pelo assunto e até nem se importava com o fato de seu cabelo ser cortado bem além do desejado enquanto a prosa se desenrolava.
-Você tem razão, nunca havia pensado nisso antes! Essa cidade já tem um histórico...
-Ah Nei, repare que somente as pessoas que vem de fora tem condições de crescer nessa cidade. Os moradores só ficam mesmo com a exploração.
-Olha minha filha, eu falo mesmo. Não suporto ver uma coisa errada. Depois que aquele banco quebrou teve um aí que se mudou pra cá... Ele trabalhava no banco. Na sala de jantar dele tem um lustre que é do tamanho deste salão. Pensa que me engana, que não fez uma grana preta com a quebra do banco?
- Sério? Nei, você tem mousse?
-Tenho sim aqui.
- Acho que eu sei de quem você fala... Se eu acertar você diz se é?
-Eu falo sim, não tenho porque defender essa gente!
-É o Senhor Pereira?
-Será que esse mousse é bom pra você?
-Sim, pode ser esse... É o Senhor Pereira?
-Pode ser esse então?
-Pode sim, Nei. É do Senhor Pereira que você fala?
-Sabe que mousse resseca o cabelo?