SOLIDÃO É FELICIDADE

Ainda trabalho. Aos 66 anos ainda cumpro horário, como qualquer trabalhador desse Brasil. Começo às 08 horas e vou para casa às 18.

Não que tenha prazer em tudo isso. Exceto o trabalho, a casa me dá um certo medo. Medo de estar só, de sentir saudade. Fiquei velho e nem havia notado.

Saudade do tempo que não tinha tempo. Do tempo que menino me incomodava. Que abria um livro e o folheava apenas, pois não havia como dar atenção à leitura. A todo momento interrompido por eles.

Eram apenas 3 filhos pequenos. Cada qual queria um minuto de atenção. Eu achava aquilo um pouco chato, pois queria mesmo era descansar. Mas eles esperavam avidamente a minha chegada, só para usar o pretexto de perguntar ou mostrar alguma coisa. Meninos carentes, como todo menino. Carente do pai que passa o dia fora.

Mulher que por mais boazinha que seja sempre tem algo para reclamar. Disputa com as crianças um momento de atenção e às vezes nem consegue. Mas como mãe, compreende e cede seu espaço, enfim são crianças. Um dia crescerão e não quererão estar tanto ao lado do pai. Deixa eles aproveitarem a fase.

Saudades.

Hoje é diferente, não tem criança em casa, não tem mulher e nem livro para ler. Meus filhos são adultos cada um com sua própria vida. Vida de trabalho de luta e quando lhes sobra algum tempo, vão se divertir e namorar. Mulher, também, não tenho mais. Há um bom tempo que estou só, mesmo quando acompanhado continuo na solidão. Pelo jeito acho que nem me acostumaria mais com uma companheira. Peguei mania de velho. Não quero dividir espaço, qualquer coisa me incomoda, perco o sono e passo toda a noite acordado. Se roncar, então, aí só com remédio para insônia.

Agora, quando vou para a minha casa, que não é mais uma casa, mas um pequeno apartamento, em local normal, até humilde. Agora posso ler, escrever, ver TV, escutar uma boa música, se desejar, tomar um vinho. Mas tudo perdeu a graça. Nada disso me interessa mais. Acho que o tempo dessas coisas passou.

Está iniciando a noite, o trabalho acabou. Às vezes imagino: é hora de voltar para casa. Lar, doce lar? Mas a casa está escura, a televisão desligada e tudo é silêncio. Ninguém para abrir a porta, ninguém à minha espera. Minha constatação é costumeira, é diária. Estou só. Dessa solidão brota uma tristeza de arrepiar.

Então volto ao, costumeiro, monólogo, estabelecido comigo mesmo.

Digo para mim:

- O que mais você deseja não é estar só? Sem ninguém para aborrecê-lo? Nessas alturas, ter alguém com quem dividir seu tempo, já não é mais preciso. Vai lhe trazer mais problemas que ajudar.

Vou lhe dizer uma coisa:

- A sua tristeza não está, exatamente na sua solidão. Ela não é real. Está no seu imaginário, naquelas fantasias que constrói.

Quando imagina, ainda a caminho de casa, que encontrará as luzes acesas, TV ligada, crianças falando e mulher reclamando, você está construindo uma falsa realidade, uma situação que só existe porque você a construiu. Quando volta à realidade e percebe que daquilo nada é real, você ficará triste, porque amaldiçoará sua solidão.

Continuo conversando comigo mesmo:

Digo para o meu imaginário:

- A sua infelicidade está contida nas comparações que tem feito. Ela está sempre presente na sua vida. Quando era um jovem e tinha que trabalhar, era infeliz porque imaginava sua infância. Quando se casou tinha casa para cuidar e mulher para acalentar, era infeliz, porque havia perdido a liberdade. Não podia mais chegar em casa a qualquer hora, não podia sair para se encontrar com a turma. Quando vieram os filhos, ficou imaginando se sem eles a vida não lhe seria melhor. Podia sair de férias a qualquer época do ano, sem ter que esperar as férias escolares. Quando mais velho, lamentava ter envelhecido e perdido aquela disposição e a virilidade do homem jovem. Tem que se limitar a coisas que antes não era preciso.

Então, ao construir cenários e lembrar do passado, vai tornar mais aguda a sua sensação de solidão.

Agora, examine as vantagens:

- Você tem a companhia de seus livros, dos seus discos, da cozinha (que agora é só sua). Você tem até um computador que naquela época não existia. Agora pode escrever e corrigir e isso só pode lhe dar mais prazer do que ficar escrevendo com a caneta em folhas que ia numerando para não se perder. Lembra?

Assim me pego falando sozinho e até me assusto quando dou conta e olho à volta para ver se ninguém ouviu. Podem achar que sou louco.

Volto a imaginar:

Pensando bem, a solidão não é tão ruim assim. É até boa. Posso, até, deixar meus óculos sobre a mesa, meu livro sobre o sofá, posso deixar a chícara de café suja, a toalha molhada sobre a cama e a pasta de dentes sobre a pia do banheiro. Ninguém me chamará a atenção por isso. Posso curtir a preguiça até mais tarde, nos dias que não precisar ir ao trabalho. Posso dormir quando me der sono, sem obrigação de horário. Na verdade eu posso tudo.

Posso até viajar quando e na hora que desejar e ir até onde quiser, sem que qualquer pessoa me contrarie.

De posse desta constatação, vou modificando meu comportamento, meu humor e aos poucos me tornando o ser mais feliz do mundo.

Eu sou livre.

Estou livre.

Posso fazer tudo que desejar, quando e como desejar. Isso é felicidade.

Chego em casa feliz, até cantarolando, vou logo ligando a TV para assistir o jornal das sete. Depois vou fazer meu lanche, tomar meus remédios, eles se tornaram rotina em minha vida, todos os dias tenho que tomá-los. Mas se eu não fosse velho, pelo tempo que tenho de vida, só uma alternativa existe:

Ter morrido jovem.

Neodo Ambrosio
Enviado por Neodo Ambrosio em 13/11/2011
Código do texto: T3332699
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