O NOME DO JOÃO




É fato, lerdearam para descobrir, aos extensos, as graças do João.

Em princípio, davam-lhe o nome de João da Égua. Evidentemente, alusão ao animal da carroça de aluguel. Animal visto em horas vagas, acostumado preso a uma cordinha de nylon pelas beiradas dos caminhos, na melhor pastagem. Devido a isso, o João da Égua se viu com o satanás de um tal Renê, indo parar na Delegacia. Porque o folgado, com os pretextos de suprimir-lhe a cordinha, arrastara junto a eguinha, mesmo sem querer.

Tal assunto, de fato, terminou nos acertos com o delegado, mas o João, daí por diante, transformou-se no João da Cordinha.

João da Cordinha ficou sendo o nome durante anos a fio. Mas, tendo transcorrido o passamento da mulher, tornou-se João Viúvo.

João Viúvo teve dificuldade na educação da menina órfã, aleijada de paralisia. Na cadeira-de-rodas, crescia carinha pedante e mal corada. Antes dela arranjar as contrariedades, ainda chamavam o João de João da Orfinha. Depois, mal encaminhada e desprotegida, apareceu com barriga e favoreceu o boato. Deu amargura. João reclamou da imoralidade, até vir o netinho, seu xará.

E João do Joãozinho assim se tornou.

Joãozinho, deveras, passou a ser sombra do avô, criado que foi naquela vida de carroceiro. Até suceder a besteira dele, quando regressou amolado da escola, enfezado com as gozações dos amiguinhos. Devido ser filho da Orfinha. Largou para o avô um bilhete corrido, saltou de cabeça dentro da cisterna.

Depois do cemitério, saindo dali, ninguém mais consolou o João do Joãozinho Morto. Doía a saudade. Manteve o bilhetinho com o maior zelo. Desajeitado, estancava as lágrimas, suplicando por Nossa Senhora velar pelo menino.

Nas idas e vindas da labuta, entristecido e descuidado, caiu debaixo da carroça. Fez das tripas o coração, para a invalidez não lhe dar mais um nome. Entretanto, amargou o aleijume: ser homem, nunca mais.

Fez um carreto para a dona Tetéia, não parou de pensar nela. Combinaram de morar juntos. Ele ergueu a cabeça, concedeu-lhe a vez de estar acompanhado.

Duvidosa, essa Tetéia. Desprevenida, logo correu risonha e dissimulada contar ao marido a notícia da cegonha. Acatou o filho por compaixão. Mas, para dona Tetéia, apenas para a traidora, revelou os segredos mantidos sobre a invalidez.

Tanto nome e tanto João, agora desatualizados. Pois, dali por diante, já o chamavam de João Tico-Tico, numa referência ao passarinho acostumado chocar ninhada dos outros.

No fundo, no fundo, o povo mantinha profundo pesar pelo João. A vida não lhe servia da maneira justa. Tanto verdade, o último nome era para cair no uso e permanecer encravado na mente do Lugarejo. Porque entrou em casa fora do costume e topou com a Orfinha e a Tetéia, as duas juntas, de um jeito desautorizado pela natureza dele. Tirou a foice ali enferrujada na parede e terminou com a história.

Molequinho, filho da Tetéia, ia escafedendo-se muito alarmado. Não teve o tempo disponível, e a cabecinha decepada também rolou na areia do terreiro. Em seguida, João pulou de ponta-cabeça dentro da cisterna.

Então, finalmente, João Finado.

O Lugarejo empresta ao João Finado as reverências de um nome sacramentado pelo uso corrente.

Porque, o finado era outro, agora tendo dado a descoberta do certo, quando fuçaram nos cartórios para as papeladas do óbito. O Lugarejo parou estupefato. João, o fulano de muitas famas e tantos nomes, sempre tivera no batismo e no registro um nome estranho, esquisito, difícil de enquadrar: José Santo dos Santos.



Conto integrante do livro "Fulanos e Sicranos", 2ª edição.

Milton Moreira
Enviado por Milton Moreira em 01/11/2011
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