O Debate na faculdade _ por Lucas Gonzaga

Seu Gideão vinha rua abaixo, voltando de um evento de que gosta muito. Ah! Como Gideão conversa, debate, proclama, canta... Tem de tudo de onde ele estava vindo. Comparecia no tal evento quase todo santo dia, salvo exceções, não deixava de ir. As conversas, os conteúdos do local, mexiam tanto com ele, mas fazia o tanto refletir que ia para casa pensando e na maioria das vezes até falando sozinho sem perceber. Ele apenas notava que falava sozinho e sempre em plena empolgação com os assuntos em voga, do dia, apenas quando alguém o cumprimentava. Quem o via na rua, era certo que soltasse uma expressão de um misto de espanto e surpresa. Muitos riam dele. Seu Gideão devolvia os cumprimentos com aquele sorriso de canto, sem graça que só, e tornava na maioria das vezes a falar sozinho. E adivinhe? Novamente sem perceber!

O pessoal da pequena cidade já começava a falar coisas do tipo como “_ Esse homem tá maluco!” e quando o avistavam de longe caçoavam dizendo “_ Lá vem o Gideão doidão!”, mas se não o interrompessem, ele nem perceberia. Os meninos até imitavam seus gestos de debatedor, debochando, saltando. Coisa de criança! Também ficavam falando sozinhos enquanto ele passava, fazendo insinuações engraçadíssimas de que o coroa era louco, e ele? Nada percebia! Gideão continuava a falar sozinho enquanto caminhava como se estivesse debatendo na Faculdade! Algo incrível é que muitas das crianças, de tanto ouvir o que ele falava, chegavam a reproduzir frases ou trechos inteiros de Camões, Fernando Pessoa, Pascal, Manuel Bandeira, etc., nada entendiam, mas repetiam. Com o tempo já nem mais sabiam o nome dele. Gideão agora ganhara um apelido.

_ Tarde Seu Filosofia!_ cumprimentavam-no usando seu novo apelido. _ Tarde!- Respondia Gideão satisfeito e com aquele sorriso que só se vê em festa de aniversário de pobre na hora de soprar o bolo!

Filosofia, que apelido bacana, o pessoal deve ficar sabendo de como me saio bem nas discussões e debates da faculdade, pensava Gideão.

_ Sr Filosofia- dizia ele, muita das vezes, apreciando o apelido e acariciando sua barbicha.

Lá vinha Gideão de novo, o Sr Filosofia, em mais um dia de debates. Desta vez era diferente. Não tão diferente, pois continuava a falar empolgadamente sozinho, relembrando suas discussões, relembrando o que falou de forma excepcional, o que falou razoavelmente bem, ou até mesmo no que vacilou em seus discursos. Analisava cada provocação que fazia e se os efeitos no adversário era o que esperava; suas réplicas, tréplicas, usos da retórica e tipos de argumentos. Seu livro de cabeceira era de autoria de Schopenhauer intitulado “Como vencer um debate sem precisar ter razão”, todavia ao contrário do que o título do livro prefeito sugere, o Sr Filosofia sempre queria é mesmo ter razão. Usava do livro para detectar algum espertinho, alguém que usasse de argumentos furados.

Dizia que desta vez, apesar de, como sempre, continuar a falar alucinadamente sozinho que nem um maluco havia algo de diferente: Gideão, o Sr Filosofia, estava muito tendo, parecia perturbado. Nets dia ele extrapolou todos os limites, saiu-se implacável e o pior de tudo é que assim, acabava por desmoralizar todos os que ousavam desafiá-lo. Sr Filosofia articulava claramente todas as mentiras de seus opositores, expondo-as cada uma de uma forma tão vibrante, humorada e sarcástica que fazia com que a platéia levantasse e o aplaudisse por minutos. As gargalhadas não tinham fim, tanto que Sr Filosofia fazia movimentos com as mãos para baixar as gargalhadas dizendo “Calma, calma senhores, ainda não acabou!”. Imagine! Seus adversários saiam arrasados, humilhados. Uns saíam com o chapéu tampando o rosto, outros com o palito tampando, e outro apenas saíam olhando para baixo. E tinha aqueles que saíam bufando ódio e resmungando contra o Sr Filosofia. Ele, por sua vez, quando tais coisas aconteciam, nada falava e apenas fazia um gesto como que diz “Fazer o quê, né?”.

Deveras, o Sr Filosofia podia até estar arrumando sarna para se coçar, não acham? E o pior: Num foi exatamente isso que aconteceu!

Um outro barbicha como ele foi um dos humilhados pela astúcia de Gidão naquele dia.Era um delegado da pequena cidade, metido a inteligente, mas se achava o rei da cidade. Chamavam-no de “Coronér”. O Coronér era dono de muitas terras: poderoso! Resolveu participar dos debates da tal faculdade, pois queria lançar-se candidato a prefeito da cidade. Queria assim, com os debates, ganhar eleitorado.

Cambaleando pelas ruas mal iluminadas da pequena cidade, Gideão parecia mais é um espetáculo ambulante. O povo da cidade o cercava aplaudindo às gargalhada as estripulias que emanavam da boca de Sr Filosofia, acompanhados de seus gestos bizarros e sua paranóia. Isso era realmente um espetáculo! Ele gritava volta e meia gesticulando com aparência de experiente: _ A sabedoria mata!- disse isso tendo em vista as ameaças do Coronér. “Gideão doidão”, como o chamavam com mais intensidade, estava muito bêbado, tanto que a falava arrastado, quase caindo! Um dos espectadores ao ouvir retrucou gritando: _ Mata? Só se for matar de rir, meu sinhô!

E a algazarra estava formada. Se antes Gideão nem sequer percebia as pessoas gracejando do seu jeito, imagine agora bêbado! Pensou que a rua estava repleta de gente porque pensou que havia alguma festa de santo. Mal sabia que a festa era ele mesmo. A multidão que o assistia era enorme. Não duvido nada que já estivesse a cidade inteira ali, de tanta gente que o seguia, porque naquela noite, Gideão, bêbado, com medo, estava em sua melhor performance. Estava parecendo uma procissão: todos o seguiram, por onde o Sr Filosofia fosse o seguiam!

Agora, prezados leitores, preparem-se para uma falha num caso de saúde pública. Algo de grave aconteceu nesta procissão do Gideão doidão, o Sr Filosofia. Todos estavam lá, em uma encruzilhada acompanhando o Sr Filosofia com seu jeito comigo, já não mais se agüentavam de tanto rir. Pulavam, cantavam, faziam coros, batiam palmas, aquela foi a melhor noite que a cidade já viu. Na cidade só havia um postinho de saúde, ninguém nunca pôde imaginar que tantas pessoas seriam atendidas naquele mesmo dia.

Ao chegar nesta encruzilhada, a luz já era mais forte. Havia um coqueiro em cada canto das 4 esquinas da encruzilhada. Foi aí que o Gideão doidão pirou de vez, começou achar que eram 4 capatazes do Coronér que o havia o cercado, um em cada esquina e ele no centro da encruzilhada. Sentia-se agora em cena de filme de Faroste na parte em que um mocinho morre como mártir. E ele, como o mártir da sabedoria. Começou a gritar num certo tom de desespero, mas de alerta também:

_ Estão vendo, eu disse que sabedoria mata! Estão vendo esses 4 sujeitos aqui? Não tiveram oportunidade de estudar e estão com essas armas nas mãos- dizia o Sr Filosofia com sua voz de bêbado e, foi daí que começou a crise de saúde da cidade naquele dia. Os abdomens das pessoas já estavam rígidos de tanto rir, e agora a epidemia do riso atingiu a todos! Não se agüentavam, perdiam o ar.

O vento batia, os coqueiros balançavam, e Gideão doidão pensava e dizia uma loucura atrás da outra: _ Eles lutam até capoeira!- dizia ele com o dedo indicar apontando para o alto, movimentando-os para todos os lados enquanto falavam. Aí depois dessa já havia até gente caindo no chão. Já ouvia risada que te faz ficar com vontade de rir? É. Teve gente que nem ouviu o que Gideão tinha falado, mas ria porque a risada de outros contagiava!

Depois que Gideão começou a gingar uma capoeira sei lá de onde, pois fazia uns movimentos estranhos, ficando ainda mais engraçado por já estar se aproximando da velhice, sendo assim, os movimentos estavam fora de ritmo, ainda mais porque estava bêbado... Mais pessoas caíam de risos. Gideão gingava capoeira para os coqueiros! Onde já se viu? Só alguém bêbado mesmo!

Uma senhoria que passava voltando da feira com o neto, carregando suas compras na cacunda, muito curiosa para saber o porquê de haver um coral de risos, foi aproximando-se com cautela segurando as mãos de seu netinho. Até que o pequeno neto perguntou:

_ Vovó, não é aquele sinhô que vai pra a faculdade estudar depois de véio?

Ao que a avó, já entrando no clima das gargalhadas, que tiveram como motivos tanto a pergunta do neto quanto a cena bizarra do Sr Filosofia gingando capoeira para coqueiro, enfim, respondeu:

_Farcudade meu neto? Aqui nessa cidade num tem farcudade não. O Gideão doidão vai é pro grande boteco desta cidade que tem o nome de “Farcudade do Shopp”. É lá que ele vai, meu neto!

Até a velhinha começou a rir sem parar do que estava acontecendo. O netinho olhava com um acara estranha como que não entendia nada. Enfermeiros e médicos tentavam ficar concentrados. Ficavam com o riso preso. Ah, que dia nesta cidade. Um dia com tal exuberância que é para nunca mais ser esquecido! Por anos este assunto esteve em voga na cidade, fazendo com que a monotonia da cidade se esvaísse. Viva Sr Filosofia, viva Gideão doidão! Viva o Rei do debate, o Rei da alegria! Gritos felizes comuns da população da cidade que continuava respeitando Gideão, principalmente depois de saberem que estava assim por ter desafiado o tirano do Coronér.