M O T O R Z I N H O

Quero antes o lirismo dos loucos. O lirismo dos bêbados.

O lirismo difícil e pungente dos bêbados. Não quero saber

do lirismo que não é.. ( Manuel Bandeira )

"Loucura ou insânia é uma condição intrínseca da mente humana", revelada através de pensamentos e atitudes considerados anormais pela sociedade . Razão pela qual , qualquer demonstração do ser humano vinculada a essa condição é interpretada pelas demais pessoas, como um mero exercício da loucura , por sinal, facilmente detectado no dia a dia.

* P E S Q U I S A

Percebi no município de Camarajibe, a existência de um rapaz chamado Wilson Silva ( WS ), perambulando pelo centro da cidade e em regiões adjacentes , investindo-se na condição de Transporte Coletivo.

Conversando com ele, verifiquei que existia uma dupla maneira de imaginar-se na vida como parte ativa da população. O Wilson da Silva ( Motorzinho ) é sua própria empresa, seu mantenedor, seu gerente, funcionário, sua máquina, seu combustível, enfim, tudo o que for necessário para manter-se produzindo e satisfazendo emocionalmente a si. Seu principal instrumento de trabalho é o seu próprio corpo... Capital humano. Acha-se um condutor de transporte coletivo e ao mesmo tempo o seu próprio transporte, ou seja, um ônibus de transporte de pessoas, obedecendo todas as regras impostas pela sua própria empresa, como: Fardamento, pontualidade, manutenção e abastecimento do veículo, tudo conduzido por ele mesmo.

Sua garagem é a sua própria casa, situada na UR-7, também compartilhada pela sua mãe. Seu itinerário não é fixo, mudando de acordo com a sua vontade, embora o ritual diário seja sempre o mesmo. Sai de sua garagem ( casa ) com fardamento de motorista, boné na cabeça, óculos escuros, duas placas de veículos localizadas, na porção mediana das costas e na mediana do peito, nem sempre dotadas da mesma numeração, sob a alegação de mudança de veículo. Segurando um volante e uma alavanca de câmbio. descendo costumeiramente a ladeira da UR-7 , parando nos pontos habituais de passageiros, ao longo da Av. Eliza Cabral, antiga Rua da Festa, abrindo as portas, aguardando a subida, fechando as portas, empreendendo marchas, ligando setas, acelerando ou reduzindo a velocidade, buzinando quando preciso, respeitando semáforos, galgando a Av. Belmino Correia até atingir o ponto final ( Terminal de passageiros ).

ARRECADAÇÃO DAS PASSAGENS

Geralmente, aos finais de semana, sai em busca das passagens “devidas” pelos passageiros. Aborda e cobra a qualquer um, pelo valor das passagens , não havendo valores fixos, nem a obrigatoriedade de fazê-lo. São contribuições para a manutenção do “veículo” ( ele próprio ) e o abastecimento da semana. É bem recebido pelas pessoas que procuram ajuda-lo e vivenciarem um pouco desse cenário, digno de merecimentos e elogios.

Homenagem “in vivo

Sensibilizado pela pesquisa e o conhecimento desse verdadeiro homem e artista, fiz inicialmente uma Poesia em sua Homenagem e em seguida musicalizei-a sob o título de "Expresso da UR-7".

Expresso da UR-7

Saltitando...Saltitando, lá vai o menino/ônibus passando, parando, manobrando pelas ruas da cidade, arrebatando olhares, inserindo-se na paisagem, mudança de imagem, inversão de rotina; Garantindo seu espaço, controlando com desembaraço a evolução de cada destino; Aqui e acolá, respeitar é palavra de ordem: Sinais e ultrapassagens perigosas, imagens distorcidas na velocidade empreendida, nada importa; Exercício de civilidade, andarilho coletivo à porta do porto permitido, rumo ao delírio estonteante do prazer; A cada passo, abrindo passagem, imprimindo velocidade, reduzindo a força do motor, vociferando ( vum..vum...Vum ), funcionando, mantendo a rotação, filtro sensitivo da ocasião, debreando na mudança de câmbio, refazendo o equilíbrio da direção, movimento variado, coitado, corpo em chamas, banhos de suor, olhos protegidos pelos óculos, parabrisa dissimulado, destino no boné, verdadeiro espetáculo , teatro de rua, sincronia com a alegria sentida; Emoção nas batidas do coração, muita disposição, chegada ao destino traçado, recomposição... hora de retornar, chave na ignição, novamente o motor em ação, passageiros fictícios satisfeitos, o céu escurecendo, faróis de sol se apagando, claridade lentamente se escondendo , crepúsculo da tarde, sensação do dever cumprido, retorno refaz a rotina, rumando resvala sobre o plano, pneus de sapatos carecas, desalinhados por acidentes já sofridos, a perna então saltita, compensando o desgaste ósseo, o móvel então se equilibra, retorno ao sentido inverso da saída, belo exemplo de vida, sorrindo com ela, aquarela da paisagem, sonho e realidade se confundem , extrato de felicidade, materialização, liberdade de sentir, vontade por si satisfeita, acima de qualquer visão, emoção, invade e influencia sua forma de ser... aventura, espelho nato, retrato de sua imaginação, multidão de impulsos nervosos em direção a musculatura, informação... garagem é símbolo do repetir, concentração , reflexão, criação , valeram à pena sim !!!... esta é mais uma grande lição, um homem que dedica sua vida , sem ambição, a fazer dela a força motriz, que impulsiona essa dura, quase impossível realidade, aceitar que através da arte, existe um caminho mais fácil na arte de ser “feliz”.

• Música : Expresso da UR-7

• Melodia e letra: Paulo Carneiro

Vum...vum...vum...motor vociferando,

Vum...vum...vum...vum...vum...e o coração em alta rotação,

Na rotina da cidade, lá vai ele saltitando,

Pela estrada dirigindo, no seu carro imaginário,

Direção nas mãos rodando,

Na partida acelerando,

Sua vida cheia de emoção,

Silhuetas vão passando,

Passo a passo num cenário,

Desigual...

Faz de sua vida uma lição,

KGL 2949 WS , o expresso da UR-7,

WS o expresso da UR-7

Paullo Carneiro
Enviado por Paullo Carneiro em 31/10/2011
Reeditado em 12/04/2012
Código do texto: T3308846
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