Rolo de Corda

(*)

Ali com o pessoal da Cadeia, Renê colaborava na resolução de um caso, no mínimo cheio dos mal-entendidos, conforme frisava o depoente.

A respeito de um pedaço de corda.

Uma corda, segundo punha os detalhes, uma corda bem boa de uso, dessas afeiçoadas, de nylon. Ia caminhando sem pretensão, achou-a perdida numa beira de rua.

O caso veio a complicar-se porque, dando por fé, constatou a égua castanha, teimosa e seguindo amarrada na outra ponta da corda. De tal modo, levando o objeto por um direito de quem acha, o animal seguiu de embrulho e de arrasto. Égua do João, conforme viria esclarecer-se mais tarde.

Ponderando-se, isso não fora propriamente roubo. A autoridade precisava reconsiderar. Renê alegava, para ele importou mesmo a corda: em casa, serve para dependurar a tábua de curar queijo. Essa égua do João, não. Renê não carecia ter um bicho desse no seu quintal. Até porque, como fazia o João da Égua, para possuir o animal ia necessitar amarrá-lo numa corda por aí, largado numa beira de caminho qualquer. Um absurdo condenado até por ele, Renê.

Se há quem duvide desse desinteresse, então encontre outro motivo para ele, Renê, ter logo despachado a piguanchinha para o primeiro interessado. Aquele, de fato, viu uma serventia para a égua. Verdade seja, recompensou o Renê com uma vitrola e cinco ou seis discos de pagode. Gesto de consideração, nada demais.

Agora, essa: se o João da Égua vem arrumando muita questão, porque nem tem como fazer o aluguel da carroça e não se sabe mais qual alegação, e sendo negócio de égua, ora, o Renê se dispensa. De égua, Renê não tem notícia.

A vitrola, sim. Pode mostrar. E sem os discos, umas bobeiras de pagode, logo trocados por um par de botas e os óculos.

Negócio fechado, também botas para usar quando? Novas até, mas preferiu manter os óculos escuros, enfeitando a cara. Acostumado aparecer de chinelos, passou adiante as botas para um índio com jeito de tonto. Renê confiou na palavra do gentio, aceitando um diamante bruto, pedra de valor. Índio trambiqueiro, porque o troço também principia enguiços. Coisa preciosa, aquilo lhe rendeu bom preço, mas lá em casa já andou um sujeito baldoso, desconhecido do Renê, alegando tapeação. Trouxe a pedra e quer a bofunfa viva de volta. Dinheiro, o Renê? Logo este, desapegado de moeda, então não aplicaria no melhor investimento, como deveras fez, tendo comprado a bicicleta. Coisa melhor. Serventia para andar, não consome combustível nem carece capim. Guardada em qualquer canto da sala, nem precisa manter amarrada numa corda.

Entretanto, como aqui a Cadeia tem de resolver o caso da cordinha de nylon, Renê mostra todo o interesse em colaborar. A autoridade, no dever de agir de modo imparcial, quebra-se um galho a favor das duas bandas. E tudo terá descomplicado. A volta para casa pode até ser mais cedo. O João da Égua, esse aí não carece de brabeza e confusão, porque ele, Renê, compromete-se em mandar outro animal do mesmo valimento e conforme o prazo.

De lambuja, a vitrola segue nos acertos, engambelada com um disco do Lindomar, velho, coisa rara.

Os óculos, em não se havendo nada contrário, Renê tem maior interesse. Atipou o visual, caiu direito e trouxe sorte.

Para a Cadeia refletir, um negócio e tanto a favor do reclamante.

Mas, está fora devolver a cordinha de nylon, um objeto com suas utilidades afins, encontrada perdida e é um direito de quem acha. Também porque, aqui na delegacia, o João fez a confusão e só veio dar parte mesmo é do animal. Da cordinha, não falou “a”.

Sem problemas. Faltando, mesmo, acertar daqui por diante o enguiço do diamante falso. Liberado, segue direto atrás do índio. Pôr esse troço a limpo.

(*) Conto integrante do livro "Fulanos e Sicranos", 2ª edição.

Milton Moreira
Enviado por Milton Moreira em 30/10/2011
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