Surradinho
Outro dia eu vi um menino apanhar por excesso de felicidade. Foi a primeira vez que eu vi uma coisa dessas.
Ele estava do outro lado da rua, num ponto de ônibus com a mãe. A mulher tava com uma cara azeda, com um filho no colo e o outro pulando de contente. Rindo, agitando os braços no ar. Foi aí que ele apanhou. Na cara, pra deixar de ser feliz. A mãe com um neném no colo, pesando,suando, é cobertor, pano daqui, pano de lá, sacola e chupeta, maldito ônibus que não passa nunca e o outro vertendo felicidade, como é que pode?
Nem chorou, só parou de pular, o surradinho. A mulher ficou mais aliviada, não foi porque o ônibus passou, domingo, sabe cumé, sempre é menos carro que eles põem pra circular. Eles não andam de ônibus, nem sabem o que é levar criança maior, menor, cobertor, pano daqui, pano de lá, sacola e chupeta num troço que chacoalha nas curvas. Eu também não sei, mas isso não vem ao caso agora.
Eu disse que foi na cara que o menino apanhou, mas dava pra ver nos olhos dele que a alegria continuava ali, passeando, camuflada pra não ser esbofeteada de novo. O menino era alegre de nascença, mesmo sem motivo. Era danado de carteirinha, um ótimo candidato a um espancamento coletivo.
Rir daquele jeito, pra quê?
Ô povo mais sem paciência! Começaram a buzinar e eu tive que sair com meu carro. Tem gente que se incomoda com a alegria alheia. Vou te falar, eu tava gostando de ver aquilo.
Uma alegria me contagiou e teve um momento que eu seria capaz de dar na cara do primeiro que viesse a me importunar, mesmo que se o fosse o pivete do ponto de ônibus que tivesse se aproximado do vidro do carro, me assustado, pensei que era uma assalto...ah, acostumado a apanhar ele já tava, né?
Merda de vida! Nem pude ver a hora em que o ônibus passou.
(Maria Shu - out/2011)