O FINADO E O PAVÃO

Nelson chegou ao cemitério da grande planície para o velório de um velho amigo.

Logo na entrada da sala avistou Pavão. Eles andavam com algumas diferenças entre si, causadas por palavras soltas no vento.

Depois de prestar suas condolências a família do amigo falecido e ficar alguns minutos a olhar o semblante sereno dele no seu leito de morte, dirigiram-se para onde Pavão estava.

Chegando lá, espalmou sua mão direita no meio da costa dele a altura dos rins. No mesmo instante, sua mão esquerda bateu com carinho na parte esquerda do seu peitoral.

Nelson selou aquele encontro dizendo-lhe:

- E ai parceiro, tudo bem?

Algo incompreensível saiu dos lábios de Pavão. Murmúrios que mesmo assim, foram interpretados por Nelson como uma recíproca a sua saudação.

A proximidade entre os dois, no entanto, não durou muito tempo. Sem nenhuma explicação Pavão afastou-se repentinamente dali, indo postar-se a cerca de dois metros à frente, próximo as coroas de flores. Ali permaneceu durante todo o velório.

Sob o impacto de tão estranha atitude, Nelson ficou a pensar nas razões de Pavão para tanta indelicadeza.

“Será que estou a cheirar mal? Perguntou-se.

Não poderia! Quando saia de casa, sua mulher até brincou:

- Você vai mesmo a um velório? Está tão cheiroso!

Decidido a não ocupar-se mais em pensar na grosseria de Pavão, tirou os seus olhos do “Amigo” vivo e fixou-os no amigo morto.

Chegara à hora de levá-lo a sua sepultura.

O esquife dentro da campa foi sendo oculto por mãos hábeis no trabalho de fechar a gaveta, cimentando-a. Em gesto final de despedida, aplausos ecoaram pelas alamedas caiadas e frias.

Caminhando em direção a saída, Nelson não viu mais Pavão por perto.

Quando no bicicletário, Nelson percebeu de canto de olho, Pavão voltando em direção a entrada principal daquele campo-santo.

Pensou para si:

- Agora vamos ter que nos falar e resolver o que tiver que ser resolvido.

Pareceu-lhe que seria assim, pois vindo da via marginal e no passo que estava não demoraria a Nelson ter Pavão passando bem a sua frente.

Mas Pavão, também de onde estava também viu Nelson. Então ele decidiu tomar a direção da Rua Julio M. Batista para chegar até a avenida dos trabalhadores.

Achou melhor desaparecer pela viela escura que ladeava o cemitério a ter que passar diante de Nelson e com ele dialogar.

Nelson, quando finalmente soltou sua bicicleta, virou-se esperando já dar de cara com Pavão.

Como não havia mais ninguém ali a, não ser ele e o silêncio característico daquela esplanada deserta, chegou à conclusão que naquele fim de tarde havia perdido dois amigos.

Um! Pelos mistérios da vida que leva cada um ao encontro do seu inevitável destino.

O Outro! Pelas ações humanas que colocam cada um, diante das suas escolhas e máscaras.

Nesse aspecto, o finado era um exemplo de como se viver bem.

Na cabeça dele, todo erro cometido era uma excelente oportunidade do “ser” elevar-se, concertando o erro no momento seguinte.

Ainda segundo o finado:

“Viver não era tão somente existir. Viver! Consisti a na arte de dignificar o “Ser”.

E Falcão era um “Ser” determinado a vencer obstáculos e não parar diante deles e ficar buscando culpados no lugar de soluções.

Na cabeça de Pavão... Bem! Quem de verdade pode dizer o que se passa na cabeça de um Pavão, além da conhecida vaidade.

Nelson acessou a ciclovia que corria paralela a marginal, voltando para a sua casa. Pedalando e em Paz.

“No seu caminho, a determinação dos Falcões era muito mais relevante que a indiferença dos pavões.”

FIM