Felicidade

Joana pintava em seu jardim florido e arborizado, figuras abstratas em uma folha branca. Pintava cores, e rabiscos desproporcionais, pintava algumas figuras que se pareciam casas tortas, e árvores de diversas cores: vermelhas, verdes, e pretas. Pintava o escuro e o claro, estaria ela pintando o medo e a coragem? estaria pintando aquilo que se conhece por alegre ou triste? Não sabia o que pintava, mas continuava pintando assim mesmo, deixando que aquela tarde ensolarada a carregasse para algum lugar de que ela desconhecia. Nesse contínuo prazo, sentia uma sensação de liberdade, como se tudo aquilo ao seu redor fosse apenas seu, como se o mundo todo e além, estivesse bem ali, bem próximo de sua visão. Acreditava que poderia pintar até mesmo as coisas que não vemos, mas que sabemos que existem, e que possuem uma força característica de que todas as coisas, por mais microscópicas que sejam, possuem.

Poderia ela pintar o universo? não o universo propriamente dito, mas aquele universo que se encontra dentro das coisas, e das pessoas, aquele universo individual que cada um possui dentro de si, mas que na maioria das vezes o desconhece? Mal ela sabia que era exatamente isso, o que ela pintava, seu universo todo jorrava com brutalidade na folha branca. Lembranças, saudades, sorrisos, cores, perfumes, lágrimas, eram depositados tudo de uma vez só na sua frente, e mesmo assim ela desconhecia o que pintava, talvez pelo fato de não ter alcançado uma lembrança mais profunda, ou até mesmo um sentimento mais profundo. Sim, ela sentia que precisava trazer de algum lugar, lá do fundo de seu universo, algo que ainda era desconhecido, mas que, mesmo sendo desconhecido, sentia que era algo de extremo poder, algo que brilhava muito mais do que aquele sol que a banhava naquela tarde. Tudo era tão efêmero, o sol se punha e a noite chegava, as coisas morriam, outras nasciam, certos dias sorrisos brotam espontaneamente, outros dias lágrimas vertem sem pedirem licença. Tudo passava em frente aos seus olhos, e aquele sentimento desconhecido, permanecia fixo, intacto, e tudo aquilo estava acima de suas compreensões, estava acima de tudo o que lhe era tangível, tanto internamente, no seu próprio mundo de cores e nostalgia, quanto externamente, num mundo que não era seu e que não era de ninguém, num mundo feito apenas por instantes, onde tudo era incerto e nada era concreto.

De repente, Joana parou de pintar por alguns instantes e pensou: " Como poderia pintar o que desconheço, mas sei que existe?"

Os anos se passaram e Joana cresceu, se tornou uma mulher, e a pergunta que ela tinha feito há alguns anos atrás, foi deixada de lado. Nesse tempo conheceu pessoas, conheceu vitórias e fracassos, conheceu o mundo na sua mais verdadeira face, conheceu amores e descobriu o que era os significados das palavras: frustração, alegria, tristeza, ilusão, esperança, e muitas outras palavras e sentimentos que até então eram inéditos e desconhecidos.

Ainda, mesmo moça, não havia perdido o costume de pintar, só que agora, pintava quadros, e a cada novo sentimento que a vida lhe mostrava, ela expressava da melhor forma possível em seus quadros, uns com luzes como estrelas num fundo amarelo e branco, outros escuros como a noite com pingos vermelhos e rabiscados. Pintava, pintava e pintava, e sentia que algo faltava: " Será que deveria eu, acrescentar algo a mais nestes quadros? Tem algo de tão vazio neles, não sei, talvez esteja faltando algum retoque especial...", então retocava quadro a quadro insistentemente, tentando descobrir aquilo que estava faltando, precisava encontrar de todas as formas, para o quê? Não sabia para o quê, mas sentia que aquilo a estava sufocando dia após dia, e ela sabia que precisava encontrar.

Certa manhã, quando parou de procurar por aquilo que faltava, e se deixou apenas viver os instantes incertos de sua vida, foi levada, como uma folha que se joga no vento,para uma estrada no meio de um bosque, e foi tomada por pensamentos desesperançosos: " É, realmente, nem tudo aquilo que nos é desconhecido, pode ser descoberto por nós, apenas viverei, sem pensar nas coisas que podemos tocar e não tocar, me deixarei ser embalada apenas pelos instantes seguintes." Caminhando,olhando em sua volta, percebeu uma leve brisa passando pelas flores e árvores e logo em seguida esta mesma brisa passando pelo seu corpo frágil e sem esperanças de um futuro novo, nesse mesmo instante sentiu como seu corpo fosse banhado com um sentimento que até então ela jamais tinha sentido anteriormente, ficou parada, imóvel por alguns minutos sentindo aquela brisa suave, invadindo aos poucos a sua alma, penetrando em um lugar que nunca havia sido tocado antes, nem por ela, nem por nada, nem por ninguém. Com isso lembranças, e momentos únicos e distantes que nem ela mesma lembrava mais, vieram com humildade para a superfície, para a parte mais "rasa" de seu universo, esse sentimento único e novo, não conseguiria ser expressado em quadros, nem em palavras, era apenas para ser sentido e vivido, era um sentimento feito apenas de um simples momento, mas que para ela durou uma eternidade. Sentiu medo e espanto por algum tempo, medo daquilo tudo se volatilizar como apenas em um sonho: " E quando isso acabar? Nada é eterno..." Mas logo este medo e espanto, foi levado juntamente com a brisa ali presente, e ela se deixou viver aquele momento único, tomando as últimas gotas da eternidade.

Quando tudo passou e tudo voltou ao normal, ela se sentia cheia, tão cheia, que pensou que iria explodir em luzes mais fortes que os raios de sol. O que antes faltava, agora havia de sobra, e enfim Joana descobriu que o que ela buscava, se resumia em apenas uma simples palavra : FELICIDADE.

Danilo Rodrigues
Enviado por Danilo Rodrigues em 27/10/2011
Código do texto: T3301656