No fretado.

Ela acordou atrasada, pra variar. Tinha que sair às sete de casa e levantou às seis e quarenta. Vinte minutos pra se trocar, arrumar toda a bagunça que deixou na cozinha na noite anterior, comer alguma coisa, se maquiar, colocar o lixo pra fora e chegar na Estação Sacomã. Missão totalmente impossível para qualquer mulher. Não pra ela. Dezessete minutos. Depois de colocar um pão de forma com queijo no microondas, limpou a cozinha e foi se trocar. Onze. Pegou as garrafas de cerveja ao lado da cama e as enfileirou na pia. Comeu e escovou os dentes. Antes de dar início à maratona de atrasos e desonfortos de seu dia, algo que ela não sabe bem explicar o que é a fez olhar pela janela.

O sol bateu em seu rosto, uma brisa agradável também. Decidiu que não iria fazer tudo correndo como sempre. Decidiu que queria ter uma manhã de verdade. - Hoje ela não vai passar maquiagem. Hoje ela não vai usar salto alto. Hoje não tem decotes e saias curtas. Nem batom vermelho. Hoje não tem sorrisos ou bom-dias nem boa-tardes nem boa-noites. Hoje ela não vai comer só uma saladinha e beber seu suco com adoçante. Não vai passar fome o dia todo. Não vai fazer o que ela não gosta comprando o que não precisa pra impressionar gente que ela odeia. Hoje ela não vai trabalhar.- Após tomar a melhor decisão dos últimos tempos que provavelmente resultaria num esporro do chefe ou até uma possível demissão, desligou o celular, deslogou as redes sociais e fechou as janelas. Aquele sol que batia em seu rosto era perigoso, a dava coragem pra fazer o que queria. E ela não achava muito sensato morrer hoje. Talvez amanhã. Então, simplesmente, fechou a janela.

Simplesmente, fechou os olhos. E deitou. E dormiu.

Quando acordou, com uma dor de cabeça chata que só aumentou quando ela percebeu que não tinha remédio, foi até a geladeira atrás de uma cerveja. Não tinha. Deixou de acreditar em sol e magias da manhã que a fazem ficar em casa pra ter um dia promissoramente melhor. O sol, o dia, a noite, sempre/só prometem.

De que adiantava ter perdido um dia de trabalho sem cerveja na geladeira? De qua adiantava aquele sol maravilhoso sobre ela se

amanhã o mesmo estaria rindo da sua cara enquanto a mesma chorava em frente um computador por oito horas seguidas?

De que? De que? De que?!

Não adiantava de nada mas não vai ser tão fácil assim. Esse sol vai

me assistir hoje e a lua também. - ela pensou, já pronta pra sair. Chamou o elevador já indo pras escadas. Sem paciência, como sempre. Mas quem precisa dela (a paciência)? Em sua maioria os acomodados, os fracos, os covardes. E ela era tudo isso, só não era a maioria. Seu tédio era confundido com paciência e calma. Sua raiva era confundida com paixão. E sua dó com amor. Ninguém nunca a compreendia por um simples motivo: ninguém queria a compreender. E ela não culpava as pessoas por isso. Também não se interessaria por ela se fosse elas. Ao sair de seu prédio, com um cigarro entre os dedos, lembrou da cerveja. Comprou duas. Garrafas. Estava anoitecendo. Parou num bar e se lembra apenas da primeira dose de Tequila com dois desconhecidos. Correu. Dançou com mendigos. Subiu em uma árvore. Acendeu cigarros ao contrário. Trepou em praça pública. Mostrou a bunda pra polícia. Beijou o marido dos outros. Beijou a mulher dos outros. Deu sinal pro metrô. Passou por baixo da catraca na lotação. Se apaixonou umas mil vezes. Estava perdida e adorava isso. Simplismente saiu e não sabia se e quando voltaria. Talvez demitida, talvez feliz, ambos por justa causa. Mas morava sozinha e as pessoas demorariam pra sentir sua falta. Como sempre.

É,

Ela adorava sonhar no ônibus fretado da empresa. Esse tinha sido dos bons. Colocou seu crachá, pegou a bolsa e foi trabalhar.

nes_ste
Enviado por nes_ste em 25/10/2011
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