O SONHO

Era Domingo. O centro da cidade estava vazio. José acordou mais tarde. Fez café, tomou uma xícara e comeu as últimas duas bolachas doces, já meio “passadas”.

( José era um jovem saudável no vigor dos seus vinte e cinco anos. Em Tijucas, cidade onde nasceu, já tinha trabalhado de garçom, de sapateiro e de bombeiro(num posto de gasolina). Levava uma vida meio monótona. Vivia para trabalhar. Sua família não tinha recursos financeiros e ele para subir na vida teria que “ralar” sozinho. Caiu do céu aquele anúncio no jornal da Capital. Oferecia vaga de Ajudante de Pedreiro em uma construtora de Florianópolis. José então resolveu ir para Floripa)

José colocou sua roupa domingueira e dirigiu-se para a Praça XV. Lá encontrou alguns conhecidos.

Berenice estava sentada ao lado de uma amiga, num dos bancos da praça. José dirigiu-se até ela e convidou-a para irem ao cinema. Berenice agradeceu o convite mas não aceitou sair com José.

( Ele não tinha sorte com as mulheres. Seus relacionamentos nunca duravam mais de duas semanas. – Êta vidinha mais ou menos !– reclamava.)

( José pernoitava numa sala do edifício em construção. O prédio estava na fase de “acabamento” e localizava-se no centro da cidade. Mesmo instalado precariamente, José, antes de sair, arrumava a tosca cama e limpava os utensílios usados.)

( Nos últimos 30 dias José estava sonhando toda noite. O sonho era assim : “ Ele subia uma pequena elevação do terreno e depois tomava impulso até atingir velocidade. Aí então alçava vôo em direção a uma imensa planície. Sobrevoava casas, rios e florestas. )

( Adorava o sonho e não contava prá ninguém pois ouvira dizer que se a pessoa contasse , nunca mais conseguiria repetir o sonho. Parecia que havia um cordão invisível que ligava seu corpo-voador ao corpo-sonolento-inerte. Sentia um sobressalto e quase sempre acordava quando seu corpo etéreo voltava ao corpo físico, como se os corpos, ao se encaixarem, estivessem desalinhados.)

Já era quase meio-dia e José estava com fome. Passou no boteco que ficava na esquina da rua do edifício e comeu um pastel de carne com um “refri”.

Retornando ao seu cubículo, sentou-se na cama com a cabeça entre às mãos calejadas. Neste momento veio-lhe um pensamento. Ele queria voar de verdade. Todos passariam a respeitá-lo. Ouvira dizer que se uma pessoa tem um pensamento forte e tem fé, esta pessoa pode fazer tudo o que quiser...

Levantou-se decidido. Tomou o elevador de carga e foi até o último piso. Debruçou-se à mureta e contemplou a cidade. Teve a sensação de que ele nada representava para os moradores daquela cidade. Era um completo desconhecido.

Abriu caminho, preparando a rampa para voar. Empilhou algumas caixas e pedaços de madeira. Tomou distância da mureta frontal do edifício e iniciou a corrida com saltos firmes e decididos. Ganhou velocidade e atirou-se no vazio.

Foram longos 04 segundos de vôo livre.

Sua vida passou em sua mente como um rápido lampejo de luz.

O seu sonho virou realidade.

No último segundo da queda sua mente ficou extraordinariamente lúcida.

Havia uma saída. Como não pensara antes naquela possibilidade?

Não deu mais tempo.

Sem emitir nem um simples “ai” seu corpo encontrou a inevitável realidade do asfalto.

MURILO
Enviado por MURILO em 22/10/2011
Reeditado em 22/10/2011
Código do texto: T3292467
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