COISAS DE FAMÍLIA I
"De novo!?". Foi o pensamento de Vera ao ver Julio entrar cambaleando na sala de aula.
Olhou diretamente para o menino que devolveu o olhar com um sorriso desafiador:
"Oi, tia!?" disse numa voz "carregada".
"Boa tarde" foi a resposta seca da Professora.
Há muito Vera notara problemas em Julio.
Há muito, também, notara os efeitos do álcool no aluno de quinze anos e este, era só um dos problemas que vivia desde que chegara aquela Escola Publica.
De volta ao presente, viu quando Julio fez algumas brincadeiras com outros alunos até que sentou-se num dos últimos bancos da pequena sala.
Vera deu seqüência a aula e ao final, foi até a diretora, "dona" Jandira, e pediu:
- Preciso falar com os pais do Julio.
- Sobre o quê?
- Hoje foi a terceira vez, só esta semana que ele chegou com cheiro de bebida.
Uma outra professora que ouvia a conversa interrompeu
- Ainda bem que é só bebida.
Vera olhou para a colega e continuou com a diretora:
- Jandira me ajude por favor.
A diretora fez cara de "pouco crédito" e respondeu saindo da sala:
- Tudo bem. Você encontra o telefone na ficha dele.
Vera foi até o fichário, procurou o documento e ao acha-lo observou algumas anotações no quadro Comportamento, como brigas, indisciplina, além de muitas faltas.
Leu no campo Informações, que a mãe morrera há dois anos e que Julio tinha também uma passagem pela polícia.
Sentiu uma tristeza súbita invadir seu coração que não soube explicar.
Tomou nota do número do telefone e depois de algum tempo, ligou:
- Alô
Do outro lado uma voz feminina atendeu:
- Oi, quer falar com quem?
- É da casa do Julio César Barreto?
- Sim, mas ele ainda não chegou da escola.
- Aqui é a professora Vera, gostaria de falar com o responsável por ele.
- Ai meu Deus, o que esse menino aprontou desta vez?
- Não. Nada. Só quero conversar com o responsável. É a senhora?
- Não! Eu sou irmã dele. O responsável é o meu pai.
- A senhora pode comunicar ao seu pai que a professora Vera quer falar com ele aqui na escola?
- Tudo bem. Vou dar o recado.
- Pode ser amanhã, na parte da tarde.
- Tudo bem, dona Vera, eu falo com ele.
- Obrigado.
- Por nada.
Vera desligou o telefone e seguiu o curso da vida.
No outro dia chegou ao colégio e foi recebida por Jandira:
- Oi Vera, o responsável está te aguardando. - Falou apontando para uma pequena sala no interior da secretaria.
Vera fez que sim com a cabeça e se dirigiu até o cômodo.
Ao entrar notou um homem, cerca de cinqüenta anos, cabelos ralos e olhar desafiador.
- Seu Luiz?
- Sim - O homem respondeu com um olhar vazio e voz embargada.
Vera sentiu que cheiro de bebida "contaminou" o ar.
- Pode falar - Insistiu o homem ao tentar levantar e cair sentado de novo.
Diante da cena, Vera simplesmente não sabia o que dizer. Nem o que fazer...