Terça feira, mais precisamente uma terça feira de um inverno generoso que já se preparava para recepcionar a nova estação. No ar, o perfume da primavera se fazia sentir e o frescor de uma brisa suave, carregava o aroma delicado das flores que vaidosas, se aprontavam para se apresentar assim que fossem chamadas. Sentado em um dos bancos, observava o fruto da mescla homem- natureza que, com cuidado, criaram a praça. O chão coberto por cimento, cedia alguns lugares de contornos diferentes onde o verde das gramas delimitava a extensão de todos os jardins. Um palanque situado em uma das extremidades, por muitas vezes sustentou sobre si, artistas anônimos ou não que através de suas apresentações colocavam mais emoções na vida de quem os assistia. Certamente esse era mais um dos muitos dias em que eu me preparava para aproveitar o ar puro e fresco e ao mesmo tempo me alegrava por saber que em mais alguns minutos antes de se recolherem dezenas de pássaros se distribuiriam nas arvores para compor um coral que regido pela natureza preencheria todo o ambiente com suas notas inimitáveis.
Enquanto saboreava um picolé de manga, comprado a um vendedor ambulante, pude observar que em um banco próximo ao meu havia um rapaz de aproximadamente 35 anos, cabelos pretos bem penteados, vestido de maneira simples e discreta e que olhava fixamente para uma das árvores, talvez a mais exuberante. Vendo-o perder-se no tempo, fui tomado de uma curiosidade a qual me levou a também olhar a árvore de maneira especulativa.
Tratava-se de um ipê-amarelo que por sua estatura certamente já habitava o lugar a muitos anos.
Apesar do movimento de pessoas que atravessavam a praça para encurtar caminho e de um pequeno ruído de crianças brincando, o rapaz continuava assim meio que perplexo ao olhar a árvore.
Passado algum tempo, assim como que se tivesse tomado uma decisão imediata, um homem que parecia apressado, parou, respirou e, após sentir o bálsamo contido no ar, relaxou, olhou a volta e decidiu sentar-se no banco onde o rapaz se encontrava.
- Boa tarde – disse ele
- Olá! – respondeu o rapaz
- Ainda bem que reparei no lugar e deixei que a atmosfera presente me envolvesse. Hoje estou me sentindo meio agitado, na verdade estou um pouco nervoso e quem sabe essa parada não me traga ao eixo de novo. –disse o homem com um leve sorriso.
- É possível, afinal este lugar é muito bonito. Eu por exemplo estou aqui já faz algum tempo e fiquei encantado com esta árvore, pois além de grande ela é muito bonita e bem cuidada. – finalizou.
Por está próximo aos dois , pude ouvir quando o rapaz perguntou ao homem que se dizia nervoso.
- Qual seu nome?
- Eduardo. E o seu?
- Carlos.
- Prazer – disse Eduardo
- Prazer é todo meu. – concluí Carlos.
Enquanto conversavam, me distraía com o vai e vem das pessoas e me encantava com as belezas naturais do lugar.
Não sei porque mas de novo quando me dei conta lá estava eu prestando atenção no que os dois que acabaram de se conhecer conversavam, e assim direcionei minha atenção para eles e então ouvi quando Carlos com um ar que beirava a inocência perguntou:
-Vê aquela folha?
-Qual? – enquanto pergunta, Carlos tenta identificar a folha entre tantas.
-Aquela no alto da árvore.
-Ah! sim. O que tem ela?
-Que eu saiba nada
-Ora Eduardo, então porque me mostrou?
-Você já a tinha visto?
-Não! – diz Carlos
-Talvez tenha sido por isso que mostrei.
-Sem graça!
-A folha?
-Não! Você!
-Por que? Por ter mostrado a folha? Você acha sem graça quem mostra uma folha?
-Claro que não.
-Mas você disse que sou sem graça porque te mostrei.
-Sim eu disse. Mas só falei assim porque esperava que você fosse acrescentar algo interessante.
Ao dizer isso Carlos já dava demonstração de que o nervosismo que ele estava começando a se livrar, começava a se alojar em seu interior de novo.
-Não vê nada de interessante em uma folha? – insiste Eduardo
-Vejo, claro que vejo!
-E o que você vê de tão interessante na folha?
-Meu Deus!!!!!!!! Você...
-Carlos você vê Deus na folha?
-Nãooo! Claro que não. Disse isso como desabafo porque estou começando a perder a paciência
-Com a folha?
-Não Eduardo!
-Com Deus então?
-Nãoooooooooo!!
-Com quem então está começando a perder a paciência?
-Com você Eduardo. Com você.
-Mas por que?
-Porque dessa folha.
-Mas Carlos, o que a folha fez a você?
-Nada, ela não me fez nada. O problema é que você me mostrou a folha e...pronto!
-Já sei, não gosta de ver folha?
Por um breve tempo, a pergunta ficou sem resposta. Pude vê o quanto Carlos se esforçou para manter a calma. Enquanto fazia esse grande esforço, Eduardo por sua vez nada percebia. Como que se alguém o tivesse avisado, Carlos olhou nos olhos de Eduardo e pode perceber, que o rapaz deixava suas palavras saírem sem passar por nenhum tipo de filtro, viu que naquele momento havia mais pureza do que qualquer outra coisa nas palavras do rapaz. Após refletir e acalmar-se, falou:
-Gosto. Adoro ver folha. Aliás, se tem uma coisa que sempre faço quando posso é ver folha.
-Sério?
-Sério!
-Sabe por que?
-Não.
-Porque a folha, principalmente a que fica no topo de uma arvore é uma vencedora. Ao nascer, provavelmente tenha ficado bem próxima ao chão, e com o passar do tempo depois de enfrentar dias de sol abrasador, chuvas e ventos fortes, ela resistiu a tudo para chegar ao topo de onde agora pode observar toda a beleza que circunda a praça. Hoje ela é referencia a quem observa a arvore por cima e de admiração a quem tenta vê-la de baixo. Atualmente é um dos maiores orgulhos desta árvore que lhe é mãe.
-Bonito, não? –
-Pois é, mas enfim, hoje esta como gosta e vai predominar em seu pedestal para todo e sempre. –Diz Eduardo mostrando interesse.
-Não é bem assim. - interrompe
-Não?
-Não. O Fato de se encontrar no cume da árvore significa que sua missão está próxima de ser alterada.
-Como assim? –pergunta o moço
-Até chegar aonde chegou, nossa folhinha foi tenra e frágil por um bom tempo. Mesmo assim ela perseverou e continuou sua escalada. Resistiu às intempéries da natureza, ervas daninhas, calor intenso, sem falar na cobiça impensada dos homens que em troca de prata matam e extingue qualquer coisa que lhes possa bancar a futilidade. E tem mais, após essa odisséia ela voltará ao seu lugar de origem, mas para que isso aconteça terá que se desatar de onde está e descer novamente.
-Mas tanta coisa, tanto esforço para nada? Depois de tudo que passou, simplesmente ela deixará de existir?
-Não foi o que quis dizer. Enquanto lutava para subir, fazia o caminho da aprendizagem. A cada escalada observava a conduta das outras folhas e via naquelas viçosas, o exemplo para também se tornar uma delas. Assim que se tornou uma folha de verdade digna de uma árvore frondosa, teve um período para prevalecer-se de todo bem estar que uma escalada limpa pode proporcionar. Hoje, passado algum tempo é hora de ceder seu lugar a outra que, assim como ela, está a caminho do cume.
-Sei.
-E nessa oportunidade colocará em prática tudo o que aprendeu ao subir, inclusive que às vezes é necessário morrer para que se nasça de novo.
-Então agora só lhe resta a queda?
-Não propriamente a queda, mas sim uma descida suave amparada por uma brisa que fará sempre uma breve pausa para que ela possa comunicar as demais o que se faz necessário para se chegar ao auge.
-E já no solo, ela não mais terá valor? – Pergunta Eduardo.
-Claro que sim. Sua chegada ao chão representa o recomeço de um novo ciclo. Ali alojada a raiz, ela servirá de sustento para que a árvore se fortaleça cada vez mais, e quando alcançar o momento certo, ela, a árvore irá alocar nossa folhinha lá no auge novamente. Mas para isso é necessário que se comprometa a praticar durante o seu novo trajeto, o melhor dos conhecimentos adquiridos na escalada anterior, e com isso possa através de exemplos, elevar a patamares celestiais várias outras.
-Interessante o que acontece com as folhas, você não acha?
-Acho sim. Elas fazem tudo com discrição e amor, ao oposto de alguns de nós.
-É verdade.
-Então vamos cuidar da folha Eduardo?
-A do topo da árvore?
-Não, a que trazemos dentro de nós.
- Claro, vamos sim.- Exclama sorrindo.
AJ Bueno
Enviado por AJ Bueno em 16/10/2011
Reeditado em 18/10/2011
Código do texto: T3279490
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