Aula de dança
Ela cruzava as pernas como uma menina virgem, um pouco acanhada – sentia-se velha demais para aquela exposição. Na bolsa, o par de sapatos de couro inglês que a filha lhe dera de presente especialmente para as aulas. Estava orgulhosa da mãe, aliás, todos da família estavam: “A vovó é uma garotona”, brincava o neto mais velho. Ela, que naquela tarde estava quase desistindo, lembrou de como todos foram generosos. Na turma de vinte alunos, era a mais tímida. Ficava ali sentadinha, fingindo arrumar a barra da saia enquanto a jovem professora sacudia-se pelo salão.
― Vem, Dora, dizia a professora.
Dora levantava-se, tirava as alpercatas de tira com aquela paciência de mulher vivida, punha a meia-calça que grudava em suas grossas varizes, colocava os sapatos de couro inglês e, arrumando os curtos cabelos atrás da orelha, ia discretamente até o meio do salão. Seu andar era compactado, os saltos tamborilavam no piso. A música era alta, agitada, um ritmo caribenho contagiante. Todos remexiam-se, alguns com técnica, outros divertindo-se como se o mundo fosse pura festa. Dora estava contraída, ali parada no meio sem saber bem o que fazer. A jovem e simpática professora lhe segurava os quadris e falava numa língua enrolada: “Así, Dorita, así”. Dora tentava desvencilhar-se, talvez a dança não fosse para ela. Lembrava de como sua mãe sempre fora uma bela dançarina e seu pai um verdadeiro pé de valsa. Ah! Se fosse jovem, pensava, talvez arriscasse, mas agora. “Ahora sí, Dorita”, dizia a professora sem perder o ânimo.
Diante dum imenso espelho, toda a turma ensaiava alguns passos. Dora tinha vergonha desse momento, “tantas rugas”, sussurrava para si mesma enquanto buscava no reflexo um resquício de mocidade, qualquer traço que lhe dissesse: ainda és jovem, mulher. Mas ao tocar-se, sentia os riscos na pele caída, o formato de seu rosto modificado, juventude e desejo desmoronados. Abatida, era como uma ave velha cujas penas já não enfeitam e cujas asas já não servem para voar. Afastava-se e ia sentar-se. Ali, num canto escondido do salão, ela observava os sapatos tão brilhantes que a filha polira com verdadeiro carinho para que ela pudesse “arrasar” nas aulas. Sentia uma lágrima quente, o coração contraía com algum medo. Era melhor deixar as coisas como estavam. Deixaria de ir às aulas, poderia muito bem continuar como professora aposentada que esquece quase todas as noites o remédio da pressão. Estava bem assim. Enfadada às vezes, é verdade, mas sem muito risco. Sapatear, saltitar num salão ao som de uma música caribenha era demais. Talvez o falecido jamais a perdoasse. Viver àquela altura e com a espontaneidade a qual só as crianças têm acesso poderia ser-lhe uma sentença total.
Observando a aula prosseguir, Dora tirava os brilhantes sapatos, prendia com um grampo o cabelo. Já levantando-se, disposta a ir e não retornar, esbarrou num senhor que acabava de chegar. Ele era um homem bonito, tinha braços fortes, uma tez corada. Dora receou o olhar, mas ao perceber que tratava-se de um belo homem, não resistiu e o mirou por um instante. O homem, simpático e galanteador, logo apresentou-se à ela.
― Amador, com a sua graça.
Ela, fazendo um gesto tímido com o pescoço, olhou para o salão e, sem fitá-lo, apresentou-se: “Dora, prazer”. Dança aqui faz tempo, ele perguntou. Não, não. Na verdade, hoje é meu último dia. O homem ergueu os braços, gracejou um pouco e logo estavam sentados um ao lado do outro. Dora com sua bolsa e sapatos no colo e o homem balançando a perna direita seguindo o ritmo da música.
― Então a senhora vai mesmo largar as aulas?
― Ah, sim. Isso aqui não é muito pra mim.
Ambos ficaram em silêncio um instante. Aquele silêncio que brota apenas dos corações ainda não conhecidos. O homem sibilou, balançou a cabeça e, com a ingenuidade e charme de um menino, tocou a mão de Dora, que sentiu o peito arrepiar como há mais de cinquenta anos não sentia. O homem levantou-se e, remexendo, foi até o meio do salão. Dora respirou fundo, os lábios tremendo, a mão gelada. Um erotismo fulminante a dominava, algum tipo de beleza fatal, algo nela latejava. Calçou com calma um sapato. Depois o outro. Passou a mão sobre o joelho, a meia-calça um pouco desfiada, e, com seu andar inseguro, foi até o meio do salão, aproximou-se do homem que lhe estendia os braços, jocoso. A música caribenha tocava e ela parecia perdida, sem saber bem o que fazer.