Pipocas

          Cansado do trabalho, chego em casa com vontade de comer pipocas. Aqueles isopores hipnotizantes que só nos fazem movimentar o maxilar.    
          Observando tudo, ruminando o nada.
          Milho e microondas.
          Poc, poc, poc, poc...
          Ligo a TV no noticiário.
          Especulação financeira na Tonga da Mirgonga do Kabuletê é responsável pelo aumento de risco de investimento onde o Judas Perdeu as Botas e, por conseguinte, encarecimento do dólar no Brasil. O problema está pipocando pela Europa e as pipocas estão estalando na minha boca.
          Na favela do Jatobá foram fuziladas seis pessoas e um menino de cinco anos foi morto com uma bala perdida.
          - Delícia - digo eu - este milho é dos bons, gostinho de manteiga mesmo.
          Vejo a mãe do garoto chorar lágrimas secas suplicando justiça. E por falar em justiça, os jornalistas âncoras, com toda a neutralidade subjetiva que a imprensa deve ter, anunciam: "Após o intervalo, não percam: ministro do supremo concede habeas corpus ao produtor acusado de usar agrotóxico proibido em milho transgênico".
          - Muito bom - coloco outra mãozada de pipocas na boca - amanhã vou comprar mais.
          Adoro propagandas. São criativas, engraçadas e nos distraem da confusão do mundo hoje. É como dizem: a propaganda é a alma do negócio. Se bem que eu acho o contrário: a propaganda é o negócio da alma. Tem umas que são tão inteligentes que, se bobear, você troca sua alma pelo produto. Veja o comercial do novo celular Atoidi.  Incrivel! Rádio, relógio, internet, máquina fotográfica, calculadora, televisão, lanterna, jogos, cronômetro, agenda, filmadora, gravador, despertador e a coisa ainda é telefone! É por isso que minha sala só tem este sofá e a TV LED 55 polegadas. Preciso de mais alguma coisa? Ah, sim microondas, pois saco vazio não assiste TV, não é? Esclarecendo, o saco aqui não é o da pipoca que está cheio, mas eu mesmo. E por falar em saco, já estou ficando de saco cheio do jornal. Parece que estão falando agora da diminuição da tuberculose nos países pobres...
          - Que merda! - reclamo - um piruá encravou nos meus dentes.
          Troco de canal. Tenho 200 para escapulir das notícas quando ficam enfadonhas. Outro dia calculei: gasto seis minutos e quarenta segundos para passar por todos os canais. Controle remoto na mão direita, saco entre as pernas (de pipocas) e pipocas na mão esquerda. Esse  é o meu mundo quando chego em casa cansado do trabalho. 
          Aqueles isopores hipnotizantes que só nos fazem movimentar o maxilar.
          Observando tudo, ruminando o nada.
          Preciso de mais alguma coisa?

Well Coelho
Enviado por Well Coelho em 11/10/2011
Reeditado em 11/10/2011
Código do texto: T3271280
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