Treino

Acordei. Via várias folhas escritas penduradas em objetos na volta da casa. Cada folha exibia palavra. Letras maiúsculas. Letras minúsculas. Letras em preto. As letras pareciam-me femininas. Ah, já entendi. Já entendi. Era uma espécie de aula. Aula mesmo. Tratava-se de interação escrita. Mesmo ainda não fui à escola, a razão era eu ser pequeno demais. A folha se lia, em letras maiúsculas: TELEVISÃO. TELEVISÃO, eu pensava. E dizia a si mesmo. A outra se via: BANHEIRO. PORTA. SOFÁ. JANELA. PIA. CHUVEIRO. MESA. CADEIRA. TAPETE. CAMA. GELADEIRA. BOLA. CHINELO. SAPATO. TÊNIS. MEIA. BLUSA. CAMISA. TOALHA. Depois de decorar as inúmeras palavras, fui me inteirar ao mundo dos quadrinhos; navegava nos quadrinhos, familiarizando-me com as palavras aprendidas por intermédio dos balões entre os elementos: MICKEY, VIU O CORONEL? Perguntou o Pateta. NÃO, POR QUÊ? Respondeu o Mickey. De vários super-heróis eu lia gibis. Superman. Eu sabia que ele era mais forte e voava como pássaro. Para evitar consequências, fui informado pela minha mãe de que ele existia somente nos quadrinhos. Homem-Aranha que eu o admirava escalando pelos prédios altos. A minha mãe me alertava que eu não deveria pegar aranha de verdade. A Turma da Mônica, eu sabia tudo da turma tão querida. As minhas idas para a escola quando eu estava na idade adequada para poder estudar, sempre levava gibis comigo para ler na hora do recreio. Meus colegas me olhavam lendo meus gibis e eles, por sinal, desconheciam o que eu lia. E a um colega eu emprestava um dos meus gibis. Depois de alguns minutos, ele me devolveu meu gibi e dizia confusamente, coisas que eu não entendia. Todavia, a única coisa que eu entendi era que ele não fazia ideia do que era um gibi. Tudo o que nós interagíamos era tão desentrosado linguisticamente. Ao reconhecer os limites dos meus colegas, o que me deixava feliz era brincar sem complicações com eles. Normalmente, eu levava meus gibis para algum lugar ou eu visitava a casa de amigo da minha mãe perguntando se tinha algum gibi para eu ler. O gibi se tornara minha referência para entender o mundo além de eu estar inserido à sociedade e nem a primeira escola em que eu estudava me ajudara o suficiente. Depois de mais um treino de decoração de vocabulários, fui pra cama ler meu gibi que a minha mãe comprou para mim. Amanhã haverá mais um treino, a minha mãe me avisava antes de dar boa noite.

Diogo Madeira
Enviado por Diogo Madeira em 09/10/2011
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