A manicure
Todos os sábados nos enfrentávamos. Ela me olhava com uma amargura inexorável, seus olhos pequenos miravam-me como se quisessem me balear. Sempre que ela me via entrar, contraía os lábios, enrijecia a testa. A dona do salão era uma mulher agradável, tratava as clientes como a amigas. Eu entrava, sentava-me numa cadeira de couro preta e já tirava as sandálias. A dona do salão sabia de cor: Mão e pé, heim? Sim, sim, eu respondia com ar desgastado, um sorriso temeroso. Sabia o que me esperava. A dona do salão a chamava: Depressa para não embirrar a cliente, menina. Ela então vinha com sua maleta e sua cólera dissimulada. Eu procurava esboçar gestos humildes, ser o mais agradável possível, embora evitasse dirigir-lhe muitas palavras. “Hoje está bem quente”, eu dizia. Ela, com uma frieza que beirava à desumanidade, fingia não me ouvir, “Hã?”. O tempo, eu continuava, está quente. Ela era seca. Punha meu pé sobre seus joelhos, as mãos de molho na água. “Sua cutícula é muito fina”, ela dizia, como se eu fosse um rato asqueroso a quem ela tinha repulsa. Seu modo de falar era arrogante, eu percebia pelo gesto que fazia com a boca, sempre fazendo um muxoxo. Ela manuseava o alicate com precisão, era boa em seu oficío. Minhas mãos suavam, os pés gelados oferecidos a ela que parecia querer-me morta. Meu sentimento era quase de submissão. Aquele momento em que ela me tinha ali, disponível até as cutículas, era-me uma verdadeira tortura. Ela me detestava, disso eu sabia, mas vê-la aos meus pés, dava-me medo. E se eu tentasse ser sua amiga? Não, não. Impossível. Ela já havia deixado claro: ergueu aquele muro de tensão e hipocrisia entre nós, duas hipócritas. E se eu mudasse de salão? Resolveria facilmente o meu problema. Jamais teria de vê-la. Não, ela era muito boa em seu ofício. Por sua causa eu tinha unhas belíssimas. E se eu perguntasse qual era o problema dela comigo? Talvez eu tenha dito algo, ou agido, sem perceber, de alguma forma execrável. Mas não. Eu sempre fora cordial, sempre. Subjugá-la também não explicaria seu ódio. Ser manicure lhe era sinônimo de ignomínia? O fato é que eu não entendia. Enquanto ela fazia minhas unhas, eu me perguntava como ela podia repudiar-me tanto. Com um gesto explícito, ela erguia a mão com o alicate: Vai pintar com qual cor? Eu, que sempre adorei os tons mais fortes, queria a opinião dela, tão importante para mim: O que você sugere?, eu perguntava. E ela, com a mesma frieza, respondia: Vermelho fica bem em você. Eu sorria, tomada por uma alegria quase incontrolável, tinha vontade de beijá-la na boca. Mas logo percebia o modo como me tratava, a distância. Ela me fazia sentir oca. Que direito ela tinha de me aniquilar daquele modo? Ah! Às vezes eu queria espancá-la: Olha aqui, não sou melhor que você tá? E você me deve amizade, tá ouvindo? Delírio meu apenas. Jamais teria coragem de tocar na ferida, de apontar o oculto. Ela terminava seu serviço. Cortava, lixava e pintava as minhas unhas, sempre com perfeição. Eu recolhia os pés, com muito cuidado retirava o dinheiro da carteira. Ela arrumava sua maleta, guardava seus utensílios. Eu voltava para casa, sem esperar dela o que quer que fosse. Na semana seguinte eu voltava. A mesma tensão. O mesmo desespero. Eu nunca tive coragem de lhe perguntar: por que me odeia tanto? A resposta seria difícil demais.