O Clero


                     Já passava das onze e meia da noite quando ele me mandou uma mensagem de celular dizendo que não poderia ir ao meu encontro, eu estava vestida pra matar e quase morri de raiva quando li  a mensagem, pensando em correr para o metro, já que o combinado seria de que ele me trouxesse para casa. Comecei a caminhar apressada em direção ao metrô,  tinha a sensação de estar sendo seguida.Apressei –me ainda mais, quase corri, mas com salto alto e a maravilha de calçamentos que existe em São Paulo meu salto quebrou na metade e eu fiquei ali, naquela rua escura, eu nem sabia onde estava mas sei que era perto da Bela Cintra, um ponto escondido no centrão de Sâo Paulo.
                         Mas enfim, com o salto quebrado , numa rua escura e isolada, na verdade nem tanto,haviam alguns travestis e prostitutas dividindo esse maravilhoso ambiente comigo. Mas enfim a sensação de estar sendo seguida não passava e agora mancando e com frio, fome , e me sentindo perdido ela aumentava brutalmente. Tive medo.
                       Eu procurei um ponto de taxi e nada, parecia que todos estavam contra mim.
                      _Oi! Querida, onde posso achar um taxi por aqui? Perguntei simpática para uma bicha daquelas muito enfeitadas, porém pouco femininas .
                     _Ih benhê, aqui voce não vai achar não, nesse horário eles não passam aqui. Acho até um preconceito. Disse a Margô,é descobri depois do nosso papo, que só foi interrompido quando eu olhei pro relógio e vi que já era mais de meia noite, portanto o negócio era relaxar  e achar alguma espelunca pra dormir.
                    Perguntei pra Margo onde tinha um lugar pra comer, ela me ensinou e continue. Andei alguns metros, virei a esquerda e vi o lugar indicado, entrei muito desconfiada.
                   O lugar lembrava muito as casas da luz vermelha, que muitos conheceram bem nos tempo s de juventude, achei uma mesa encostada na parade e fiquei esperando ser atendida, foi quando sentou-se de repente um homem. É sentou –se olhou diretamente nos meus olhos, e pegou na minha mão, demonstrando que iria beijá-la achei aquilo esquisitissimo e me recusei a deixar-lo fazer, não conseguia dizer uma palavra, apenas fiquei olhando pra cara do sujeito e ele olhando pra mim sem dizer. Me levantei e sentei em outra mesa, ele voltou a sentar-se na cadeira à minha frente e disso.
                     _Eu estava te seguindo.
                    _Eu vou chamar a polícia! Respondi.
                   _Não precisa, eu sou padre!
                   _ Eu já disse que vou chamar a policia. Por favor! O que vc. Quer comigo?  _Garçon! chamei nervosa, e o garçon veio e para minha surpresa cumprimentou o padre, Padre Otávio. Conversaram sobre as obras, enquanto eu ficava ali com cara de idiota morrendo de medo
                      E se ele não fosse padre, se fosse um golpe, se fosse um plano pra me levar e me estuprar?
                     Tudo isso me passou pela cabeça, enquanto o Padre Otávio se preparava para dizer exatamente tudo o que eu estava pensando . Antes mesmo que eu perguntasse o Padre começou a dizer, que me seguiu porque me viu aflita, me achou diferente do tipo de pessoas que constumam  freqüentar aquelas ruas nequele horário. Acrescentou que fazia todas as noites uma caminhada. O padre era jovem, não tão bonito, mas muito agradável. Conversamos enquanto ele tomava uma cerveja, eu tomava um uísque puro, ou mais de um eu não me lembro. A uma certa altura da nossa conversa o bar foi fechando algumas de suas portas, deixando apenas duas delas abertas, por causa da chuva que começou forte.
 
                   Eu bebia e contabilizava as desgraças daquela noite. O “cano”, o salto, o frio , a ausência de taxi e finalmente, o único homem da noite era um padre. Isso foi o que mais me decepcionou, afinal descobri que o Padre Otávio tinha lindos olhos azuis e seu sorriso era perfeito, não poderia dizer o mesmo dos cabelos, dada a calvície e o terno escuro e fechado, me impossibilitava  conferir as demais características que se aprecia num homem,mesmo que seja um padre.
                  Enfim depois de longas horas de conversa, em pleno sábado eu estava no centro de são Paulo, dividido uma mesa com um padre e alguns outros travestis, todos amigos de vossa santidade o padre Otávio.
                     Estava meio bêbada já, quando o Otávio me falou, vou levar vc. Até o hotel de um amigo pra voce dormir . e saí, quase levada  para o lugar, eu olhava pra mim e não agüentava, eu era uma personagem de Nelson Rodrigues e isso me provocava verdadeiras crises de riso.
                   Entramos no quarto e lembro-me de ter chorado muito abraçada ao Padre Otávio e vomitado também,  acho que ter vomitado foi a melhor coisa da noite.
                   Na manhã seguinte, acordei nua ao lado do Padre, ele completamente vestido e acordado, com ares de quem não havia dormido mas que havia passado  a noite ao meu lado e tive medo. Pensei  -Transei com o Padre!
                  E o coração parecia querer sair da boca, me levantei e fui procurar minhas roupas, me dei conta do lugar em que eu estava. Lavei o rosto apressada, fiz um bochecho , vesti o meu vestido curto e escandaloso, tentei calçar meu sapato , mas o salto quebrado não me permitiu.
                 Voltei para o quarto e Otávio estava sentado, fumando com dois copos de plástico com café na mão, me deu e disse que achava que eu iria precisar. Conversamos muito sobre o que tinha acontecido na noite anterior e ele disse tranquilamente, que teve medo de me deixar sozinha, já que eu estava passando tão mal. Estava quase parecendo com um ser normal, quando ele tirou do seu bolso um cartão de ponto de taxi e disse brincando que foi muito bom dormir ao lado de mulher como eu. Ri muito e perguntei pra ele se realmente não havia acontecido nada.
                    Ele riu e  disse um pouco tímido que só aconteceria se eu tivesse permitido. Eu perguntei se ele se importaria se eu fizesse algo para não esquecer do carinho dele. Ele disse apenas que queria uma coisa, se eu permitisse, eu disse que sim. Ele se aproximou de mim , pegou –me  carinhosamente pelo cabelo e beijou minha boca, um beijo  demorado, de língua, o melhor beijo da minha vida, que fez minhas pernas tremerem e tudo se apagar, uma overdose de ressaca, sabe como é ? Sem noção de tempo, espaço, ele me apertava contra o seu corpo e eu sentia que a cada movimento da língua, ele me apertava mais. Não sei quanto tempo durou esse beijo, talvez tenha sido o mais longo beijo da minha história e o mais gostoso também.
                  E tão de repente como começou, ele se afastou e eu pude ver em seu rosto as lágrimas que rolavam, ele finalmente beijou minhas mãos e saiu sem dizer uma só palavra.
                 Chamei o taxi, desci as escadas com os chinelos do hotel e tentei perguntar para  o recepcionista de onde era o padre, mas o recepcionista respondeu:
                _Padre moça?! Aquilo não é padre não. De vez em quando ele aparece ai com alguém, é com homem, com mulher, com gay!
              O recepcionista ria e sem olhar me dizia.. Idiota, acreditou na conversa do safado.
               Entrei no taxi e fui pra casa. Assim terminou a minha noite com o padre.
 
 
Cristhina Rangel.
                      
Cristhina Rangel
Enviado por Cristhina Rangel em 04/10/2011
Reeditado em 04/10/2011
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