ALÉM DA RAZÃO

Naquela esquina escura, era só mais um. Mais um sem noção de tempo, dia, vida e sentimento. Há muito se deixara levar pelas fugas da existência. Apesar dos vinte e poucos anos, aparentava muito mais. As roupas se confundiam com a pele. Família? perdeu-se em lembranças que preferia não viver. Se sentia um fracasso. Alguém que já não era alguém. Um ser desprezível que só causava tristeza ao velho coração da mãe.

Assim Geovani, vivia (?). O meninão gente boa de antes que agora fugia dos, cada vez mais raros, momentos de consciência. De certa forma sabia que escolheu viver assim. Só não contava com o arrependimento, com a dor, com a saudade e com a sensação de que poderia ser diferente. Não faltou conselho, nem amor, nem ajuda. Faltou-lhe vontade de romper com o prazer do momento. Agora, se via alí, compartilhando miséria com outros homens, mulheres e crianças que de uma forma ou de outra, contavam a mesma história. O que esperar? A morte? Talvez, só ela. Porém, se tivesse mais uma chance... Mas quem daria mais uma chance para um mentiroso? Um enganador? Um fraco?

Tentou ajeitar o corpo. Não deu. Voltou-se para o nada e neste momento sentiu a presença de alguém. Com muita dificuldade abriu os olhos. Deu com a claridade que o incomodou, pelo menos alí preferia as trevas.

"É ele?" ouviu. "É" também ouviu. Tentou mais uma vez ver o que acontecia e reconheceu a figura daquele que tanto machucou... O pai.

Viu o rosto cansado, mas feliz, de alguém que, estranhamente, não desistiu dele.

Sentiu um misto de tristeza e resistência. Mas não resistiu e se deixou abraçar pelo corpo forte que o levantou.

"Meu filho. Vim te buscar". Não pôde entender, mas se deixou levar pelo amor além do seu entendimento.