Vinte dias no INFERNO
Como todos nós sabemos, nem todas as famílias brasileiras têm boas condições de vida, principalmente as nordestinas, parte considerada a mais pobre do país.
A história que lhes conto agora meus amigos, vem do sertão da Bahia. Uma família pobre, com seis integrantes e um sonho: Mudar de vida. Para isso, decidem ir buscar algo melhor na capital do estado.
Eram eles: Um pai muito preocupado com sua família. Se chamava Júlio e tinha quarenta anos; Uma mãe muito dedicada, que seria capaz de dar a vida por seus filhos. Seu nome era Vitória, tinha trinta e oito anos; Um filho mais velho, já adulto, seu nome era Pedro e ele tinha vinte anos; Um adolescente cuidadoso de quinze anos. Possuía o nome de Gabriel. Também havia Matheus, de nove anos e Lúcio, um recém nascido.
Uma família unida e sofredora, que todos os dias orava para que Deus mudasse seu destino. Júlio tinha o mísero trabalho de pescador, quase não ganhava nada e pouco tinha para alimentar a família. Vitória era descendente de uma tribo indígena muito conhecida anos atrás, cuidava da casa e do bebê. Pedro ajudava o pai a pescar, já que não tinha o grau de estudo necessário para ter um bom emprego. O adolescente ficava junto com seu irmão, Matheus. Os dois perambulavam pelas ruelas pedindo ajuda.
Com o tempo Júlio foi adoecendo, até que um dia morreu. Foi um abalo para a família ter que sobreviver sozinha, até que a mulher tomou uma difícil decisão: Deixar sua terra e procurar algo melhor para sua vida e a dos filhos. E na manhã de uma sexta feira ela saiu.
E lá estavam eles caminhando por uma BR: A mãe com o bebê nos braços, o adolescente segurando uma sacola com roupas em uma mão, e na outra a mão do menino de nove anos. O rapaz já adulto com sacolas que continham poucos peixes.
Quase foram atropelados por caminhões, dormiram debaixo de árvores e sobreviveram como animais. Em sua aventura no caminho para a cidade grande, eles passaram por vários lugares bonitos, fazendas cheias, montanhas maravilhosas e rios, onde se banharam, pescaram e beberam água. Conseguiram continuar até serem parados em uma estrada escura. Um homem pobre pediu ajuda, necessitava de algo para comer. Vitória tinha apenas seis peixes. Ela sabia o que aquela ajuda significava para alguém que necessita. Então entregou um a ele, no qual rapidamente devorou.
Ele se apresentou com o nome de Emanuel, e lhe deu três conselhos em troca da ajuda. Primeiro: Jamais siga atalhos, eles são curtos e podem diminuir a vida. Segundo: Não seja curioso, pode ser que isto te faça sofrer. Terceiro: Confie apenas em quem te transmite calor. Após isto ele entrou na mata e sumiu. Todos ficaram espantados, mas resolveram seguir os conselhos.
Continuaram a andar debaixo do sol escaldante baiano, seguindo sempre em busca da capital. A única coisa que lhes restava eram as roupas, a vida, a esperança e um calendário. Pois bem meus amigos, o calendário servia para marcar os dias em que seu sofrimento era constante e unido.
Seguiram até certo ponto, onde haviam dois caminhos: O primeiro era uma estrada de terra, onde a placa tinha escrito: ‘Poupe tempo, atalho fácil para Salvador’. E a segunda era: ‘Salvador, 180 km’. As crianças já estavam cansadas, já tinham se passado cinco dias e nada de ajuda. Apesar de tudo, o mais velho, Pedro, lembrou-se do primeiro conselho e disse à mãe que deveriam seguir o segundo caminho e ela concordou. Passada a noite eles encontraram uma casa e pediram para passar a noite.
Era uma casa de luxo, em uma cidade ao lado da capital. Após comer e tomar banho, a mulher colocou os filhos na cama. No momento em que os três mais novos dormiam, o mais velho teve uma breve conversa com sua mãe:
- Não gosto muito desse homem mãe, ele te olha de mau jeito.
- O que é isso filho! Ele nos ajudou muito hoje. Agradeça-o.
- Está bem mãe, não vou mais reclamar. Amo-te, boa noite.
- Boa noite. Também te amo.
No dia seguinte a mulher acorda e se depara com uma cena horrenda: A sala toda bagunçada, suas roupas todas esfarrapadas, uma arma em sua mão e um homem morto no chão. Ela não se recordava de nada anormal na noite passada. Quando os dois filhos mais velhos acordaram, avistaram a mãe colocando a comida que podia em suma sacola. Vestiu uma roupa de mulher que havia no closet. Levantou os meninos menores e saiu desesperada. Não se soube nada sobre aquilo após aquele dia.
Ela estava chegando perto de Salvador, e já tinham passado dez dias. Parou em uma pousada para pedir água, o dono pegou em sua mão e lhe ofereceu trabalho. Ela sentiu algo frio rondando-a, rapidamente ela soltou a mão dele e pediu para que os filhos saíssem dali rápido. Pouco tempo depois souberam de uma mulher que foi estuprada naquela mesma pousada.
Passaram-se mais cinco dias e só sofrimento e calor, as suas vidas se resumiam em esperança até que a mãe já não mais aguentou. Ela sentia muita dor em todo o corpo, os braços já não conseguiam mais segurar o menino. O mais velho decidiu então carregá-la, enquanto Gabriel levava Lúcio.
Suas vidas teriam acabado se não fosse uma coisa: Uma promessa. Isso era o que mantinha aquelas semi-vidas na estrada. Neste momento minha cabeça dói. Dói pelo motivo de já não aguentar mais relatar essa dor, dor que não sinto, mas que posso criá-la e modificá-la.
Conseguiram finalmente chegar na capital, quase morrendo. Eles puderam achar um lugar para viver. O mais velho conseguiu o emprego de zelador em um colégio estadual, com isso as crianças puderam ir para a escola. A mulher começou a trabalhar de diarista em casas de luxo.
Hoje essa família vive bem, e agora eles conseguiram conquistar o direito de ser feliz. A alegria tomou conta de suas mentes, seus corações já não sofriam mais daquela mesma dor. Aquele homem? Nunca mais foi visto por ninguém, ele era estranho e sorrateiro, mas foi uma bênção para todos. Seu nome era Emanuel. Deus conosco. A promessa? Nenhum de nós jamais saberemos, mas uma coisa é certa: Vitória conquistou sua vitória. Ela honrou seu nome, mesmo sendo um nome simples, ele já simbolizara sua conquista.