Tato

O celular tocou. Ela não lembrava onde o tinha deixado, mas a prática já fizera de sua audição algo primoroso e não foi difícil encontrar o aparelho tocando sobre a mesa da cozinha.

- Oi. - disse ela.

- Oi, Pê.

- Helena... tudo bem?

- Tudo ÓTIMO!

Penélope percebeu rapidamente que algo muito bom devia ter acontecido com a amiga, ela estava diferente.

- Então... o que foi?

- Preciso te contar, você tá sozinha? Eu apareço aí daqui a 15 minutos, ok? Um beijo.

E desligou. Não esperou para saber se Penélope estava sozinha porque sabia que estava. Penélope não se chateou, gostava muito da amiga.

A casa de Penélope era pequena e perfeitamente organizada para sua funcionalidade e nenhum móvel era mudado há anos porque da maneira como tudo estava organizado ela sabia onde cada pequena coisa ficava e estava sob controle, pelo menos ali. Com os cabelos ainda meio molhados da banho recém tomado ela sentou no sofá da sala com uma toalha para enxugá-los enquanto uma xícara de chá esfriava na mesinha de centro. O rádio estava ligado em volume baixo, mas a música era boa. Colocou as pernas estiradas na mesinha medindo mentalmente onde estava a xícara e sorriu ao sentir o calor que tocou de leve seu pé esquerdo exatamente quando ela tinha parado de se mexer. Acertara exatamente.

Pouco tempo depois a campanhia tocou e houve duas batidinhas na porta, de leve. Era um sinal só dela, era Helena.

- Tá aberta, é só apertar! - Penélope disse.

Helena apertou um pequeno dispositivo numa parte baixa da porta que permitia que a fechadura se destrancasse se o mesmo dispositivo na parte de dentro estivesse aberto, permitindo que a porta estivesse sempre trancada.

Penélope levantou para abraçar a amiga. Helena estava com um cheiro diferente, um perfume novo e muito melhor que o outro, que não era ruim.

- Que pressa toda foi essa? - perguntou Penélope voltando para o sofá sentindo os passos da amiga a acompanhando.

Helena riu baixinho.

- Não vai contar?! - Penélope pressionou.

- Claro que vou! - Helena disse entre um risinho. - Tem mais no bule?

- Ah, tem, pode se servir.

Os sapados baixos de Helena quase não faziam barulho no piso de madeira, Penélope tinha quase certeza que eram os oxford de veludo azuis que ela disse que tinha comprado. Da cozinha, Helena começou a falar:

- Nem sei como te contar, antes de qualquer coisa... está proibido me julgar, ok?

Penélope já começava a ficar apreensiva.

- Ok. - Respondeu.

- Hmm, então tá. - Helena hesitou. - Fui num lugar ontem depois da aula... sozinha.

Penélope era uma ótima ouvinte, sabia quando não precisava falar nada.

- Eu estava morrendo de medo... não, era vergonha, isso, eu tava morrendo de vergonha, não sei porquê. Não é nada de errado, não tenho que dar satisfações a ninguém, não é? Sou maior de idade e faço o que bem entender. - a voz de Helena se aproximava junta com os passos baixos.

Continuou, já no sofá:

- Bom... a aula de psicologia acabou bem mais cedo por causa daquela prova que eu te falei, eu até liguei pra você para saber se você estava no campus, mas desisti antes de você atender... lembrei de uma coisa.

- Liguei pra você depois que o celular avisou da chamada, mas estava fora de área.

- Eu desliguei, não queria que ninguém ligasse naquela hora, desculpa. - Helena falou rindo outra vez.

- Sem problema, mas e aí?

- Ah, então... No começo eu fiquei muito indecisa, não tinha certeza de nada, mas tinha visto o anúncio na internet e não tinha falado a ninguém, fiquei com vontade de ir conhecer logo quando vi, mas não tive coragem, mas ontem estava com muita vontade. - fez uma pausa dramática – Fui à uma agência de sexo.

Penélope estava surpresa, teve vontade de rir, mas não era de deboche, porém reprimiu com perfeição. Queria ouvir o resto da história e já estava com medo da amiga se chatear. Cruzou as pernas.

- Sem julgamentos. A agência fica num prédio do centro, eu lembrava do endereço direitinho. - murmurou Helena, depois de um gole do chá. - Já se sentiu “tanto faz”? Sabe... quando você fica de um jeito que tanto faz se vai ser bom, tanto faz se não vai ser e “o que eu tenho a perder com isso?” Pois é, eu estava assim ontem e foi por isso que eu fiz. Dirigi até lá sem saber se ia mesmo conseguir entrar, mas quando cheguei a frente do prédio não consegui mais desistir. Entrei. É tudo tão discreto e tão profissional! - outro gole – E muito favorável para as mulheres, tem uma recepcionista que faz umas perguntas chatas, mas fora isso... Tem uma salinha para mulheres heterossexuais onde elas podem ver os homens que estão lá, essa parte é um pouco tosca, é como uma vitrine, mas eles não sabem quem está olhando para eles... coitados dos homens.

Penélope estava adorando o relato além de estar abismada com o que Helena tinha feito.

- E olha, não são tarados balofos que ficam lá, são homens comuns, esse era meu medo, mas não são! Tinha um cara lindo de terno cinza, acho que estava no horário de trabalho – Helena gargalhou com a lembrança. - Escolhi ele. Depois, ele que viu e concordou. Ficamos numa salinha para nos conhecermos por uns 20 minutos, conversamos mas ele pediu desculpas “não tenho muito tempo, linda, desculpe, de verdade” - Helena imitou a voz grossa do homem.

Penélope riu junto com a amiga.

- Depois fomos pro quarto e lá... tudo aconteceu. Foi maravilhoso.

Helena tomou mais um gole de chá, o último e não falou mais nada. Estava esperando a reação da outra.

Penélope ficou em silêncio por um tempo, de propósito. Sorriu e sussurrou:

- Eu quero que você me leve lá.

- O quê?!

- Você ouviu.

- Tem certeza?!

- Absoluta.

Helena quase tentou protestar, mas não encontrou um argumento.

- Tudo bem... você que sabe.

Penélope disse que ia se vestir e saiu. Helena com certeza estava de queixo caído e ela adorava essa sensação de estar surpreendendo.

Sem precisar tocar em nada, Penélope chegou ao seu quarto ainda pensando no que ia fazer agora e se tinha certeza do que estava fazendo. Não tinha, óbvio que não, mas queria e na verdade já queria a algum tempo e ia fazer. Nada a faria desistir. Perfumou-se, cuidou de si com mais atenção, vestiu-se com uma roupa que julgava adequada e prendeu um cabelo num rabo de cavalo. Começou a sentir uma confiança incomum. Ela estava quieta em casa, pronta para tomar chá e ouvir música durante toda aquela tarde preguiçosa e, de repente, Helena aparece com algo assim e, ainda mais de repente, uma vontade como aquela surge dentro dela e ela não tinha nenhuma razão para reprimi-la.

Voltou à sala, ouviu Helena ficar de pé no meio da escuridão. A amiga se aproximou, deu um abraço forte em Penélope e sussurrou em seu ouvido:

- Você está incrivelmente linda. Tenho muito orgulho de ser sua amiga. Você é maravilhosa.

Penélope sorriu em forma de agradecimento, um sorriso muito sincero.

- Vamos? - disse ela.

- Que mulher decidida! Vamos.

Quando chegaram ao carro de Helena, ela foi falando que estava indo apenas para acompanhar a amiga, porque não queria que parecesse que ela gostou tanto assim. Depois, elogiou o lugar, os móveis e falou até da música, que era muito apropriada. Penélope estava tão animada quanto nervosa.

Desceram do carro numa rua barulhenta e de muito vento. Penélope segurou de leve no braço da amiga e elas subiram. No caminho, Helena falou que conhecia o tipo de homem que a amiga gostava só pelos comentários e que faria um bom trabalho.

Penélope segurava o braço da amiga mesmo quando elas pararam. Helena disse que tinha chegado e tocou a campanhia. Um click destrancou a porta e elas entraram. A primeira coisa que Penélope sentiu foi o cheiro suave de perfume feminino, não doce, mas quente. Ouviu um barulho de água escorrendo que vinha de algum lugar longe na sala e calor, o lugar era mal refrigerado. Helena andou e começou a falar:

- Boa tarde, nós... ela quer, você sabe...

Se ela continuasse com essa timidez não ajudaria em nada.

- Claro, claro. Venha por aqui, querida.

- Não... eu vou com ela.

- Desculpa, mas nossa empresa não permite coisas... desse gênero.

- Não, é nada disso. - Ela hesitou, Penélope apertou o braço dela. - Não vou participar, mas vou com ela até a sala, só até lá.

- Ah, ok, certo... desculpe querida. - disse a recepcionista alisando o braço de Penélope e arranhando-a com unhas gigantes. - Não estamos com muito movimento agora, o nosso melhor horário passou, mas vocês que devem avaliar.

- Não tem problema. - Penélope falou tentando sorrir, depois.

- Por aqui.

Os saltos altos da mulher fizeram barulho e Penélope começou a ser guiada traçando o caminho mentalmente. Pouco depois, pararam. Helena sussurrou no ouvido da amiga:

- Quatro homens, dois bons. Um alto e de cabelo curto, forte e de óculos. Outro, loiro, não muito alto, jeans e cardigã, voto nele.

Penélope ponderou por alguns instantes e disse:

- O loiro. - Ela nunca tinha visto um cabelo loiro, mas sabia que era ele.

- Espere no quarto, querida, não vai demorar. - disse a recepcionista.

Penélope não quis falar nada, mas percebeu o protocolo sendo alterado drasticamente em relação ao relato da amiga. Helena começou a andar para a direita por um longo corredor até onde Penélope sentiu seu ombro encostar numa porta.

- É aqui, não vai demorar, não sei como você quer que aconteça, mas... boa sorte. - Helena murmurou depois de um abraço forte.

Penélope sentiu e abriu a maçaneta. O quarto era tão quente quanto a recepção, mas aqui isso não era um problema. A cama estava a pouca distância da porta. Ela sentou e esperou. Estava muito mais nervosa do que esperava quando saiu de casa, pensou em desistir e sair dali várias vezes durante os poucos minutos que ficou sozinha, mas não... Ela não era assim, já estava ali e ia ficar. Sorriu sozinha... “que bobagem”.

A porta foi aberta.

- Oi.

E logo fechada.

- Oi. - respondeu ela.

- Qual é o seu nome?

- Penélope e o seu?

- André.

- Penélope... você é linda, nem acredito que me escolheu. - ele tinha a voz levemente rouca. Soltou um risinho.

- Que bobagem. - ela, novamente, tentava sorrir.

- É a primeira vez, sabe? Quer dizer... que eu venho aqui.

- A minha também, tudo bem.

- Posso sentar?

- Pode, mas apague a luz antes, ok?

- Hm, como você quiser.

Outro click, interruptor desligado. O colchão afundou para o lado denunciando a chegada dele, tinha perfume amadeirado e ela gostava.

Eles conversaram por mais tempo do que normalmente se conversa nessas horas. Acabaram deitados na cama falando de música. Penélope estava confortável, achava que era a hora. Sua blusa era presa por um zíper e, num momento de silêncio de ambos, ela abriu o zíper vagarosamente para fazer barulho. Ele entendeu. Os dois estavam quentes, ela sentiu a mão dele começando a tocar sua pele muito de leve até chegar ao pescoço quando ele começou a beijá-la. Estavam juntos, se tocavam, sussurravam coisas quentes e os corpos nus se entendiam perfeitamente. Havia uma sincronia rara para um encontro casual e esse, como não era um encontro casual, era ainda mais raro. O suor aflorava aos poucos, o cheiro e o calor ficavam mais fortes e Penélope sorria discretamente.

Suor. Toque. Carícia. Sexo.

André falava coisa que a faziam rir e deixar a situação tão quente quanto agradável, era ele, não havia dúvidas. Ela, Penélope, estava satisfeita consigo, com ele, com tudo. Imaginava dentro da sua mente coisas lindas, cores que nunca tinha visto, sensações que nunca tinha experimentado, lugares que ela nunca havia ido ou tocado. Ouvia música mas sabia que só ela ouvia porque estava dentro dela, era particular, seu corpo e sua mente nunca conexão catártica. Tinha sentido o que nunca sentira antes, porque afinal, não era apenas a primeira vez dela ali.

Olavo Ataide
Enviado por Olavo Ataide em 02/10/2011
Reeditado em 14/06/2012
Código do texto: T3253671
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