Miguel, um sujeito mal encarado e arrogante.

A primeira vez que vi o Miguel, não tive boas impressões dele.

Um sujeito que falava alto, esbravejava, xingada a torto e a direito, dava murro na mesa, era arrogante sem limites, fumava mais que Caipora. (Alguém sabe o quanto Caipora fuma?)

E era meu diretor na empresa onde fui contratado. Aliás, todo o processo de escolha do candidato foi conduzido por ele pessoalmente. A princípio eu pensava comigo que aquilo não ia dar certo, estava desanimado, achava ele e a empresa dele um tanto desorganizados.

Na nossa entrevista, levei de qualquer jeito, não estava muito interessado, embora estivesse desempregado, a empresa onde eu trabalhava acabara de decretar o seu fechamento e então eu mais outros mais de 1200 trabalhadores fomos convidados a conhecer a porta de saída. Sair e não voltar mais.

Pois bem. Nessa entrevista, eu estava achando a empresa chinfrim demais, não me merecia. Eu era muito modesto, se percebe. Mas acabou que uma semana depois, o estranho Miguel, não se dando ao trabalho de falar comigo, mandou sua secretária me ligar, convidando a voltar na empresa em determinado dia e horário. Lá fui eu, um tanto desanimado com aquele encontro.

Mas para minha surpresa, fui contratado. E eu continuava achando aquele homem um tanto quanto maluco, e que não respeitava nem mesmos seus pulmões, fumando algo como três maços de cigarros por dia. E era um sujeito mal encarado, arrogante ao extremo.

Eu, com ar de superior, aceitei a proposta, com o pensamento que “só fico aqui até arrumar coisa melhor”. Mas a convivência foi se estendendo, os meses passando.

E comecei a perceber que por traz daquela toupeira, existia um homem do bem, boa praça mesmo. E eu comecei a encarar minha estada na empresa como um projeto de vida. Sim, era um bom lugar para se trabalhar. Eu e meus preconceitos me via obrigado a me retratar.

Um ano depois, fui promovido, meu salário aumentado em 30%. Poxa, e eu que aceitei trabalhar nessa empresa apenas até arrumar coisa melhor...

Mas o fato é que os anos foram passando e nós nos tornamos grandes amigos. Muito além das formalidades de contrato de trabalho. Aprendi a xingar ele em revide, falar as mesmas cretinices que ele falava e tudo se resolveu. Agora eu me sentia de igual para igual. Claro, eu jamais fiz isso na presença de outros trabalhadores da empresa. Eu sempre soube qual era a minha posição.

Essa convivência me fez perceber o grande valor de uma amizade. Nos tornamos conselheiros, confidentes um do outro. Nossas vidas pessoais passaram a ser conversada sempre que surgiam necessidades. Coisas boas ou não. Alegrias ou desabafos.

Alguns anos mais tarde ele me convidou para a sociedade na empresa, o que aceitei. Mera formalidade, eu já fazia tudo que um Diretor Administrativo faz. Aquela antiga empresa de 50 empregados, hoje, anos mais tarde se transformou em um grupo empresarial, com um total de mais de 2.000 colaboradores.

Depois desse tempo, me casei, ele, claro foi meu padrinho de casamento. Ele se casou e me convidou para o mesmo ofício. Aceitei. Se não tivesse me convidado daria um soco nele.

Hoje, 30 anos se passaram, acho que pelas influencias, nossas esposas são verdadeiras amigas, nossos filhos (dois meus e dois dele) são amigos também. Na verdade, somos duas famílias que se tornaram apenas uma.

E continuo amigo daquele sujeito mal encarado, que diz palavrão, segundo sua esposa, até dormindo. Nos respeitamos, somos o que acredito ser uma grande amizade. Já fazem mais de vinte anos que sempre que possível, fazemos juntos a nossa caminhada no fim da tarde. Nosso médico vive às brigas, insistindo que temos de cuidar melhor de nós, escapar do sedentarismo.

Então, em média de 3 vezes por semana, vamos para a caminhada. Ele, claro, xingando sempre e birrento feito uma mula velha. Ainda bem que o cigarro é coisa do passado. O médico deu-lhe um xeque-mate: para de fumar ou morre. Ele optou pela primeira alternativa, alegando que: “se eu morrer esse palhaço do meu amigo morre de tristeza”, dizia rindo. Claro, ele pretendia era se cuidar mesmo. Mas eu ficaria triste sim.

Quanto a mim, eu tenho certeza que encontrei nele um grande amigo. Uma pessoa do bem, justa, companheira. Daquelas que quando estive hospitalizado, por exemplo, ele se dedicou a me fazer companhia, esteve presente quase em tempo integral. Claro que eu brigava com ele, mandava ele sumir daquele quarto de hospital, mas sem sucesso. Teimoso como sempre foi, não arredou os pés até eu receber alta. E no caminho de volta pra casa, o sujeito cismou de dar uma volta na cidade, paramos para um lanche num barzinho aconchegante, falando besteiras, deixando toda a família preocupada com nosso sumiço.

Pois é... Esse é o Miguel, um sujeito que me causou má impressão quando nos conhecemos, mas que desde então faz parte de minha vida, estando em momentos bons ou não. Através dele, sei o valor de uma grande e verdadeira amizade.

Ele sabe que pode contar comigo, sempre que precisar. Sempre soube. Eu sei que também conto com meu amigo. Meu amigo de fé.

Mas que ele é uma besta falante, isso sempre foi, sempre será.

Faria Costa
Enviado por Faria Costa em 29/09/2011
Reeditado em 18/10/2011
Código do texto: T3248317
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