Memória…a herança de um homem, o seu legado…

Memória…a herança de um homem, o seu legado…

Muitas vezes a memória sobrevive às obras físicas dos seus criadores, se calhar a maior parte das vezes…

A memória assenta sobre algo que alguém viu e depois transmitiu a outro alguém, e esse alguém a outro alguém…Claro que a mensagem original do primeiro receptor foi sendo modificada, assim é o circuito da comunicação, ensinam-nos isso na escola e a própria vida nos ensina isso, e quanto mais passa o tempo, quando mais elementos transmitem a mensagem mais esta vai sendo alterada, sendo que no receptor final pouco resta da mensagem inicial, restando apenas a sua essência…E assim por vezes nascem as lendas e os mitos quando baseados em acontecimentos reais, porque há lendas e mitos meramente imaginados…Mas este tipo não nos interessa aqui, interessa-nos algo que existiu…de facto…a tal Memória…

A memória sobrevive muitas vezes ao seu criador e criadores, e temos um exemplo clássico disso, um exemplo que penso toda a gente conhecer…

Estou a falar da Biblioteca da Alexandria…

Esta Biblioteca constitui o exemplo clássico de imensas coisas, mas para estas linhas constitui o tal exemplo da vitória da memória…do não esquecimento…

A Biblioteca de Alexandria existiu durante vários séculos, desde o mundo antigo até à Idade média, sendo porventura a mais fascinante e rica das bibliotecas da sua época e uma da de todos os tempos, possuindo um acervo de milhões de manuscritos, de papiros, numa época em que a produção em série literária ainda estava ainda a muitos séculos de distância…O seu valor científico e cultural julgo ser ainda hoje incalculável, uma Biblioteca onde estava concentrado, reunido num só espaço quase todo o conhecimento humano de muitos séculos. Durante séculos a Biblioteca de Alexandria resistiu a cataclismos naturais e humanos, mas não resistiu ao génio de um Bispo que viu no seu conhecimento uma ameaça à sua religião, ordenando por isso a destruição da Biblioteca…E assim um espólio de inestimável valor que tinha resistido a quase tudo não resistiu à vontade de um homem determinado pelo seu fanatismo…E assim todo um conhecimento único se perdeu para sempre, ardido literalmente no orgulho e na vaidade de um homem…Por causa dessa decisão teve muito provavelmente um retrocesso científico, cultural e civilizacional, algo de evidente pois se todo o conhecimento dos nossos dias estivesse concentrado apenas num espaço e esse espaço fosse vítima de um súbito cataclismo e assim desaparecesse podem imaginar o que aconteceria…Restariam apenas pedaços dispersos desse conhecimento e assim a regressão seria inevitável…recuaríamos muitos séculos, porventura ao tempo da mesma Idade Média que viu a Biblioteca ser destruída…

O conhecimento de facto perdeu-se, nunca saberemos o que estava de facto nessa Biblioteca na sua totalidade, e no entanto a história é conhecida, a sua história é das mais lendárias do conhecimento humano, a Biblioteca está bem viva na memória dos homens da actualidade como estará na dos homens do futuro, como estará eventualmente até ao fim dos tempos do homem…

Um acontecimento catastrófico e traumático transformou-se numa memória, numa recordação e por fim numa lenda, e já é um mito…Uma memória que sobreviveu à insanidade de um homem, e por ter sobrevivido fez com que as intenções cegas do prelado se gorassem…

No ultimo cataclismo bélico global que tocou o mundo, vastas aldeias russas foram apagadas do mapa, tantas que não se sabe ao certo o seu número, porque as estepes russas são tão vastas que muito provavelmente não havia um censo correcto do número dessas povoações…

E no entanto essas aldeias obliteradas ainda vivem na memória dos descendentes dos seus habitantes que sobreviveram, elas sobreviveram aos seus carrascos, muitos dos quais ainda estão perdidos algures na vastidão do território russo…Sobreviveram à ideologia nazi que a elas e aos seus habitantes considerava menos que nada e por isso deveriam ser transformadas em nada, sobrevivem em lendas que são contadas e repetidas e que serão repetidas até ao tal fim dos tempos…

Porque a tal imagem, o tal som de origem humana que navega algures no espaço e que um dia, muito depois de desaparecermos, mesmo que não seja entendida(o) por quem a captar, não será mais do que isso, de uma memória…

E o homem pode ser capaz de muitas coisas más, horrendas, condenáveis, mas nunca será capaz de apagar por completo uma memória, pode apagar a de multidões, mas haverá sempre alguém no meio da multidão que escape a esse holocausto preserve e transmite essa Memória…

Miguel Patrício Gomes
Enviado por Miguel Patrício Gomes em 28/09/2011
Código do texto: T3245977
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