O LEGADO DE DIANA

 

A vida, por assim dizer, é um suceder de problemas. Ao olharmos  para trás, iremos deparar com eles já naturalmente ocorridos, resolvidos a contento ou não; se olharmos para o futuro, podemos assegurar que eles também estarão por lá aguardando uma atitude. Outra afirmativa, revela ainda que se uns chegam até nós encomendados, outros, por sua vez os buscamos com as próprias mãos. De forma que a melhor maneira de viver é aprender a conviver com eles e, se possível, a resolvê-los, pois eles surgirão a qualquer momento.


 Ao vê-la pela primeira vez, soube de antemão que aquilo não acabaria bem: vinha o presságio daquele pressentimentozinho que nos sopra aos ouvidos, não se sabendo de onde. Despretensiosa, após os cumprimentos  atravessou à minha frente qual gazela despreocupada; mexia todo o corpo num ritmo harmônico, sobressaindo-lhe as ancas proeminentes.  Devia ter vinte anos, não mais que isso, embora a cara ingênua renovasse-lhe  a aparência.

Meu nome é Luís Gustavo; Vera Lúcia, minha mulher,  por deferência doméstica, acabava de  apresentar Diana, a nova empregada da casa.

Dissera-me, depois, ser casada e nunca trabalhara fora.  Uma mulher de pouca experiência da vida, presumi, a quem as dificuldades vieram botá-la em nossa casa.

Sou um homem de 40 anos, quinze dos quais bem casados e comportados. A princípio não levei a impressão a sério. A reclusão caseira estaria me levando a ver e a ter sensações estranhas a nossa rotina conjugal?  Bem podia.

Os dias, porém se passaram. Sem muita dificuldade percebi claramente que um estranho desejo me importunava em relação à nova empregada.

Nos dois primeiros meses já eram patentes os indícios de que o pressentimento inicial tomavam corpo em nossos destinos.  Vieram  de  Diana gentilezas que dispensavam a relação patrão/empregada, seguidas de   insinuações e olhares cúmplices traduzindo sinais positivos que inevitavelmente levariam a nosso futuro envolvimento.

 

Ontem, por exemplo, a questão do adiantamento salarial, proporcionou-me oportunidade de melhor conhecê-la.

 

 

--- Muito pouco... vive mais é biscateando por aí!... Num tem serviço fixo, não! Respondeu-me à pergunta sobre o marido.

--- E os filhos? Insisti.

--- Não temos, ainda.

Passei-lhe o dinheiro. Ela, de cabeça baixa, aparentava a imagem da humildade pedindo compaixão; deliberada,  manipulava  a sua atitude de carência atiçando a minha concupiscência. Isto, ela manobrava bem.

 

Certo dia, persuadiu-me àquele  instinto “rodrigueano”, canalha, libertino,  único a ter compromisso somente de satisfazer a libido bestial. Sabendo dos movimentos de Diana na casa, previ sua ida ao quarto levando as roupas que ora passava. Forjei então uma cena inesperada. Minutos depois a porta se abriu. Ela entrou despercebida trazendo as roupas que passara. Ao virar-se rumo à cama no intuito de acomodá-las na cômoda, soltou um grito fino e tentou recuar-se ainda com os braços ocupados. Tratei então de acalmá-la: “Você nunca viu um homem pelado?” Ela jogou as roupas no chão e correu espavorida.
Vieram, do episódio, posteriores e naturais constrangimentos. Inicialmente evitou-me por meio de comportamentos e gestos desconcertados, muito embora, no íntimo, a danada expressasse aquela sensação ostensível de não querer querendo. Compreendem?

 

 

 

A roda da vida girava. O destino a seu modo seguia alinhavando os seus imprevistos pontos,  fechando o dia-a-dia de nós, pobres mortais.  Era, pois, de bom alvitre, saber reconhecer e, acima disso, tirar proveito dos efeitos desses pontos alinhavados. E eu soube.

 

 

 

Os olhos de Diana, deslumbrados, traziam o encanto e a cobiça ao ver os vestidos de Vera Lúcia.

 

 

--- Bonitos, não?

Emudecida, ela assentiu com a cabeça.

--- Gostaria de ter um desses?

Repetiu o gesto anterior.

Segurei-lhe a mão  prometendo:

--- Fica entre nós, tá?...Vou lhe comprar um bem bonito!

Literalmente aceso o progresso obtido junto à mulher levou-me incontinenti a cumprir com a promessa.
Resguardados pelos nossos primeiros segredos entreguei-lhe cauteloso o presente e aguardei ansioso. De Vera Lúcia não veio nenhum comentário, sinal auspicioso de que Diana não dissera nada a patroa. Bom sinal.  Por sua atitude, expedia assim o consentido passaporte para o nosso encontro amoroso. Ademais, passou a agir desenvolta, não atrevida, mas encorajava-me à sedução, até que...

 

--- Aquela, a quem o rapaz oferece o copo é Diana. Orientei Oscar a desviar o olhar rumo a moça do outro lado da rua.

 

 

--- Bonita a menina, parabéns!

--- Entende agora o que te peço?

--- Aos amigos, as benesses do rei; aos outros, as agruras da lei!... eis as chaves! Entregou-mas sob malicioso sorriso.

Diana bebericava tranqüila o refresco, incapaz de perceber-nos na proximidade.  A poucos metros dali, tínhamos o encontro marcado.

 

Decidida a ver a mãe, Vera Lúcia viajara no dia anterior; ausentaria-se duas semanas por lá. A desculpa do trabalho não permitia que eu a acompanhasse. Quanto a Diana,  para minha frustração Vera Lúcia, esperta, dera-lhe os dias de folga, naturalmente longe de casa e de mim.  Providência inútil.

 

 

 

 

 

Mal decorreu a semana, ontem fui obrigado a procurar o Horácio.  Velhos sintomas habituais no passado voltaram a incomodar-me. Os gânglios enfartados na virilha sinalizavam aborrecimentos médicos já vividos, incomodamente experimentados. Tudo indicava que o negócio não demoraria a pingar.

 

 

--- Comece por estes antibióticos... a partir do terceiro dia virão as melhoras! Incentivou o velho amigo.

Despedimo-nos e voltei preocupado para casa.

--- Caramba!... Onde fui me meter!

A frase não saía da cabeça; ao rodar a maçaneta da porta...

--- Surpresa, amor!... Voltei!

--- Mas... Não eram duas semanas? Recuei assustado.

--- Senti tanto a sua falta!  Armou um biquinho e estendeu-me os braços.

Eu não disse a vocês que a vida é um suceder de problemas?

Taí!

moura vieira
Enviado por moura vieira em 26/09/2011
Reeditado em 27/02/2022
Código do texto: T3241956
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