Meia volta
Nunca saberia quando ele me falasse a verdade. Há relações construídas sobre a mentira, sobre a desconfiança, relações que estão sempre por um fio, você olha no olho do outro e vê um embaçamento, um vidro sujo através do qual não se pode ver lá dentro. Assim éramos nós. Por isso naquela tarde saí sem sequer olhar para trás, e André sabia que se eu resistisse a virar-me e olhá-lo era porque não tinha volta. Desci a escada passo a passo repetindo em voz alta: não volto, não suporto mentira! Tomei um taxi, mas juro que não fazia ideia do rumo que queria tomar: vire à esquerda, pode seguir, depois entre à direita, não sei, não sei. O taxista me olhava pelo retrovisor e sua cara tinha uma expressão conturbada, de puro conflito: a senhora tá bem?, perguntou o homem abaixando o som que tocava uma música estridente. Bem eu não estava, tinha vontade de pegar o volante e bater com aquele taxi numa parede, num poste. Acendi um cigarro. “Não pode fumar aqui, moça, desculpa”. Apaguei o cigarro. Entre à esquerda, ordenei tirando da bolsa uma agenda velha que sempre carregava comigo. O taxista entrou numa ruela apertada, esburacada: Aqui é contramão, moça. Então volte. Ele voltou, fez uma manobra lenta e pos o carro noutra direção. Sigo? Siga. O homem, embora tentasse disfarçar, não conseguia parar de olhar-me. Sua tez franzia cada vez que eu o flagrava me olhando. Vire à esquerda agora. Vê aquela lojinha ali, a da esquina? Vire à direita ao passarmos por ela. O taxista parecia ainda mais conturbado, sua testa começava a suar, o taxi não tinha ar condicionado: Não repare, moça, deixa o vidro aberto que o ar entra. Não dei nenhuma importância ao que aquele homem dizia, dei de ombros: tanto faz o ar, senhor. O que me irritava era justamente aquela falta de sentido, dele me deixar daquele jeito sem rumo, sem prumo. Ele quem, moça? Ninguém. E agora, devo seguir?, o homem me inquiriu com o olhar, pondo o braço um pouco para trás e reclinando-se. Agora vire à esquerda, depois vá direto, tem uma ponte mais à frente, certo? Não tem? O homem franziu o sobrolho, deu uma buzinada que me assustou e prosseguiu. Minutos depois, novamente interpelou-me: e agora, moça? Agora o senhor vire aqui na próxima esquina, depois siga. O homem freou abruptamente o carro: desça já do meu taxi. Mas senhor... Ele estava irredutível: desça já, e começou a buzinar, furioso. Recolhi a agenda que havia deixado cair no banco, minha bolsa e, perplexa, desci do taxi. O homem arrastou e eu fiquei ali na esquina de pé. Teria eu o atormentado? Atravessei a rua, fui até um orelhão e disquei o número: André? Sou eu, um taxista me expulsou do taxi, não entendi nada. Pode vir me buscar? André gargalhou do outro lado da linha, minutos depois lá estava ele pra me apanhar. Entrei no carro ereta, meio em choque, me perguntando: será que eu atormentei o taxista?