NONA PARTE DA LUTA PELA SUA CIDADANIA

CAPÍTULO XI

A CONVERSÃO

Uma noite de 01/10/1980, em casa recebem um senhor que lhes evangelizam. Catarina com a pregação fica toda oiriçada, não quis de imediato aceitar, mas tem um sentimento como forma de remorso quando ouve falar sobre no fim do mundo, já o esposo ouve-o com muita atenção. Catarina parecia se prender em um vazio da sua alma.

Alguns dias se passaram, e, em um domingo, dia 05/10/1980, as 10: horas, os dois se batizam em uma determinada religião. Agora é que os estudos ficam para depois, quem sabe um dia! Por oras era assim: com uma visão muito curta, seguia a risca a doutrina imposta pela religião, tendo o que comer esteja com isto contente. O que foi divino mesmo; foi que agora recebiam ajuda de todos os lados da irmandade. Começando pelos parentes. Cataria teve uma camuflada na sua maior inimiga; a fome. Assim se segue por alguns anos nessa ideologia. Só que lá dentro de si ressoa a vontade estudar, mas logo vem o primeiro filho, e em seguida o segundo.

Ela com muita esperteza, quando vê o andar da carruagem, fecham a sua madre; que é muito praguejada pelo esposo que lhe atormentava com a ideologia de que, ela iria para o inferno, se não tivesse todos os filhos que Deus havia lhe destinado. Cataria se encarrega de responder perante Deus, se assim ele um dia lhe cobrasse, o que era muito provável que se o seu encontro com Deus dependesse disso ela nunca ia encontrar-se com Deus. Esse encontro não era possível, pois na sua ideologia, Deus não condenaria alguém que luta pelo bem da vida, uma verdade comum.

O esposo ainda teima algum tempo que, Catarina deveria ter os filhos predestinado, para que ela pudesse ter salvação, pois Deus diz que a mulher se salvara dando a luz, tendo dor de parto. As coisas eram piores, pois o seu esposo não sabia ler, falava pela boca dos outros. Era uma ignorância total. Era essa e outras melodias de mandá-la para o inferno, o drama de quase todos os dias. Sempre a mesma coisa.

_Oh mulher de pouca fé, Deus da o frio conforme a coberta, onde come dói come mais! E tendo fé sempre Deus aparece!

Dizia o esposo. Ele estava sempre a roer o seu cérebro dizendo:

_O dia de se apresentar-se diante de Deus vai chegar sem demora.

Catarina que tinha visão maior, não acreditava neste mito, e cuida que este dia nunca chegara. Que a cultura está, não acima, mais junto do bem. Só por ela; é que se pode ter uma vida mais justa. E é isso que é Deus.

CAPÍTULO XII

Catarina de teimosa teve somente dois filhos. No primeiro filho ela teve depressão pós – parto.

O Geraldo deixou-a no hospital às oito horas do sábado do dia 12 de dezembro de 1981, voltando para casa e passou o dia e a noite do sábado; ela só foi dar a luz no domingo às 11: h 45min horas.

Não recebeu visita de ninguém, pois a sua família não sabia que ela estava no hospital. Eles moravam em um bairro distante, era necessário pegar dois ônibus, as condições financeiras eram muito reduzidas.

Na segunda feira Catarina teve alta, pegou um táxi e foi para casa. Em casa, de longe ela pode ver o marido limpando uma roça de milho que ele havia plantado em um terreno baldio próximo de casa, a casa era de dois cômodos, um quarto e uma coisinha.Não havia saneamento básico, a privada ficava a trinta metros afastados da casa, a água era de um poço de boca larga, para pegar água teria que descer o balde por uma corda, depois puxar o balde por meio de uma manivela.

Catarina não se recorda quanto tempo levou para o marido entra para a casa, depois que havia chegado. E entra se justificando da demora. Ele queria terminar a limpa do milho.

Ela não se importou, pois não estava achando, mas sentido na vida estava acometido com uma depressão pós – parto. Não se sabe como que ela não abandou o Filho no Hospital! Ela achava seu próprio filho horroroso, muito feio mesmo!

Deu-lhe desejo de abandoná-lo, não aceitava ele de jeito algum. Ao chegar a casa colocou a no berço aquela criança raquítica de dois quilos e duzentas e cinqüenta gramas.

Quando ele nasceu o medico lhe disse:

_ Olha mãe quando você vier para o retorno traga esta criança, pois ele precisa passar por uma avaliação do pediatra, está criança é muito fraca!

Nem a Catarina voltou neste retorno, agora imagine se ela ia levá-lo, se para ela o nascimento do seu filho teria sido o resto da morte do sentido da vida.

Ela não queria viver mais, não tomava banho, não penteava os cabelo, dormia noite e dia, a cama passa a ser a sua morada.

Duas irmãs dela, uma mais velha que Cataria, e a outra mais nova, enquanto ela dormia, elas colocavam o, para amamentá-lo. Quando chegavam as mulheres para uma visita, admiravam dizendo:

_ que criança mais linda! Catarina ficava indignada, e colocava a pensar:

Se eu que sou mãe estou vendo que o bicho é feio, imagine elas!

Continua o pensamento:

_ Bando de falsas!

Era uma morte para ela quando via que estava chegando alguém, isso era uma tortura.

Cada dia a doença ia se agravando mais, ela já não tinha mais vontade de comer, em pouco tempo estava pele e osso.

Um dia teve um surto foi horrível, sensação de morte, foi então levada para um hospital, quando chagou lá, quem diz que ela quis descer do táxi, sendo assim lhe trouxeram de volta para casa. Agora eles já haviam mudado para um outro lugar, onde froam contemplados com o saneamento básico, mas em compensação era um velho armazém, um depósito de cereal, como de arroz, feijão e milho, moravam de favor de um irmão de Geraldo.

Geraldo trabalhava em uma indústria de lajes, ganhava um salário mínimo, não tinham condições para nada, ali não pagavam aluguel, mas conviviam com os ratos. Catarina nunca havia visto tantos ratos em toda a sua vida.

Em apenas uma noite o Geraldo matou dezoito ratos em uma ratoeira, era assombroso.

Por varias vezes Catarina pegou ratos no berço do Filho, passando pelo seu corpinho franzino. Mudaram-se de lá e não conseguiram acabar com os ratos; era mesmo uma praga. Um dia já quase escurecendo Catarina percebe que o filho não estava bem. Ela se preocupou, pois alem dele haver vomitado varias vezes, ele também estava com febre alta.

Geraldo vem chegando, ela foi logo ao seu encontro e disse que o filho não estava muito bem. Ele só deu uma olhada na criança e disse:

_ É. E foi tomar banho assobiando uma musica. Foi quando chegou sua cunhada e Catarina muito angustiada, passou para ela que o filho não estava bem, mas foi bobagem não se importou com o caso, só uma coisa ela falou:

_ Não é por qualquer coisa que devemos correr para o hospital! Eu tenho muita experiência e você é marinheiro de primeira viagem!Temos que acreditar em Deus e entregar a ele todas as nossas enfermidades.

Catarina ainda estava muito doente da depressão, tomada por um enorme vazio, uma tristeza enorme fazia muitas perguntas a si mesma como por, exemplo: _ Para que vale esta vida? O que, que estou fazendo neste mundo? E pensava constantemente em suicídio, tinha um pensamento que se ela morresse não necessitava de mais nada desta vida e o filho a sua mãe criaria, no seu pensamento era melhor ele ser educado pela sua mãe. Estava mesmo enlouquecendo.

Ela vivia escondendo as facas de si mesma, era coisa de doido mesmo, onde já se viu esconder algo de si? Escondia também as cordas do deposito, ela tinha muito medo de sair na rua, ela morava bem enfrente a BR que liga a cidade de Cascavel a Foz do Iguaçu, ouvia a velocidade que passavam as carretas, então tinha vontade de se atirar em frente de uma carreta.

Desanimada da vida olha para aquela criança de apenas um mês e vinte oito dias, de feição pálida lábios secos. Ele esta a acometido por uma infecção intestinal. Só no dia seguinte leva-o, ao hospital Nossa Senhora da Salete. O medico que o atendeu, lhe diz:

_ Olha mãe nós não fazemos milagre, pois morto por morto saiu um neste instante daqui! Como deixou que esta criança chegasse neste estado?

Catarina se desesperou naquela hora, e despertou-lhe a vontade de cuidar do seu filho, viu ali nele a razão da sua vida; e começou a lutar pela cura dele. De hora em diante o problema dobra em sua vida, uma luta de fogo se pode dizer, pois enfrentar o sentimento de suicídio e quem sabe a morte do seu filho, praticamente só, não era face, o que ela até então não sabia a força que tinha dentro de si.

Lutou com unhas e dentes até que viu o seu filho curado.

CAPITULO XIII

A SAIDA PARA SINOP

O desemprego bateu a porta. Lá estava Geraldo sem trabalho, já há dias. Estavam se remediando com o trabalho na bóia - fria.

Geraldo cumprindo a obrigação como de chefe de família, se retira para o Estado de Mato Groso a procura de melhora, só com as passagens e alguns míseros trocados, a distancia era grande, mas precisavam chegar ao destino com o pouco que levavam. Em um dia bem cedo, se arrastaram para a rodoviária, devagar a Catarina com o filho escanchado na ilharga e uma sacola de roupas apendoada no pescoço, Geraldo sombrio, mancando, uma sacola tiracolo, a mala sobre o ombro direito. A rodoviária aproximou-se, recuou-se, sumiu por entre os prédios. O ônibus deu uma grande volta por trás dos prédios e veio passar bem próximo da rodoviária.

Era a ultima parada. O Geraldo pôs-se a descer as coisas.

Logo que começaram a andarem em direção a rodoviária; o Geraldo tropeçou nas pernas e foi de cara no chão; abrindo a mala esparramando as roupas pela calçada.

_ Condenado do diabo!

Ele levantou muito furioso:

_ Vida excomungada!

Pelo espírito atribulado do Geraldo; quis deixar tudo ali, não apanhar uma peça de roupa se quer. Catarina com o seu jeito de para tudo; juntou tudo dentro da mala, e foi se na frente. Geraldo meteu a mala nas costas, desaparecendo mais a sua cólera.

Tomaram o ônibus e a viagem prosseguiu, em um silencio total entre os dois. Catarina acomodou o filho, cobriu-o, com uma manta azul; fazia frio.

A farofa não demorou a ter a sua serventia. Na para o almoço destamparam a vasilha e se fartaram. Não se preocuparam com as outras refeições queriam aproveitar aquele momento.

Já em Cuiabá a farofa havia acabado e o dinheiro também. O que fazer em um lugar desconhecido. O mundo é mesmo pequeno; encosta um ônibus que vinha de Rondônia, e o motorista era amigo de Geraldo. Um dia destes de apuro de amigos, ele havia emprestado um dinheiro para o amigo motorista. Geraldo falou-lhe da sua situação, mas o amigo não pode fazer nada dizendo que estava sem dinheiro também. A esperança de almoçar foi embora. Ordinariamente o casal se falava muito pouco. E naquela situação permaneciam calados, raramente soltavam palavras curtas; como: meu Deus! Ao passar das dezesseis horas rumaram-se, a destino de Sinop, 500 km, de distancia. O ônibus roncava, soando um barulho de latas velhas e parafusos soltos, se tremendo todo pela trepidação da buraqueira da estrada em má conservação; muito arruinada; um verdadeiro abandono.

Uma clareira apareceu, Catarina aligeirou-se com o filho escanchado na ilharga e uma bolsa jogada para o outro lado da ilharga; Geraldo meio dormindo e meio acordado abrindo a boca de sono esqueceu a fome, a dor de cabeça. Saiu do ônibus as pressas, na procura de um banheiro, estava quase se urinando na roupa; o ônibus não tinha banheiro; este era o motivo de estarem ali todos de bexigas cheias. O corredor do ônibus estava meio escorregadio pelos viscosos vômitos.

Num canto do restaurante, avistaram algo que parecia-se com um banheiro. Catarina foi logo se enfeando e mal se ajeitou, o xixi desceu muito voluntariamente. _ Ufa, que alivio!

Agora o cheiro de comida; deixaram logo o local e foram se acomodarem dentro do ônibus.

Catarina novamente acomoda o filho em seu colo, comburindo-o, com a manta de lã, cor azul; era de madrugada e no meio da mata fazia frio, a natureza soprava uma brisa fria. O ônibus parte com o seu som sonoro com quem quer falar das tristes vidas que ali carregava.

Catarina tem uma vertigem que derruba a cabeça sobre as pernas do Geraldo, o filho caiu embaixo do banco que logo foi acudido por estranhos. A cabeça de Catarina foi deitada na poltrona que adormecia e acordava. E quando com os olhos entre abertos, mal distinguia o ônibus e as pessoas que fumavam a todo vapor, o filho foi ajuntar-se junto dela.

Entravam em uma viagem; em meio um cerrado sem “vidas”. Tudo muito deserto; parecia que suas vidas estavam arruinadas. Eles não tiveram sorte nesta parada do ônibus; já fazia quase vinte e quatro horas sem se alimentarem de verdade; estavam somente cem os míseros galetos que ganharam na saída do ônibus ainda em Cuiabá; já estavam a dez horas de viagem. Ainda teriam que percorrer mais umas seis horas de viagem para chegarem a Sinop, que era o seu destino. As estradas estavam em mal conservação; abandonadas pelos oguns comitentes, o que dificultavam ainda mais a viagem.

Em meio à poeira bem, bem longe por entre o cerrado, avista a vermelhidão do nascente; Catariana se sente tão miudinha perdida em meio aquele deserto. Ela agarrou-se, com o filho e somou as suas tristezas e o seu pavor. O coração de Catarina bateu junto do coração de seu filhinho, um abraço fraco e desfalecido aproxima aquele flagelo que lhe cobria. Resistiu ali àquela fraqueza, tomando um pouco de animo afrontando a fome; mantendo um pouco de aparência que ainda lhe alentava.

Mais uma parada; mas a Catarina não desembarca; somente o Geraldo sai para espreitar algo para comer; pensou em pedir, mas teve vergonha. Foi então que viu, que alguém jogou algo em um tambor de lixo; a fome falou mais alto, que a vergonha. Pensou também na Catarina e no filho. O filho havia feito um ultima mamada há umas duas horas. O lanche esta de um aspecto lindo, muito, cheiroso e apetitoso; Geraldo ao pegar o lanche, chacoalhou-o, batendo para cair a erva do chimarrão, que alguém havia limpado a cuia no lixo, pulverizando o lanche; e como o lanche ainda trazia um pouco de erva grudado, Catarina passava a língua levemente para limpá-lo mais ainda, para dar ao filho. Nestas lambidas ela fazia maior proveito, já que a erva havia se misturando ao molho do lanche. Um pouquinho de erva não faria mal algum ela ingerir.

Aquilo era desumano; onde estava a sua Cidadania? Mas com tanta fome que ia lá pensar em outra coisa, a não ser em matar a fome?

Aquele lanche quem sabe era estragado, quem sabe, mas evitaria mais uma vertigem a Catarina. E eles queriam chegar todos vivos em seus destinos.

Uma alegria doida encheu o coração de Catarina, pois apesar dos mitos chacoalhados do ônibus e da fumaça d cigarros não fizeram que ela colocasse o lanche de volta para fora. O filho de um ano e cinco meses comeu que lambeu os beicinhos.

O sol de mês de maio passeava dentro do ônibus por entre as arvores que se estendiam como um enorme tapete verdejante. O ônibus ia seguindo viagem a passo de tartarugas, saia de um buraco e caia dentro de outro; era como se estivesse manco, e naquele balanço, tinham que ficarem bem a atentos para não irem se arrebentarem lá o corredor ou dar de cara nas na poltrona da frente.

Catarina sonha com a nova vida que lhe espera a, algumas horas; e uma alegria doida enchia o seu coração. Pensou no filho já sentia novamente a fome. Apertou a sua barriguinha, e logo pensa:

_ que fim eles teriam levados se não tivessem achado aquele lanche no lixo? Olhou o céu por entre as pequenas clareiras do cerrado. As árvores acumulavam-se, o sol surgiu bem vivo e bem quente. O céu estava limpo, um céu azul, parecia ser o céu mais lindo do Brasil. Não havia uma nevem se que no céu. O sol estava cercado pelos seus lindos raios. Tudo indicava que não ia chover.

Abre-se, um pensamento novamente:

_ Bem. Sua vida ressuscitaria somente dos estudos; voltaria estudar, ela, a Catariana, seria uma professora naquela Cidade. Este pensar animou-a, afastando um pouco a dor da solidão. Já pode ver o filho, gordo, vermelhinho, ela encheria as suas bochechas magras; bem afundadas; a sua cara desfalecida renovaria.

Agora a realidade já é outra. O sol vai se apagando em meio a fumaça. As sombras das árvores começam a desaparecerem, o calor começa a lhe esmorecer naquela nuvem de fumaça que enchia todo o céu, deixando o dia turvo todo acinzentado apagando o ar.

Uma, duas, três, e agora não dava mais para contar as centenas de madeireiras, todas com chaminés ao ar livre, a fumegarem. Ali a nuvem de fumaça escurecia o dia. As fogueiras pó de cera estalavam. A poeira chiava nos pneus do ônibus.

Uma placa que dizia:

Bem vindos a Sinop.

Uma ressurreição surgiu para aquelas vidas. Quando lá chegasse, com certeza as cores de saúdes apareceriam naquelas caras tristes. O filho teria o seu leite de todas as mamadas garantidas, e como ainda não podia fazer aproveito das tantas coisas, Catarina esperava com paciência, a hora de saborear um bom prato de comida:

_ Já estou sentindo o cheiro de comida!

Chegaram. Estavam em petição de miséria; os cabelos em pé, duros de poeiras, os lábios pálidos, olhos fundos e num mau cheiro horrível, as pernas de Catarina estava todas tremulas, os pés sujos metidos em uma chinela havaiana; aquelas antigas; que vinham embaladas por um saquinho, trazendo a figura de uma família sertaneja.

Era dez horas da manha, e estavam eles agora na casa de parentes; que lhes receberam com tanta ternura e muita harmonia, mostrando um imenso exemplo de humanidade.

Uma mesa farta de comida, uns corações fartos de amor; ali lhes receberam.

Tudo já proto; os três pares de bocas pálidas, secar, batiam eco nos pratos; tinham presa de matar a fome. Catarina quanto Geraldo iam agora satisfeitos aos poucos, sentindo-se, mais gente. Catarina não acreditava que havia conseguido chegar ali morrendo de fome. Após o almoço caíram em cima de uma cama fofinha, de lençóis limpos e cheirosos; um ventilador que soprava os corpos surrados pela circunstâncias da vida. As lembranças dos sofrimentos passados; se aniquilaram por horas.

Catarina deitada se espicha bem e logo se encolhe; abraçando o filho entre os joelhos e os braços, e ficou ali um pouco naquela posição, como que ambos estivessem dentro de um útero; só então percebe que é tudo real.

_Catarina, você não esta acreditando!

Exclamou em voz alta; se conteve, notou que havia alguém na sala, próximo do quarto, com certeza ia admirar-se, a ouvissem ela falar só. E podiam pensar sabe se lá de sua pessoa! Então em silencio se sentiu orgulhosa de saber que era capaz de vencer tantas dificuldades. Chegara naquela situação miserável e ali estava agora, já se, sentindo forte, parecia até ter engordado algumas graminhas, abraçada com seu filho de barriguinha cheia; dormindo como um anjinho.

Ao passar de três meses, estavam eles ainda morando de favor; mas era ainda muito bom. A casa de dois cômodos, um banheiro e uma varanda, mas era tudo novinho, bem seguro. Tinha energia elétrica, saneamento básico; era um conforto muito maior que sua altura; pois não tinham onde caírem vivos; pois morto cai em qualquer lugar.

Vem agora a doença de Geraldo. Geraldo há muito tempo vinha doente, mesmo antes de saírem de Cascavel. Passaram vários dias comendo do que deixavam a sua porta. O que mais ajudava era o irmão de Geraldo que cujo fazia com muito gosto. Tinha prazer em ajudá-los.

Geraldo teve uma melhora, e continua a trabalhar como ensacador, trabalhava como um bicho, queria criar os filhos. Estava dia e noite adentra agarrado no trabalho. Chape, chape. As botinas arrastavam-se, no chão de contra piso do barracão do armazém. O corpo do ensacador derreava-se, as pernas e os braços faziam quatro arcos desengonçados com as sacas de arroz na cabeça. Parecia que o esqueleto já ia se amontoarem.

Catarina entristeceu-se. Considerou que não mais passaria miséria! Enganou-se. A sina dela era mesmo o grande descompasso de desigualdade social; andando para cima e para baixo, brincando de esconde-esconde, com a fome. Uma desvalida empurrada pela falta de informação achava-se ali em maus lençóis; pensava ela.

O esposo com pouca saúde e já de uma boa idade, um filho de dois anos e outro a caminho.

Foi uma gestação complicada. No desespero ao saber da gravidez, a medica lhe sugere um aborto. O que lhe causou um impacto de sentimento muito grande.

_ Não, de jeito nenhum; eu agora quero este filho, seja o que Deus quiser!

_ você é nova, linda e vai ter uma criança linda! Vou lhe dar o pré natal de graça, pode vir todos os meses que sua consulta esta garantida. Depois que você tiver a criança eu faço a sua laqueadura também de graça e ponto final nos bebes.

Antes que a medica terminasse de falar, a Catarina já havia parado de chorar, já se sentia aparada em mais uma dificuldade de sua vida. Tentou recordar do seu tempo de infância. Viu se raquítica, triste, o vestidinho de chita todo encardido e remendado. Acompanhando a mãe no serviço da roça. Esse pensamento seguiu-lhe, quando saiu do hospital. Chegou a casa, e continuava inquieta, com aquela sombra nos olhos castanhos claro. Era como se na sua vida houvesse aparecido um abismo sem fim. Como se o mundo houvesse virado de cabeça para baixo, como se os seus pés não sentissem mais o chão. Precisava falar com o esposo, necessitava afastar aquela perturbação.

_ Geraldo veja bem como esta a nossa situação; eu grávida e ainda por cima uma gravidez de risco. Antes mesmo dela terminar o que ia dizer, ele já levantou a voz e saiu resmungando, deixando ela falando sozinha. O filho que dormia acordar em seguida, desse da cama e vem correndo rindo de braços abertos a direção de Catarina, o que animara o seu espírito, desatordoando-a.

Geraldo voltou, e o curativo da perna estava pendurado; e ele pisando em cima; triste murcho parecia ter perdido toda a esperança na vida. Catarina consolou-o, afagando-o. queria dar ensinamento ao filho mesmo ele sendo muito pequeno, queria que ele começasse a perceber que deveria proceder assim; sendo pessoa generosa para com o sofrimento dos outros.

Agora queria entender –se, com Geraldo a respeito da educação dos filhos, pois afinal estava outro a caminho e ela não queria que eles crescessem em meio as desavenças, como ela.

Dificuldade financeira até que ia, mas desentendimento afetivo, falta de respeito entre a família ela não queria que seus filhos presenciassem.

Geraldo praguejou a vida e disse, que para ele o mais importante era que não faltasse o dinheiro, pois ele só conseguia viver feliz e sossegado se tivesse mesmo o dito dinheiro.

_ Se fosse mesmo verdade que o diabo comprava alma com um bom dinheiro eu ia vender a minha a ele.

Quando Geraldo proferiu estas palavras, Catarina arrepiou-se, toda, ela era religiosa; ele também era; mas tinha horas que ele saia das coisas. Catarina mesmo fragilizada com a gravidez, daquele dia em diante toma a frente da família, não mais satisfeita com a situação diz:

_O dono do defunto que pegue na cabeça. Pensa em voltar estudar para poder dar uma melhor educação para os filhos. Eles não eram culpados de vir para este mundo.

Geraldo dava-se, bem com a ignorância, não procurava aprender nada. Não conseguia trabalhar muito, pois o trabalho na sacaria arrebentou as pernas em varizes; a perna direita era ainda pior; havia aberto uma ulcera varicosa; que não cicatrizava nunca. Mesmo assim quando dava uma melhoradinha ele voltava ao trabalho. Era ele ignorante na verdade; mas preguiçoso não.

A saúde e a idade não ajudavam muito; o que talvez fosse isso que nunca estava satisfeito com a vida. Até parecia que as vezes não regulava bem.

_ Homem, vamos conversar; Deus não se agrada de quem se maldiçoa! Temos que dar graças a Deus por tudo na nossa vida! Deus é bom, maravilhoso, misericordioso!

_ Você é mesmo uma trouxa! Acha que se Deus existisse e fosse assim tão bom ele não ajudaria o Nordeste? E, ainda mais; quando a desgraça da seca chega, os bons e os ruins se estrepam igualzinho. Há! Deixe-me! Geraldo desejava possuir muito dinheiro, mas como? Era uma doidice. Ele não tinha nem uma profissão ou cabeça para algo, ganhar dinheiro.

Catarina novamente arrepiou-se, ao ouvir as blasfêmia do esposo ao pensar que isso podia levá-los, a fome, sendo castigados por Deus. Desde que se entendera por gente não tinha lembrança de um ano bom se quer. A pobreza estava sempre a caminho, andando por perto.

Ali, o que dava uma maior segurança era que o irmão de Geraldo estava sempre por perto nas horas mais difíceis. Embora Catarina pudesse estar a pão e água nunca se abria com ninguém; não gostava de depender de ninguém, e odiava despertar pena da sua vida para os outros.

Geraldo com aquela perna quase dando trombose, trabalhava para cima e para baixo, subindo e descendo sacos de arroz; descarregando e carregando caminhões. Nem valia a pena trabalhar, trabalhava somente para garantir que continuava existindo.

Catarina mal pode comprar algumas roupinhas para o bebe. A gestação foi mais no hospital do que em casa. E por fim chega ao fim; o bebe nasceu.

_ É, outro menino diz!

Diz a parteira, que continua a falar.

_ É um baita menino! Vamos pesar.

A casa da Catarina fica quase no fim do quintal, tendo na frente uma outra casa, muito maior e de aparência rica. Era a casa do seu cunhado.

O dia estava caindo uma neblina fria, com aspectos de inverno, em pleno dia 26 de agosto; coisa um pouco rara nesta época do ano. O vento frio que batia molemente no pé de manga que rosava seus galhos levemente em cima da casa.

Catarina casada meia desfalecida pelo esforço que fez para colocar o filho aos olhos do mundo; desejava agora dormir, mas não conseguiu sem ouvir a parteira, tudo que ele tinha para dizer acerca do bebe.

_ Um sacudo mesmo! Meu Deus que menino lindo e robusto! Quatro quilos, olhos castanhos claros igual aos dos seu minha filha!

Exclamou a parteira.

Ao final dormiram ambos; mas, ou fosse porque os pensamentos atribulados, o medo da fome, as tais frustrações a perseguirem, ainda em sonhos, ou porque estava ali a bater a sua porta. Será que era o destino que resolveria tudo na sua vida? A verdade era que Catarina dormiu pouco, o que não era coisa rara, açodou logo depois de a parteira deixar o recinto.

A tarde estava fresca e serena; era tudo silencioso, mal quebrado pelo barulho de algumas toras de madeiras que batiam ao chão nos pátios das madeireiras. O silencio devia a falta de energia; por certo havia queimado algum gerador e isto anunciava que, quem sabe naquela noite iam passar no escuro.

Catarina amuada por não poder conseguir dormir, resolvera-se, a ir de joelho ao chão em oração, para sentir Deus mais perto, afim de confortar se, poderia acalmar-lhe, a angustia. O marido doente, recebendo um misero salário de auxílio doença; ela de dieta com um recém nascido e o outro de dois anos e oito meses. Deus tinha que lhes ajudarem.

Só deus sabia até onde iria aquela situação de vida pasma. Catarina mesmo naquela situação tinha certeza de que viveriam muitos anos. E quando deixasse este mundo, deixaria seus filhos robustos e bem encaminhados na vida, não seriam iguais a ela. Até o recém nascido já tinha a sua Certidão de Nascimento, então poderiam estudarem e terem uma vida mais prosperas, e que iam serem os primeiros a mudar a cultura da geração de Catarina. Um poderia ser um professor, outro quem sabe um advogado; ou até outra profissão; não importava. O que era mesmo indispensável os meninos ficarem sem estudarem; sem saber a ler e escreverem; iam lutarem por mais Cidadania; fazendo a diferença no mundo. Precisavam serem pedras, virarem rochas inabaláveis para lutarem em meios os incidentes da vida. Se estudassem, teriam o fim de dela e do marido.

Um dia quando os meninos ganhassem idades para se virarem sozinhos, tudo andaria melhor. Os meninos iam crescerem livres para falar o que pensavam, livres para perguntarem, encher-se de orgulho das suas vidas. Agora então tinham o direito de viverem os caminhos que escolhessem. Que bom ter a liberdade de escolha.

As coisas não andavam muito bem, mas nos últimos três anos o bicho pegou.

Em um dia rotineira Catarina agarrou-se, com uma vassoura de mato e saiu a varrer o pátio da casa, entrando nas suas lembranças; enxergou a casa baixa, as paredes escuras pelo barro vermelho, telhas de tabuinhas, já pretas, atrás os pés de bananeiras, um mictório onde jogavam suas fezes e as cobras mortas e outros animais como pintinhos, e entre outros, o caminho da Escola, o caminho da roça. As chinelas que batiam no chão vermelho e liso que grudava nos solados. A mãe, Dona Ondina na cozinha, acocorada junto ao fogão a lenha, saia azul marinho encardida e muito bem remendada, entre as coxas, preparando a comida para mais logo pegarem o caminho da roça.

Catarina ajeitou bem as folhas e ateou fogo; entrando para a casa, tomou banho, e depois de comer mandioca com chá de erva-doce saiu a procura de um emprego para ajudar nas despesas da casa. Geraldo continuava na companhia da chaga que tomava conta da canela inteira e a parte da panturrilha.

Na mesma viagem Catarina aproveita para ir ao supermercado fazer compra. Precisavam de tudo, mas compraria o básico do básico. Os meninos pediram iogurte e salgadinho. Mas o dinheiro não deu, pois as coisas estavam pela hora da morte. As mercadorias subiam de valor todo instante.

Catarina percorreu a cidade antes de ir ao mercado, a procura de um trabalho domestica; o que não foi difícil encontrar. No dia seguinte estava empregada na casa de uma costureira.

Em casa a decepção para os meninos e a dor no coração de Catarina. Antes que ela descesse a compra da garupa da bicicleta, o filho mais velho perguntou com olho pidão:

_ Mãe, a senhora comprou o salgadinho e o iogurte?

_ Espere a mãe entrar, que já vamos conversar!

Enquanto ela conversava com os meninos, explicando que havia arrumado um trabalho e depois de alguns dias de serviço ia pegar dinheiro e então compraria muitos iogurte e salgadinhos.

Catarina conversou muito com eles, beijando-os, abraçando-os, com muita ternura até que se certificou que havia preenchido a falta do pedido deles.

Catarina virou o corpo para porta da cozinha, limpou as lagrimas com a manga da blusa, contraiu o rosto. Animou-se ao ver a sua irmã mais velha em pé na porta, que puxou um dinheiro, muito satisfeita em ajudá-los, e logo colocou na mão da Catarina, certo de que esta quantia daria para comprar o iogurte e o salgadinho dos meninos.

Catarina agarrou as notas e saiu prometendo de lhe pagar assim que recebesse um dinheiro. Ela meteu-se na bicicleta, dirigiu-se, ao mercado, onde não deu para comprar dois iogurtes e dos pacotes de salgadinhos, pois o preço já era outro. Isso subiu de valor no instante em que ela foi ate a casa.

_ Porque é que nunca conseguimos a dita Cidadania?

Resmungou Catarina mentalmente, enquanto pensava em uma estratégia de levar os dois produtos. Chegou uma conclusão: comprou um iogurte e um pacote de salgadinho; assim dividia os dois, para os dois. Se ela levasse dois iogurte eles ficariam pensando no salgadinho, e se ele levasse os salgadinho, e se levasse o salgadinho ia acontecer a mesma coisa; atacando os vermes dos bichinhos.

Catarina foi-se para casa, feliz da vida, e mais feliz ainda ficou quando viu os meninos degustarem os alimentos.

Catarina atentou para aquela sena e gaguejou, procurando palavras para explicar o motivo de ter comprado só um de cada.

_ Esta gostoso?

As crianças balançaram as cabecinhas, com sinal de aprovação. E Catarina continua a conversa:

_ Daqui a pouco vamos limpar a igreja! Bem, vamos e não vamos, pois só eu que vou; vocês vão brincar lá no pátio, só que não faça barulho na hora que as irmãs estiverem orando. Geraldo estava possesso, pois o dinheiro não deu para comprar carne, só deu para comprar ovos de mistura.

Antes de Catarina sair para a igreja; em um banco embaixo de um pé de manga muito sombrio enfrente da casa; Geraldo levantou-se dela, e caminhou atrás dela, que parecia ser ela culpada de não ter comprado a carne. Catarina há muito tempo havia deixado de lhe obedecer.

_ Afasta-se de mim!

Ordenou ela.

Eu vou limpar a igreja!

Catarina apertou os dois meninos na garupa da bicicleta, pegou no guidão, montou e saiu. Mas com tanta infelicidade, que o filho mais velho colocou acidentalmente o pé no raio da bicicleta em movimento. Catarina apavorada muito nervosa volta para casa.

_ Bem feito.

Ergueu-se, furioso. Saiu da varanda, para fora, trombudo.

_ Espere ai!

Gritou a Catarina.

Geraldo com os miolos ardendo em cólera, nem se virou. Foi sentar novamente embaixo do pé de manga, calçou as botinas e ganhou a rua.

Catarina se virou sozinha com a machucadura do filho; lavou com água de sal, logo em seguida macetou um punhado de mastruz, colocou sobre o ferimento e atou um pano bem limpo.

Mais tarde Geraldo entra na casa tagarelando nos ouvidos de Catarina que lavava roupa; ela molhava a roupa muito suja na água do tanque de cimento, torcia a roupa, molhava-a, novamente, esfregava-a, torcia novamente; molhava-a, torcia-a, dava umas batidas, mais umas esfregadas, e enxaguava em água limpa, torcia até ficar quase sem pingar água. Estava tudo limpa pronta para irem para o varal; e quando ela ia levando-as, para

estender; tem o pressentimento de que Geraldo queria dar uma explicação: perdera a cabeça, ia ser diferente daquele, dia endente, nunca mais ia ser ignorante com ela. Ganhava muito pouco e por isso ficara nervoso, mas você nem as crianças tem culpa de nada. Era isso que Catarina gostaria de ouvir, mas ele jamais daria o braço a torcer em pedir desculpa e admitir que errou. Ele ainda continua muito atrapalhado, desorientado, descontrolado.

_ Passariam a semana comendo arroz, feijão e os diabos dos ovos.

Ao dizer isso olhou a mulher e os filhos em seu redor e moderou um pouco mais a indignação.

Mesmo com aparência branda, não deixa de arquejar ainda mais um pouco insultando a Catarina, por não ter comprado a carne; podia bem ter comprado um pacote de arroz amenos e ter comprado pelo menos meio quilo de carne.

Um pacote de arroz dava para se alimentar no mínimo uma semana, e meio quilo de carne daria duas refeições no Maximo, e daí o que, que comeriam o resto das outras refeições, até que chegasse o misero dinheiro do benefício de auxílio doença.

Esse foi o argumento da economista dona de casa; Catarina, ao esposo que esta ali a resmungar, desejoso a puxar questão para uma confusão; queria deixar Catarina endiabrada. Não conseguindo; conseguiu derrubar uma garrafa de café no chão que espedaçou.

_ Isso é uma vida condenada do diabo.

Gritou o Geraldo furioso da vida; que ainda continua:

_ vida excomungada!...

Catarina estava sentada em uma cadeira bem a beira da porta, cuidando do ferimento do calcanhar do filho; levantou-se, pôs o filho nos braços, abraçando aquele corpinho raquítico os bracinhos caíram-lhe sobre as costas, molinhos, finos como uns cambitinhos. Catarina não aprovou aquelas reclamações e maledicências, lançou mão dos dois meninos e foi se para debaixo do pé de manga. Agora ausente do “companheiro”, a sua alma tinha mais sossego. Sentada ao banco bem arqueada, as costela a mostra, se dobrava abraçando com os filhos, com o coração batendo quase fora da boca. E de quando em quando se detinha a amargura, dizendo que os amavam muito e que eles eram muito importantes para ela.

_ porque Geraldo era assim? Deus havia de endireitar ele! Deus havia de mudar o seu jeito!

Isso surgiu em seu pensamento; que ainda continua pensando:

_ Assim como ele é, nem uma mulher pode resistir! Bem, bem...

Ela passou as mãos nas cabeças e nas costas dos meninos, sentiu-se mais forte, os olhos castanhos brilhavam-se, como olhos de uma leoa. Estava realmente feroz em defender a vida das suas crias.

O marido tinha uma personalidade muito esquisita, que instante depois se achegou como que não tivesse havido nada.

_ Safado, prevalecido, um nojo de gente! Não sei!

Ela pensa.

Catarina nunca conseguia entendê-lo. Às vezes pensava que era mesmo um safado, covarde, um nojo de gente. Às vezes acreditava em um doente ou até mesmo em um ser possuído de algum espírito perturbador. Ou ainda perturbado pelo próprio diabo.

_ Será que ele merecia ser castigado por Deus? Afinal de conta se levantava muito contra Deus. Afinal para que servia Deus também? Ele era um homem bom, trabalhador, pagador de suas contas, honesto, e vivia naquela pendenga de comer carne somente uma vez por mês, a cada pagamento, ou então quando alguém se lembrava, deles e levava na sua porta.

Quase sempre era o seu irmão que aparecia com os pacotes de carnes; uma rapadura, uma geléia de mocotó, e entre outras coisas mais.

Ia tirar algumas duvida com um irmão de igreja, ele podia ter todas as explicações; ele lia muito a bíblia, a palavra de Deus e sabia compreender mais longe, ver bem mais a frente, não era como eles que não conseguiam enxergar um palmo a frete do nariz. O irmão sim tem explicação para todas as coisas na vida das pessoas; dentro das historias da bíblia. Eles dois eram uns brutos, não sabiam nada sobre os designo de Deus. Fazia Catarina destas palavras.

_ Só queria ter paz, mesmo nesta pobreza, eu acredito que há possibilidade de alguém ter paz e ser feliz. Será que é pedir de mais a Deus, paz? Isso tudo borbulhava dentro de Catarina.

_ Catarina se lembra da sua infância, da casa onde morava, da cozinha de chão, da panela de ferro que chiava em cima do velho fogão a lenha. A mãe a mãe temperando a comida com o único tempero. Sal. A mãe provava a quirerinha de milho na palma da mão.

Catarina se atormentou, com a idéia de que aquela pendenga não teria mais fim e que ela nunca mais voltaria a estudar.

Naquela viagem que fez ao passado arrastou-se, para o tempo que a família estava quase morrendo de fome, e seu irmão chegou para lhes “salvarem”.

Ia se passando o tempo e ela ganhando idade. Catarina inquieta agora tentava dormir; já havia se recolhido para a cama. Nesta noite foi muitas vezes de joelho ao chão orar, pedindo a Deus misericórdia. Os galos já estavam cantando e ela sem pregar os olhos. Pensou no trabalho que havia arrumado na casa da costureira e fez as contas de que ia render uma boa ajuda no final do mês. Poderiam comer carne pelo menos todos os dias, mesmo que fosse a apenas no almoço! A mistura do mês estava garantida

_ Hoje começo no meu serviço; as coisas vão melhorar. Catarina diz isso já pela manha; enquanto servia o café.i

Pão e chá de erva de cidreira. O chá não era porque gostavam da folha; mas era porque não tinha café, mesmo. Outra coisa que o Geraldo gostava demais e se renegava a tomar o chá.

Geraldo se levantou da mesa e diz:

_ Eu não vou beber esta porcaria; e esta mixaria que você vai ganhar não vai ajudar em nada.

_ Você coloca água em tudo!

Eu que eu vejo que isso é uma merda!

Catarina faz de conta que não ouve, e da o pão com chá para os meninos, que logo em seguida, espreme os dois como sempre na garupa da bicicleta e sai só que toma mais cuidado com os pés dos meninos no raio da bicicleta.

No serviço Catarina colocou os dois meninos sentados no canto da sala da costureira, dando ordem que não saíssem dali, a não ser para irem ao banheiro. Mesmo assim tinham que avisá-la. Os meninos permaneciam ali todos os dias como dois soldadinhos em baixo de ordens de seu superior.

Catarina limpou casa, lavou passou roupa carpiu quintal, durante um mês e dois dias. E todos os dias levavam uma garrafinha com água de casa para os meninos beber. Pois se acaso achasse a patroa com a cara ruim, o que não era raro, não teria problema com ela em dar de sua água a beber aos seus filhos. Ela já havia avisado antes que não queria incomodo com crianças, pois já tina as suas. Cumprida a obrigação Catarina pegava os meninos e a bicicleta; com a consciência tranqüila marchava para casa. Chegava a beira da BR, descia da bicicleta e passava a pé empurrando-a. A poeira fofa que cobria os pés, as chinelas faziam chape-chape, o suor que descia-lhe, as pernas abaixo misturando com a poeira formando lama, que os chinelos escorregavam nos pés. Inclinava a cabeça para frente forcejando os braços, com o espinhaço curvado, agitava as pernas, uma para frente deixando a outra para traz, fazendo longos passos, apressadamente fazia o trajeto. O menino mais velho grudado no banco da bicicleta, e o menor grudado no mais velho parecendo bichinho preguiça.

Catarina gostaria muito que os meninos não viessem a reproduzirem aquele seu gesto hereditário. Queria que eles estudassem, e que tivessem mais cidadania.

Em um dia destes de cruzar a BR; ela resmunga alguma coisa em vos alta:

_Catarina você é mulher forte!

Logo ela se conteve, pois pensou que os meninos iam ficar confusos em ouvi-la ela falar sozinha; apesar de que já deviam estar acostumado com o pai; ele vivia falando sozinho; quase sempre se praguejando.

Não deu tempo para os pensamentos e volta-os:

_ Pensando bem ela não era mesmo de nada. Era somente um ser que limpava a casa dos outros sem ter o direito de dar um copo de água para seu filhos no seu próprio trabalho, tendo de levar de casa. Olhou-se, para dentro de si, o seu discurso:

_ Catarina você é uma animal! Um animal sim; capas de sobreviver em meio a tantas dificuldades.

Vivia situação precária, e ali estava firme, com coragem de vencer, trabalhando lutando para não deixar os filhos passar fome, e pensando em estudar para poder dar uma vida melhor para eles.

No dia seguinte estava ela lá firme no trabalho.

Aquilo era comida de verdade, mas só viam. A boca enchia de água. Devia ser o pão, o doce mais gostoso da face da terra. Uma sena mesquinha. Catarina olhou pelo canto da janela da sala que dava para dentro da sala de costura; e viu os meninos, com os olhos atentos, as navegas plantadas no chão, e as perninhas dobradas, braços cruzados sobre os joelhos, vigiando, aguardando que ganhassem também aquele manjar dos Deuses, que a costureira e os filhos degustavam. Catarina entristeceu; ao deparar-se, com tamanha desumanidade. A sina dela era não ter dignidade?... Andar para cima e para baixo, como uma folha, uma palha jogada ao vento? Achava-se ali, ela e os filhos como uns cãezinhos abandonados, espiando por uma sobra? Não, ela trabalhava, e quem trabalhava merecia maior reconhecimento! Catarina deu um estalo com os dedos. Os meninos entenderam o sinal, e já se puseram em pé. Catarina pegou os meninos e disse a “patroa”:

_ Estou indo embora, e não vou trabalhar mais aqui. Isso Catarina não sabia, que isso acontecia todos os dias.

_ Você é uma porca relaxada, eu já ia te despedir mesmo! Passe daqui oito dias para receber.

Catarina saiu botando fogo pelo nariz.

_ Você é uma maldita! Costureira do diabo!

Isso foi só mentalmente.

Um ser desse devia viver longe de pessoas, ela é uma ameaça para a sociedade, responsável pelas cadeias cheias. Não serve nem para ser um pé de bananeira! Bananeira tem um coração enorme! Será que este capeta tem idéia da minha vida?

Catarina tem mais uma má experiência com pessoas de pele clara.

Mulher alta de pele branquinha, quase albina, de olhos bem azuis.

No dia combinado passa para receber. Ela confere e verifica que esta faltando dinheiro.

_ Olha, aqui: você não merecia nem esta quantia!

_ Tudo bem, fique com o resto para você comprar vela, quando você morrer, pois vai precisar; dizem que o inferno é de fogo, mas o caminho até lá é escuro.

_ Sai daqui cambada de passa fome!

Catarina certificou-se, de que a sua vida estava batizada e destinada às humilhações. Catarina promete para ela mesma que nunca mais iria trabalhar de domestica para ninguém. Ela caiu em uma confusão dolorosa. _Era ignorante, era uamá burra, havia estudado pouco, não sabia se explicar bem! Não sabiam quais eram os seus direitos!

Irou-se com a comparação, dando murros em sua própria cabeça.

_ Então se aproveita de uma pessoa só porque não sabe falar direito, não tem lá grande leitura! Uma pessoa que só sabe limpara chão! Cadê a Cidadania? Tratam a gente pior do que bicho! Que mal fazia alcançar um pedaço de pão aos meninos?

Catarina trabalhava como uma escrava. Limpava a casa, lavava roupa, passava, carpia o quintal, varia o quintal, lavava tapetes pesados da sala, tirava o ar da bomba da água, levava o lixo na rua. A casa estava sempre em ordem, os meninos não atrapalhavam, nem saiam de onde ele os colocava, até a hora de ir embora. Catarina não quer nem pensar mais nisso. Mas o diabo daquele acontecimento encalacrava-lhe, nas idéias, tinha vontade de matar aquela mulher, que tinha lhe humilhado e lhe roubado. Aquilo era para endoidecer qualquer vivente! Se ela tivesse estudado não tinha que passar por tantas coisas desumanas! Só o que sabia fazer bem era limpar casa e trabalhar na roça, era do serviço bruto e estes serviços não eram valorizados. Ela não sabia ainda se defender desta sociedade porca, imunda e podre! Em surto Catarina chega pensar:

_ Cada um é como Deus quer! Ela, Catarina, era aquilo mesmo, e seria assim sempre. O que desejaria? Há, sim! Logo se recorda do sonho de ser professora. Mas logo se esmorece e vê que tudo era besteira. Estava ali sem poder arrumar o que estava no seu interior. Se conseguisse ser professora

entraria nas salas e ajudaria as crianças terem mais Cidadania, prepararia as crianças para serem adultos mais humanos, e que é mais importante saberiam se defenderem.

Catarina bateu na cabeça, espremeu-a, com as mãos.

_ o que fazem aqueles sujeitos lá no poder? A roubarem a confiança das pessoas. Que dizem: que neste ano vai ser diferente! Vão lutar pela Cidadania do país, vão melhorar a saúde, vão melhorar a Educação! Gritam nos palanques, quase perdem o fôlego a troca de enganar a população.

Catarina sentiu vontade de entrar dentro de uma mata e gritar, ou de sair falando as verdades para todo o mundo que eles não prestavam e que eram todos um bando de mentirosos, e que não estavam preocupados com a Cidadania de ninguém. Que todos os eleitores só serviam para elegerem eles, colocando eles no poder para depois devolver com pouco caso a confiança depositada nesta cambada de cachorros. Que tudo era uma lastima! Que pobre só servia para trabalhar de escrevo e pagar imposto para eles terem os maiores salários. Era isso que Catarina gostaria de dizer. Acendeu uma fogueira de revolta que ia e vinha dentro da sua alma. Pensar ela pensava bem, mas na hora de falar; não sai nada. Ela travava diante de qualquer pessoa. Não se sabe como que ela retrucou a eis “patroa”!

Mais um pouco e parecia que Catarina conseguiu arranjar as suas idéias. O que a encorajava era os filhos. Lutava com unhas e dentes, era uma onça, agüentava ferro quente. Deveria mesmo era voltar aos Estudos custasse o que custasse. E lutar pelos estudos dos filhos, eles não poderia ser como a mãe. Quando eles crescessem, não seriam pisados, maltratados, machucados por um patrão branco de olhos azuis. Até s lá já o mundo estaria melhor, havendo melhor Cidadania.

Mais uns dias se passaram e Catarina se matriculou em um supletivo. Fez da primeira a quarta serie em um ano. O resto ela foi estudando um pouco e parando outro. O motivo dela haver feito novamente o primário; é que ela na infância sempre estudou como ouvinte. Ela não tinha registro de matrícula no MEC.

Catarina demorou uns bons anos até que concluiu o ensino médio. Ela era o carro chefe da casa, tinha que trabalhar como cantiga de grilo e não sobrava tempo para os estudos. Os filhos cresceram, a renda familiar aumentou um pouquinho. Agora volta terminar o terceiro ano do segundo grau. Este terceiro ano trazia um marco histórico em sua vida.