A quarta parte da Luta pela sua Cidadania
De volta na tentativa de aprender a ler, a cadeira aguarda-a atrás da casa. Catarina, por entre os belos olhos esverdeados, lança olhares esperançosos para o livro; agarrando-o sai na tentativa de aprender a ler.
Deita já na cadeira, bem recostada à costa da cadeira na parede.
Solitária entra naquele mundo que era só dela. Quando de repente, passos leves pisaram por cima do matagal.
Voltou-se, e viu que era sua mãe diante de si, foi como uma inesperada aparição, pois o que será mais que ela queria de Catarina? Ela já havia cumprido com suas tarefas domesticas do dia.
A mãe com um vestido simples forrado de remendos, acanhada tira um lenço da cabeça e enxugando o suor, que escorria pelo rosto a fora. E depois de um instante de silencio, a voz de D. Ondina ergueu-se, muito nervosa, frustrada de mal com a vida, de um tom amargurado.
Catarina já em pé, com o livro na mão a observá-la, refletindo o que, que sua mãe mais queria dela naquele dia? E de repente, ela enterneceu os olhos graúdos enevoando-se de água; começando a falar de que seu Florisvaldo dês da noite anterior não
havia aparecido em casa; foi quando as lagrimas rolam pelo rosto fugindo de suas pestanas, mesmo querendo segura-las, Catarina termina por lhe afagar, abraçando – a.
_ Quanta tristeza!
Murmurou Dona Ondina.
Catarina faz com que a mãe se sente na cadeira.
Quando ela sentou, os olhos demorou-se em por fim nas lagrimas, passando uma mão na outra.
Catarina que muito amava, ao vê-la chorar apiedou-se. Para consolá-la jurou que ia rezar mais pela família.
D. Ondina ao ouvir tal promessa, apóia.
_ Ah, sim, minha filha, por piedade reze mesmo! Se Deus, Nossa Senhora Aparecida nos der este presente, de seu pai parar de jogar baralho eu fico muito feliz.
_ Prometo-lhe, que um dia nós vamos ser uma família feliz. E todos os domingos vamos juntos para a igreja.
Diz Cataria.
_ Eu até já decorei a musica do Teixeirinha, para cantar para ele. Eu acredito que Deus e Nossa Senhora aparecida Vão fazer um milagre na nossa família.
Uns dos sonhos da Catarina, alem de aprender a ler, tirar sua
Certidão de nascimento era ter uma família perfeita.
_ Meu Deus, o seu pai não é capaz de entender que as coisas não caem do céu! Se ele não largar este maldito vicio eu vou-me embora, vou largar ele.
Catarina não responde logo, fica tristemente a olhar para ela, pensando na musica do Teixeirinha, que almejava cantar para seu pai, na tentativa de que ele se comovesse e largasse de jogar baralho, e cheia de silencio, ao vê-la, sentada ainda na cadeira onde ela se acomodava quase todos os fins de semanas a folhar o livro de capa vermelha, escrita de letras douradas na capa: Deus é Jeová. Nos dias de semanas ela trabalhava na roça, logo sobrava á noite e os fins de semanas para estudar.
O silencio é quebrado com a presença da Eva, comadre da dona Maria.
Catarina observa bem ela; pois admirava muito como a prima se trajava.
A Eva estava bem maquiada, ficou ali parada, parecia que estava com medo de se aproximar, com a sua boca pintada de
batom vermelho, entre aberta. Ela tenta ajudar a Dona Ondina.
_ Bom dia comadre, como tem passado? Diz a Eva.
Dona Ondina, foi logo vomitando:
_ Não temos passado muito bem! Vou me separar do Florisvaldo.
Catarina não se conteve sem se perguntar:
Por quê? Meu Deus!
Que vida cruel de Catarina, parecia não ter mais fim o sofrimento da falta de união da família. Ela não podia contar muito com os pais para que pudesse estudar, pois eram muito desequilibrados psicologicamente e financeiramente.
O pai era muito querido, mas viciado no jogo de baralho. Um homem honesto, trabalhador, Catarina não se lembra de nem um episodio de que chegasse alguém no seu pai e fizessem uma cobrança.
A comadre na tentativa de minimizar a situação diz:
_ É ruim com ele, mas pior sem ele. A senhora sabes o quanto as separadas são desprezadas! Não vês como é tratada a Mariazinha! Dizem até que ela foi para em um cabaré em Foz do Iguaçu. Até os seus filhos lhe tomaram.
E vê que o marido é um crápula, falam por ai que ele se aproveita das filhas, mas isso não da em nada, ele é muito amigo do Inspetor; e ela não tem mais como viver, como mulher de família, as más línguas falam que ela virou mulher da vida! Mas nós não temos nada haver com a vida dela,
eu tenho mesmo é pena destas gentes linguarudas. É por causa dessa raça que se perdem tenta gente, que seriam pessoas que podiam ter um bom futuro; essas pessoas vivem destruindo os seus semelhantes. Quero ver o dia que tiverem que acertarem as contas com o chefe lá de cima! Estes “religiosos” que se cuidem, pois serão os primeiros a desenterrar quem eles sem piedades atiraram nos profundos abismos com as suas línguas cruéis.
A Eva era analfabeta de pai e mãe. A dona Ondina não era muito fã dela, pois tinha muito ciúme da cuja, com o seu Florisvaldo. Dona Ondina não tinha nem uma amiga era doente de ciúmes; achava que todas as mulheres que conversavam ela iam arrumar um caso com seu marido.
Eva mulher nova de dezoito anos de idade. No dia em que completou treze anos de idade o pai um insano bêbado, manda ela embora de casa com um senhor que passou por acaso em um dia de domingo na casa do sitio do
velho, pedir água e uma informação de um sítio que soubera que estavam vendendo ali por aquela região.
Era às quatorze horas mais ou menos. O senhor de cabelos e barbas grisalhos, de pouco pelos e barbas bem ralas, mestiço a índios lá de Nonoai, Cidade do Rio Grande do Sul.
Antes mesmo de chegar à velha casa coberta de palha, a porta aberta mostrava as paredes feias e de chão batido e um velho que tocava uma velha sanfona. Pelo era o padrão quase que em geral as casas da redondeza daquela época, eram palhaços.
O velho era sego de um olho, apelidado de olho de vidro. O velho cheio de rabugice apareceu já com alguns palavrões na boca; sai e fica parado na porta.
O forasteiro ao descer do cavalo as suas botas de couro de boi afundaram no chão de terra vermelha, não demora em entregar a saudação:
_ Boa tarde senhor.
_ Senhor esta no céu.
Murmurou o velho, olho de vidro.
A voz do Agenor , o forasteiro se apresentava baixa e tremula, ia lá saber se havia um revolver por baixo da camisa que cobria o cós da bombacha.
Pinta ali uma fúria ardente:
_ O que queres por aqui Pergunta o velho.
_ Um copo de água. Até se esquece de pedir a informação. Responde o que estava ali só por passagem.
_ Tenho água sim para beber. Em berros o asqueroso velho chama a Eva.
_ Eva, traga um copo de água para este cidadão. Diz o velho de voz toda atrapalhada, estava encharcado de cachaça, mal se agüentava manter-se de pé. A Eva, apenas uma criança, pele branca, rosto sardento, de
cabelos longos de cor loiros claros, de olhos verdes, mãos calejadas pelos trabalhos da roça. Traz a água em um caneco de esmalte de cor verde.
O velho saca de um revolver, ordenando que o cidadão leve a Eva para ter como sua mulher.
O Agenor era um homem feio, aparentava ter uns quarenta anos. O infame do velho não permitiu que a Eva levasse nem mesmo uma muda de roupa, foi-se só com a roupa do corpo.
Ainda em pé na porta o velho atentado deu a ordem, em gritos que diz:
_ Vá, pelo mesmo caminho que veio e leve esta rapariga; e não olhes para trás.
O Agenor foi saindo com a Eva até chegar ao Cavalo, e estendeu a mão para a mocinha puxando-a, para cima do lombo do cavalo, que o segui a passos rápidos.
Quando já não podiam ser mais vistos pelo velho, havia a dobra de uma colina, em um vale que passava a estrada.
_ O seu pai é mesmo um doido.
Disse o Agenor.
_ Você tem família? Pergunta a guria.
_ Não. Moro sozinho. Sou solteiro. Acho mesmo que estava na hora de me casar.
Tinham eles já passado um pontilhão subindo uma ladeira quando ouvirão um tiro.
_ Ele vem ai! Santa Maria que nos guarde! Meu pai é um assassino. Esse desalmado matou um pobre diabo por nada, por pura covardia, lá em um baile no sítio de meu padrinho Joaquim. O tiro acertou bem no coração. Eu vi quando o corpo do miserável caiu estendido quase nos meus pés. Isto não deu em nada, era amigo do inspetor, o inspetor é meu padrinho Joaquim. Disse a Eva.
A Eva e o Agenor haviam se escondido no meio de um matagal, enquanto o velho desiste de persegui-los e volta para casa.
Eva contava a historia com voz tremula e bem baixinho.
Deu-se então que eles saíram do mato para a estrada, pois o rumor já havia passado. Quando der repente um bando de pássaro rompeu dentre na mata. O cavalo se espanta, sai a pinote, onde a Eva cai e fratura o braço direito, ela se debulhou em lagrimas; e pede que ele cuide dela. Ele deu todos os cuidados, levando ao hospital de Catanduva e depois a teve por sua mulher.
O Agenor era primo do pai da Catarina, e nesta época Agenor vizinhava com eles; e trousse ela para vizinhar também.
A Eva era mal falada no Vilarejo, por ser uma mulher que tirava a sombra celha bem fininha, usava mini saia, bermudas curtas, calça
comprida, pintava a boca e unhas de vermelho. E por ai seguia o preconceito.
Enquanto a D. Ondina ainda conversava com a comadre, Catarina pensava na sua espinhosa situação; embriagada com as suas fantasias de quando aprendesse a ler, viajava-nos misteriosas letras que para ela eram ainda indefinidas. Logo lhe caia na real e temia o vexame de precisar voltar para a primeira serie.
Ela muito preocupada para com o estudo, nem percebe a hora que a Eva foi para casa. Ouvia uma voz que vinha de dentro do seu próprio raciocínio:
_ Eu vou aprender a ler; vou mesmo; e sair do analfabetismo. Precisava estudar; queria ganhar respeito. Ia fazer valer os seus estudos, em ajudar as
outras pessoas. E por uma necessidade urgente de se alfabetizar, levantou-se da cadeira correu ao córrego para se banhar, disposta a estudar mais um pouco, quando chegasse à noite.
O que mais tarde se lança sobre o livro com desejo ardente de se alfabetizar, pois este fogo é demais de intenso; o que é semeado na mente de uma criança, brota, floreja e produz. Neste não há fogo que devore, nem frio que congele, mas os frutos fecundam. É como a força de um ventre que geras um filho.
Ela entra para a casa de volta do banho mentalizando planos para convencer seus pais em deixá-la estudar quando chegasse à noite. Considerava que cada minuto era valioso para o rendimento do seu aprendizado.
Ah, se naquela noite ela tivesse ali, o privilégio de abraçar-se com o maior e mais lindo sonho do momento. Agora, já é noite e Catarina esta cama onde dormia uma montoeira de gurizadas.
Estava preocupada; não com a situação da família de não ter condições necessária de manter o lampião de querosene, mas com a preocupação de aprender a ler.
Nada mareava o antegozo deste momento, e nada tirava o brilho desses sonhado momento. Ela esta comprometida com o estudo. A lembrança de ter passado sem saber ler, e de que ninguém confiava nela, ninguém lhe prestava uma migalha de atenção sequer. A não ser a sua catequista e a sua Prima Eva.
A professora repetia sem cessar que ela era muito burra e que nunca aprenderia a ler. E com a insegurança afetiva que tinha em casa, era o pior de tudo.
Agora mais do que nunca precisava aprender, faltava uma semana para o começo das aulas. Isto lhes tinia, os ouvidos desabridamente.
_Os estudos!
Os estudos era um mundo negro em sua vida, sentia um grande desgosto em pensar nos terríveis aspectos que teria de enfrentar se quisesse estudar.
Nunca poderiam compensar aquela profunda tristeza, aquele tamanho aborrecimento invencível, que a devorava por não saber a ler. Esta preocupação tirava-lhe o sono, azedava todo o seu ser, pois cada minuto que se escoava sem o contato com o livro era mais uma gota de tristeza que caia na sua alma.
Neste caso os minutos, os dias as semanas os meses iam se passando sem que Catarina soubesse a ler. Olhava com repugnância para a hipótese de que corria o risco de voltar para a Escola do mesmo jeito que saiu para as férias.
Que “férias”? Um verdadeiro tormento!
Catarina estava muito aflita por se manter na cama; uma vez que, porem, recolhida no quarto escuro como um breu, não sentia a menor disposição para dormir.
A, circunstancia de saber que no dia seguinte seria o ultimo dia que teria para aprender a ler. Ela já estava meio bocejando alguns sons de letras. O problema era que não sabia como junta-las, para formar palavras. Via aquilo fora de seu alcance, o dispunha como se estivesse enlouquecendo, com um fim único de afligi-la; o de aprender a ler.
Não resistiu o desejo de ir, como das outras vezes, espreitar por um pedaço de vela que havia se aventurado na missa do sétimo dia de um falecido; encaminhou-se sorrateiramente para a cozinha, próximo da imagem da Nossa Senhora da Aparecida. Nesta tentativa, porém, foi ainda mais infeliz do que nas outras noites, ela bate em um pane - leiro que veio todo a baixo.
Catarina volta para o quarto muita aborrecida. Pegou o rosário e começou a rezar, mas largou o para lá rapidamente, com certo descreio. Nesta noite ela não pode pegar no livro.
Tem uma parte no livro de alfabetização Natural de Gilda Rizzo, que trás a seguinte resposta: _ para que um individuo enfrente qualquer aprendizagem é essencial que apresente um razoável grau de segurança afetiva. Individuo dotado de pouca afeição por parte dos pais, e especialmente pela mãe, se fragilizam e adotam reações de resistência ao meio adulto que dificultam o seu ajustamento afetivo-social e diminuem sua receptividade aos estímulos proveniente desse meio. Com isso diminui também suas possibilidades de aprendizagem. A rejeição é um fenômeno muito mais freqüente do que se imagina; ela pode assumir diversos graus, e sua manifestação pode ir da pequena violência, chegando ao abandono total ou até a morte da criança, como pode ser mais branda ou mais dissimulada, mas em todos os casos ela atinge a criança e traz conseqüências negativas para seu desenvolvimento e aprendizagem.
Na década de setenta, ainda usava o método da decoreba, onde as crianças ficavam tentando adivinhar as letras e palavras, eram como papagaios mecânicos que “discursavam” oralmente a leitura, sem qualquer ou menos a mínima possibilidade de compreensão.
Catarina e milhares de crianças viviam esse drama. O de não ter afetividade da família e nem dos seus mestres educadores. Nesta época as crianças só podiam desenvolver atividades que o professor mandasse, pois ao contrario, eles sofriam os castigos por quererem passar a frente da mestra.
A Eva teve uma grande participação na infância de Catarina. Era a única que rasgava o verbo, falando a verdade, explicando sobre a puberdade.
Marco, muito importante na vida de dela para que não levasse para a vida adulta uma sequidão na vida sexual.
Uma mulher naquela época devia se casar. Nosso Deus! Se uma mulher não se casa-se, era vista com maus olhos. A Eva era a favor de que, só se casassem quando quisessem e com quem o amasse muito.
A Eva já estava acostumada ser tratada com preconceito, pelas mães de “famílias”, donas de “casas”.
No dia seguinte Catarina pode abraçar-se com o que mais almejava no momento; que compreendeu o significado das letras. Conseguiu juntar as letras que deu a seguinte pronuncia: Deus é Jeová.
Esta provada que um fator da dificuldade do aprendizado podia ser o sentimento de inferioridade que lhe era atribuído. A falta de afeto, as brigas dos pais e a fome que lhe cercavam que fazia com que até ela acreditasse não ter capacidade, impedindo de reconhecer a si mesma, unindo ai à falta de segurança afetiva.
Ela estava numa felicidade que não conseguia nem falar, e assim ia correndo o domingo na vida de Catarina no Vilarejo; até mais ou menos umas quatro horas da tarde em que seu pai chega a casa, acompanhado com a ressaca das noites mal dormidas, decorrente dos jogos de baralho, trazendo aquele mau humor.
Era assim: tudo que ganhava em uma semana gastava em um dia; às vezes, porem, o baralho multiplicava-lhe o dinheiro, e então ele fazia como sempre se afogava na pendenga de perder tudo novamente. O que não faltava por ali no Vilarejo, era um boteco que lhe oferecia uma mesa de baralho para jogar tudo e mais um pouco do que tinha naquela garganta do Diabo! A união com a família era coisa um pouco complicada que vinha de longe; vinha do tempo em que a Catarina se entendia por gente.
Como um rumor quente de dia de festa, ia se formando naquela final de tarde. Então Catarina ouve barulhos de alguém que se aproxima, muito tremula conhece que era seu pai pela tosse seca provocada pelo tabagismo, quase se atropela com ele na porta da cozinha, saída para a rua. O pai meio rústico, pergunta:
_ O que é isto guria? Porque todo este alvoroço?
Catarina com o coração ainda muito saltitante diz:
_Meu pai aprendi a ler! Ela repete por varias vezes.
Ele quase caindo de sono, meio bocejando diz:
_ Mas, você não sabia ler?
Ela cada vez mais em fogo diz:
_ Não, eu não sabia!
Depois você lê para mim, então! Agora vou dormir.
Catarina, não se abalou. Foi saborear a leitura. Leu muitas palavras. E agora que venha amanhã e depois e depois; agora sabia ler, e não ia mais ser humilhada por não saber a ler. Um pensamento infantil, mas bem seguro.
CAPÍTULO III
Agora no Ginásio
Em 1978 o Vilarejo deu uma pequena reagida com a chegada de alguns fortes comerciantes incluindo dois fortes compradores de cereais, que compravam toda safra dos agricultores antes mesmo de produzirem.
Com a chegada destas famílias, por reivindicação da comunidade iniciou-se o Ensino de 5ª a 8ª série.
Era bem melhor que na Capela; muito mais confortável! A Escola era de alvenaria, dividida por um corredor, bem ao meio. Havia cinco salas de aulas, todas com carteiras industrializadas, sendo quatro salas para o primário, e uma para a quinta serie. A porta da cozinha abria-se para o corredor, e a janela para o saguão. Ainda ao lado direito de quem entrava para as salas de aulas, pelo lado de fora bem na entrado do corredor, ficava os banheiros, agora com saneamento básico. Os banheiros anteriores eram privadas, os famosos mictórios, que fervia de bi gatos; e sem contar o mau cheiro que quando saia dali parecia que o odor horrível o acompanhava, permanecendo por um bom tempo nas narinas de quem usava-o. Do lado direito de quem chega ao saguão estava á secretaria e um almoxarifado.
Na hora do lanche as crianças aguardavam que as mãos adultas meios tardias servissem o lanche que não era de reclamar, pois muitas crianças em suas casas não sabiam o que era uma almôndega, não era todos os dias assim, mas mesmo quando o lanche não era aquelas coisas, era bem melhor que as refeições que tinham em casa, como por exemplo a Catarina.
A frente da Escola se estendia um tapete de matas verdejantes e uma roçada, cada uma na estação própria. Mal escapava uma pequena reserva de chão vermelho onde a garotada brincavam de rodas e de bolinha de gude, na hora do recreio.
Todos os dias os alunos cantavam o hino Nacional. Os uniformes tiveram uma mudança, bastava ser camiseta branca, saia azul marinho para as meninas e calça também, azul marinho para os meninos, que mais tarde os uniformes passaram ser “gratuito”. O material Escolar e a merenda também passou ser de responsabilidade dos governos.
Na roça o trabalho era ainda pesado, que melhor era ir à Escola. Catarina tinha sonho de sair daquela dependura de todos os dias, cantar o hino Nacional de estomago vazio; que cuja fome era sua aliada, fazendo presente em sua vida todos os dias.
Catarina guiava-se para a Escola por duas razões, uma era garantir-lhe, pelo menos uma melhor refeição por dia, a outra razão de aprender, e então continuar o sonho de ser letrada; mas ser letrada como?
Catarina não tinha ainda conseguido a Certidão de Nascimento. Não só ela, mas toda sua família e outros tantos mais. Sem este documento não havia mais como estudar.
Agora já na quinta serie Catarina com quatorze anos. No primeiro dia de aula; ela recebe um comunicado, que no qual a professora manda para seus pais:
_Comunico-lhes que a Catarina não poderá mais freqüentar as aulas como estudante; só como ouvinte. O que não lhe dará direito de passar por nem um tipo de avaliação; a não ser se, quando documentá-la, pois não será mais possível a matricula, com o Batistério, não insistam, pois será inútil.
Catarina leva o comunicado para seus pais que nada ajudou. O comunicado fez com que ela sentisse, como se estivesse apanhando com varas de marmelos deslizando por um braço forte, pois as surras que tomava de sua mãe eram muito doidas.
Agora dói mesmo é sua alma, que tristemente carregou a Bandeira do seu país no peito por tanto tempo, sendo que nem nome tinha. Não era Cidadã de lugar algum.
Um desses dias de teimosia em continuar estudando, mesmo como ouvinte, foi para a Escola e em conversa com uma de suas amigas e colega de sala de aula dizendo:
_ Teresa você sabia que, quem não tem a Certidão de Nascimento, é como se agente não existisse? Os governantes não sabem que eu existo! A Tereza tenta despreocupar, a, amiga e diz:
_ Ah, deixa de ser boba, porque que você quer que alguém saiba que você existe?_ Olha amiga, eu tenho o certidão de Nascimento e nunca vieram na minha casa! Catarina, ainda argumenta:
_Não é bem assim, é claro que eles não vão sair por ai procurando por ninguém, só para visitá-los, é só nas campanhas políticas, que nos achamos alguns deles, pois nesse período eles saem à caça de eleitores!
E assim a Catarina estava lá como diz um ditado: água mole em pedra dura tanto bate até que fura.
Então meus caros leitores, ainda bem que os dias atuais os políticos não são assim. Imaginem! De forma alguma, estão “todos trabalhando a, favor da Cidadania”. Só antigamente que era assim. Que somente nos anos político que os encontravam nas ruas, pegando na mão de todas as pessoas,
e as famosas tapinhas nas costas! Prometendo o que depois não se cumpria nada, aquilo era só para se promover politicamente. “Ah, mas hoje não acontece isso”! Catarina continua a sua opinião sobre o assunto:
_Olha, Tereza, você bem vê quando chega tempo de eleição como eles nos acham, nos promete um monte de coisas para promover a política suja deles; todos os anos eles prometem que vão documentar todas as pessoas, dano direito da Certidão de Nascimento gratuito para os menos favorecidos, pegam os dados de todas as pessoas interessadas, ou seja, dos indigentes, pois é o que somo, sem a nossa Certidão de Nascimento.
Catarina ainda muito magoada continua a falar sobre os direitos de Cidadania.
_ Meu, Deus quando será que esta gente vai olhar por nós?
Sua amiga, Tereza ouve atentamente o desabafo de Catarina, que continua falando:
_ Sabe Tereza, eu acho que eles pegam as papeladas com os dados, e jogam no primeiro rio que passam, ou queimam, sei lá, eu já não sei mais de nada, eu só sei que depois que passa a política nós não os encontramos, em lugares algum, não temos poder para chegar até eles. Por isso que as coisas estão do jeito que estão, mas eu de agora em diante vou lutar com unhas e dentes para me documentar.
Catarina, ainda acrescenta a amiga mais algumas palavras dizendo:
_ Eu não quero morrer sem ver o dia em que nem um documento seja pago, pois acho que é um direito nosso de ser Cidadão, seja pobre, rico, preto ou branco. Se todos nós começarmos lutar pelos nossos direitos, as coisas começam mudar, mas se continuamos aceitando ser burros de cargas que é assim que vamos ser tratados, de mal a pior.
A Tereza, já estava meio incomodada com as lamentações de Catarina, então diz:
_ Olha amiga não adianta, pois o meu pai sempre diz: a corda sempre rebenta onde é mais fraca!
Catarina, não desiste de sua fúria, dizendo:
_ É, mas, outro dia eu ouvi meu tio Francisco dizer para meu pai, que o boi só deixa colocar canga nele, porque não sabe a força que tem; olha que meu tio sabe o que diz, pois ele é formado em professor.
A Tereza e a Catarina faziam este longo diálogo, aproveitando que a professora havia saído da sala para a secretária, em busca de materiais para os alunos realizarem um trabalho em sala de aula. A professora surpreende as duas conversando e logo se dirige para Catarina, dizendo:
_ Eu já disse que não adianta você vir para a escola sem se matricular!
Catarina mais do que nunca sonha em tirar sua Certidão de Nascimento, para dar continuidade ao seu sonho de estudar. Ela tinha uma ânsia de se
tornar uma pessoas letrada, ler, escrever muitos versos, contos, poemas e nunca ser como aquela professora rabugenta. Diante do que estava acontecendo, passando por tanta vergonha, tristeza e humilhação, ela retorna suas forças e pensa:
_ No episódio do exame final, quando é aprovada para a segunda serie.
Ela era uma garota muito persistente, que na sua ingenuidade mesmo sem documento, sem ser considerada Cidadã, estava lá na Escola como ouvinte, cantando o hino Nacional todos os dias.
Certo dia na sala de aula após terem cantado o hino Nocional, como de rotina, entravam um a um, e se colocavam em pé nos seus respectivos lugares em posição de sentido. Não podia mudar-se de lugares. Aí de quem se atrevesse a trocar de lugar! Todos os dias tinham que se assentar no mesmo lugar, dês do primeiro dia de aula até o final do ano.
A professora ficava em pé na porta até entrar o ultimo; ficando alguns segundos parados em pé na frente dos alunos.
Eles permaneciam em pé, até a segunda ordem para se sentarem; todos se sentam do mesmo jeito, todos juntos, num instante só, chegando fazer um som de um coro.
Catarina percebe que a professora, de pele branca, cabelos branquinhos que parecia neve, de olhos azuis e que usava um guarda-pó de cor branca, com o desenho da Bandeira do Brasil em seu peito do lado esquerdo. Lá continuava em pé.
Nesse dia parecia que só havia a Catarina na sala; a professora de perto de seus quarenta e cinco anos, fitou os olhos azuis por baixo dos óculos de lente bem forte, então se dirigiu para a garota; que para o resto da turma parecia ir tudo bem estava todos em silencio, em ordem militar, não se ouvia nada, tudo era de um silencio total, que dava para ouvir até a respiração de quem estava mais próximo.
A professora intimada a leitura; e logo após foi distribuída tarefa para toda a sala, menos para Catarina, que logo se inicia uma conversa com a professora.
A professora diz:
_ Catarina, preciso falar com você! Diz isso com voz áspera, abrindo o falatório:
_ Sabe que não vai passar de ano, pois não esta matriculada e do jeito que são pobres; o seu pai não terá condições tão cedo para lhe documentar. Veja bem; hoje mesmo tem trabalho e você não vai fazer. Eu não posso te dar uma folha de exercício, não pode também realizar a leitura, vai poder só assistir, e bem quietinha.
Este quietinha sauí por entre os dentes da professora, que continua ainda falando:
_ Vai para casa ajudar sua família na roça, é o melhor que você faz; você é de (memória), muito lenta, vai perder o seu tempo aqui!
Naquele momento um ar de pobreza aumentou na vida de Catarina, que quis destruir o seu prestigio.
Catarina era uma criança raquítica, e raramente estava alegre, tinha muito medo da professora mão de ferro. A guria cabeça baixa, morta de vergonha e de tristeza, fica ali sentada sem jeito de sair.
Então os alunos começam uma copia do livro no papel almaço.
Catarina nunca havia visto um papel daquele, ela engole uma a uma as palavras que ouve.
Alguns minutos e a sua visão escureceram, trazendo-lhe, um sentimento confuso, vago, inquieto que lhe doía no mais profundo da alma. Ali em pé continua de cabeça baixa, morta de vergonha e muito triste. A sem nome, ali em uma ocupação sem nobreza, mas de grande espiritualidade.
Os alunos foram todos entregando os trabalhos, e ela permanecia ali no seu cantinho.