Primeira parte da Luta pela sua Cidadania; Atualizada
Dos primeiros dias de vidas até aos oito anos, Catarina estivera na Redondeza de Dois Visinhos Estado do Paraná, pertencia a uma comunidade chamada Linha dos Conrrados, em um assentamento.
E, em, Ibiracema Distrito de Catanduva também no Estado do Paraná deu inicio aos primeiros passos para a Escola. Estiveram lá dês dos seus oito anos até os quatorzes. Foi ali que ela teve a sua primeira relação com o aprendizado da leitura, começou quando era ainda uma sala multisseriada, Escola Municipal Frei Henrique Soares de Coimbra, e também foi ali que iniciou se a rabiscar poesias. Ela adorava folheares os textos litúrgicos que ganhava da sua catequista Dona Aurora, ela criava versos, mas isso muito bem escondido, pois não podia gastar folha de caderno e nem lápis à toa.
A primeira pessoa que pega em sua mão para dar os primeiros registros de coordenação motora foi á professora que cuja quer manter seu nome em segredo. Da qual não lhe deixou boas lembranças, todos os dias no final ou inicio de cada aula, ela lia uma historia para a sala toda, e no dia dos testes oral tinham que narrar uma das historias contada. Isto se resultava em muitos castigos. Catarina estudou com
esta professora até a quarta série, esta pratica de ensino adotado era a mesma em todos os anos.
Catarina, nunca gostou desta “mestra”, era uma verdadeira mão de ferro, educadora, muito má, não dispensava os castigos de joelho nas tampinhas de garrafas e caroços de milho, para quem não desse o resultado esperado para a “boa mestra”. Isso era recomendação dos pais, pois a Escola era a extensão das suas casas, onde os professores substituíam os pais no momento que estavam na escola.
Catarina quase não dormia na noite anterior dos testes, não da para esquecer, não tinha ajuda de ninguém para os testes. Nunca resultava em nem uma satisfação para a mestra; que em conseqüência da fome e do medo de errar fazia com que Catarina esquecesse tudo.
A falta de Cidadania era em maça. Famílias inteiras sem até mesmo a certidão de nascimento. No inicio da colonização das terras; o Vilarejo durante alguns anos prosperou em crescimento de população de dia a dia. Nesta época foi
construída primeiramente uma igreja. Nesta igreja além do culto religioso iniciou-se a alfabetização, sendo inicialmente uma sala multisseriada.
O Vilarejo encheu-se de gente; e os barracos foram inevitáveis. Aquele inchaço de vidas brutas enterradas era um resultado muito rui, pois vinha junto às epidemias de viroses como paralisia infantil, sarampo, catapora, varicela, coqueluche, hepatite e entre outras levando muitas crianças a óbitos.
As crianças pobres morriam porque comiam mal, não eram vacinadas, não tinham médicos, e de repente uma epidemia de meningite e da paralisia infantil, doenças que matavam e quando não deixavam fortes seqüelas.
Era preciso que os pais estivessem alerta para os sintomas; mas como? Não tinham informações, achavam que era só uma febre de gripe! O povo era sempre enganado, nunca tinham as informações que deviam.
A tardezinha na porta das vendas eram um vai e vem, parecendo formiga; o fiado comia solto, para pagar no final das safras. No que mais os comerciantes ganhavam era nas mercadorias que eram vendidas por peso; estas eles ganhavam no preço e no peso, pois havia uma balança para vender e outra comprar; eles pagavam os impostos para o governo; então estava tudo certo; não havia nada de errado em tirar de quem já tinha pouco.
Era muito cedo e o Vilarejo quase inteiro estava acordado.
O acordar daquela gente era o maior alvoroço, as mulheradas já corriam para o córrego para lavar as roupas que haviam deixado nos coradouros, no sereno. Diziam que a lua dava melhor brancura nas roupas.
Homens, mulheres e crianças se destacavam par a roça.
E agora no Vilarejo só se ouvia os choros abafado das crianças que ainda não tinham idade para a escola e nem para a roça.
Eram bem pequenas, pois idade para ir para a Escola demorava um pouco mais, do que a de ir para a roça. Bobo de quem perdia serviço de criança; criança trabalhava se divertindo.
Era cantar de galo, latido de cachorros, corocoxó das galinhas chamando os pintinhos, e uma cabrita, que não poupava sua garganta em berrar.
As crianças não se davam o trabalho de irem às privadas, despachavam suas necessidades fisiológicas no meio do mato logo atrás dos barracos, no meio dos pequenos jardins; ou quando não lá bem atrás dos pés de bananeiras.
Os porcos e os cachorros lhes seguiam para fazer a limpeza. Era uma disputa travada entre cachorros, porcos e galinhas. Na roça corria tudo em meio uma animação; era bom dia por todos os lados e uma briga travada com a terra; com todas as ferramentas primatas.
Aqui, ali, por toda a parte, encontravam-se trabalhadores, uns ao sol, outros de baixo das árvores enormes roçando de foice as arvorem menores dando lugar para os motosserras aos pés das maiores, fazendo uma grande clareira.
Do outro lado, mais adiante trabalhavam com as cunhas tirando as tabuinhas para cobrir as casinhas. E todo aquele ruído de ferramentas, e o batido do machado tirando lascas e o cantar dos que lá do outro lado ateavam o fogo das derrubadas seca do mês de agosto; a fumaça subia ao céu transformando no mês mais triste do ano, a zoada das labaredas ouvia-se de longe, que vinha acabando com tudo que estivesse ceco pela frente, como de um enorme exame de abelhas alarmadas; tudo dava a idéia de uma atividade feroz, de uma luta animalesca.
Aqueles trabalhadores; incluindo homens mulheres e crianças gotejando suor, embriagados de calor, desnorteados pela insolação, ao derrubarem, espicaçando, e queimando as vegetações.
Na década de 70 chegou de Dois Visinhos Estado do Paraná a família de Catarina; no dia 15 de agosto de 1972, em busca de melhorias.
Meses antes, ainda em Dois Visinhos; as coisas nunca andaram bem na vida da família; mas nos últimos anos era osso duro de roer; o seu Florisvaldo não parava mais em casa. Era só no baralho e a D. Ondina estava para morrer de desgosto. Ela e nem os filhos tinha sequer a Certidão de Nascimento. Cidadania zero.
Miguel de pele morena, magrinho de espinhaço de fora, cabelos pretos ondulados, olhos castanhos; neste dia havia esquecido uma foice no mato em uma destas brincadeiras de tirar pau para confeccionar seus próprios brinquedos.
Foi pelo esquecido da foice; ou não sei se foi realmente esse o motivo que o levou, ao espancamento pelo pai.
Miguel estava tratando dos porcos com milhos debulhados. Despejando o milho com uma lata. Isso de cocho em cocho, indo chiqueiro por chiqueiro. Estava ele já no ultimo repartimento. Quando foi surpreendido com uma mão forte que lhe pega no antebraço da mão que despejava o milho; esparramando-os todos fora do cocho. Os porcos comiam esfregando o focinho no chão empurrando uns aos outros; tentando tirar o maior aproveito dos grãos de milhos esparramados por todo o chão. Grunhindo uns para
lá e outros para cá. Um grande alvoroço de ruídos, roncos e mastigadas.
Florisvaldo sempre de mau humor quando chegava a casa, em todas as semanas. Ele arrastou o Miguel, enroscando sua camisa em uma estaca do chiqueiro, rasgando-a. O rasgo na camisa fez com que a sua cólera aumentasse. Meteu-se no mato muito
impaciente, enxotando o Miguel a pontapé e empurrão. Dando-lhe bordoadas por todo o corpo; era onde acertava.
As outras crianças correram para dentro de casa assustados, pensando na desgraça e não se cansavam de rezar a Deus:
_ Meu Deus não deixe o pai matar o Miguel.
Haviam visto a forma que o Florisvaldo arrastara-o, para o mato. Os modos do pai afligiam-nos, davam-lhes a suspeitarem de que o irmão corria perigo de morte.
Miguel era o irmão que ajudava a mãe curar as bicheiras das criações, desde um franguinho a uma vaca. Ia à bodega comprar querosene e outros mantimentos que não produzia no sitio. Ajudava a irmã mais velha cuidar dos mais novos. Não se diferenciavam de uma mãe de um pai. Sueli a irmã mais velha quisera sair atrás, mas Dona Ondina levou-a para dentro da casa, fechou a porta com a tramela pelo lado de fora os prendendo, e foi ela atrás dos dois. Ela também tinha o coração pesado, mas não aprovava aquele ato de Florisvaldo.
Pobre do Miguel!
Ela de longe escutou o barulho do laço dobrado que caia no lombo franzino do guri, os vergões levantavam na pele fina sobre os ossos secos. E como dona Ondina havia avistado a tragédia, deixou escapar as pragas:
_ Demônio, Diabo, Insuportável, desgraçado... Na luta que travou para tomar o filho das mãos do Florisvaldo; enraivou-se profundamente. Atirando um pedaço de pau no crânio do atentado.
Rapidamente a cólera toma conta daquelas vidas; Florisvaldo passando a mão na cabeça gaguejou uns nomes feios:
_ Desgraçada, infame, amaldiçoada... Ele não compreendia que estava sendo severo no extremo; despejando todas as suas frustrações no filho. Parecia que aquela execução era naquele momento indispensável.
Neste momento o Florisvaldo andava no meio do pasto, as pancadas no Miguel. D. Ondina tentou agarrá-lo. Como isso era impossível, levantou os braços, abraço-o, e, sem largar o filho
conseguiu evitar mais uma pancada nele; que acertara nela, bem no meio das costas. Florisvaldo se estaqueou em frente das figuras abraçadas, percorreu-os, com um olhar de quem perseguia uns animais feros:
_ Demônios...
Em seguida entrou em casa, atravessou o corredor e chegou ao quarto pegou o chapéu, uma carteira de cigarros e saiu a passos largos; em destina da Cidade.
As pancadas inutilizaram o corpo do Miguel, que gritava desesperado. D. Ondina pegou-se, à Virgem Maria. As outras crianças rezavam em voz alta em volta da cama, e choravam. Enquanto D. Ondina cuidava dos ferimentos dele. Catarina chorava muito alto, que ia sendo acalentada por Sueli.
Florisvaldo desapareceu no caminho, já quase escurecendo meio desorientado, sem destino. O Miguel desfaleceu nos ais; que foram diminuindo, tornando-os imperceptíveis.
Ele volta do desmaio meio fora de si; olhou a sua volta, muito aflito e agitado, dava para ver o coração batendo na garanta; quase saindo à boca.
_ O que estava acontecendo?
Não lembrava como havia chegado até ali. Um nevoeiro engrossou-lhe a visão. Sentiu frio, e as dores foram sumindo; parecia que a vida ia se distanciando. Esticou-se, aspirou o ar, respirando lentamente, como se estivesse indo embora deste mundo; cerrou as pálpebras e os dentes.
D. Ondina julgou que ele estivesse morrendo, correu pegar uma lamparina acesa para colocar em sua mão.
Catarina não chorou mai. Somente tremia muito, espiando aquela sena por baixo das pestanas; como quem que não queria ver aquilo; mas tentando ver menos. Ficou assim algum tempo; e depois se ajoelhou, e pegou-se a rezar. Abriu os olhos a custo. Agora havia outro resultado; o irmão havia retornado suas poucas forças.
A água de sal com mastruz que a mãe havia-lhe banhado, contribuiu para a evolução do desmaio. Os machucados estavam por vários lugares do corpo; as costelas todas esfoladas, onde manchas vermelhas em carne vivam sangravam. As chagas do rosto
e a da boca causaram grandes inchaços que deformou a sua fisionomia.
Uma angustia apertou o pequeno coração de Catarina. Lembrou-se das grandes desavenças entre o pai e a mãe; mas o pai nunca
havia espancado nem um dos filhos. Levavam boas surras de varas de marmelos, mas nunca daquele jeito.
Começou arquejar pensamentos:
_ Será que o pai foi mordido por algum cachorro louco?
Olhou-se de novo para o irmão:
_ O que, que estava acontecendo? Será que o pai ia morrer em uma beira de estrada babando como um cachorro louco?
Neste momento o Florisvaldo entrou cabeça baixa, chegou aos pés da cama do desfalecido; aquela sena acertou seu coração, cravejando uma dor horrivelmente na sua vida em remorsos. Mas ele não podia voltar atrás do que havia feito, não podia demonstrar que havia errado; com isso ele perderia sua autoridade e respeito em casa como chefe da família.
Ele sai novamente desesperado. Não se sabe como ele conseguiu encilhar um cavalo no escuro com tamanha habilidade. Saiu em disparada sem dizer uma só palavra. Aos poucos os barulhos dos cascos do cavalo foram ficando distantes, até que não deu para ouvir mais.
Uma destas noites de inverno do Sudoeste do Paraná; cercava aquelas vidas. A noite era fria. No silencio da madrugada, o Miguel respirava de pressa, a boca aberta, com uma febre alta, com a tremura o fôlego subia, deixando a barriga vim bater no peito. O corpo todo arrepiando. Dona Ondina não cessava de colocar emplasto de erva santa Maria e mastruz, no peito e na cabecinha fadigada dele. D. Ondina não havia deixado o fogo apagar-se. D. Ondina na beira da trempe mexia o fogo, e pensava:
_ Existe sem duvida uma força maligna, mas essas forças podem ser vencidas pelas defumações de espada de são Jorge, guiné e arruda. Essas ervam são milagrosas.
Nem sempre as relações entre a família haviam sido amáveis, mas agora passou dos limites. Catarina queria dormir e acordar feliz num mundo onde todas as famílias fossem todos domingos para a missa, se abraçando todos os dias. Pensava em uma vida cheia de felicidade.
Florisvaldo foi até a saída do sitio para a estrada grande, parou amarrou o cavalo em uma arvore, tomou um fôlego sentou ao pé da mesma e encostou a cabeça no tronco. Colocou-se a pensar:
_ Não devia tratar a família daquele jeito. Dirigiu-se até a beira do rio, o luar estava lindo; o céu todo estrelado.
Estava em uma boa distancia do rio, ouviu gritos por pedidos de socorros. Com certeza havia alguém em apuro. Não se demorou em chegar ao encontro do bêbado que havia errado o caminho da travessia do rio, e estava agarrado a uns galhos, com todo o corpo mergulhado na água, com somente a cabeça e os braços de fora.
Florisvaldo que havia a poucas horas, perdido as estribeiras, levando uma situação boba as brecas, quase matando seu filho, estava ali salvando um estranho.
Florisvaldo baixou-se, entrou no meio do mato, chegou à barranca do rio, segurou com uma mão a uma árvore da encosta da barranca, colocou um pé em um toco de uma pequena árvore, dando uma abertura nas pernas; se envergou até alcançar um dos braços encarangado do homem, que não agüentaria por muito tempo. Puxou-o para fora, como se tivesse recebido uma força do além.
Recordou-se do que lhe sucedera horas antes da noite. Num momento animalesco atacou a sua própria cria por nada. Um erro de nada, quem é que nunca esqueceu nada em algum lugar atire a primeira pedra. Quase o matara, sem o direito de se explicar. Mas aquele ato de salvamento o fez acordar e voltar velozmente para casa.
Pensa um pouco no que havia feito:
_ Ele era mesmo um bruto. Ele se aborrecia com ele mesmo, insultando-o, e corria cada vez mais rápido, queria chegar a casa logo.
Já em casa no quarto via o filho dormindo, todo em larva,o rosto e boca inchados. Agora se acontecer o pior ao filho não se perdoaria nunca. Olhou bem de perto clareando com a lamparina que estava pendurada em um suporte na parede do quarto, na cabeceira da cama. D. Ondina estava sentada a beira da cama, de olhos inchados de chorar.
D. Ondina limpou as lagrimas com a manga do casaco de flanelinha de cor encardida, meteu as duas mãos no rosto, não querendo ver o marido nem por um minuto. Labaredas de ódio lamberam a sua alma, as chamas do rancor, incendiaram todo o seu ser. Ao incendiarem veio a vontade de matá-lo.
D. Ondina aprumou-se, ergueram-se, sobre as suas pernas finas, uns verdadeiros cambitos; só tinha barriga, onde guardava o próximo filho. A gravidez se aproximava do sexto mês. Ela embalou-se para a beira do fogo; lá na cozinha de chão.
Sentindo aquela desconsolação da vida, Florisvaldo retirou-se prudentemente, receoso de que, se eles continuassem morando ali, dias e menos dias ia acontecer uma desgraça, e foi tentar falar com ela.
Chegou-se a ela em voz baixa, ofegante, diz:
_ Tie, vou vender a terra, e vamos embora para outro lugar; tu vês que aqui pareces que tens um mal na nossa vida!
D. Ondina não quis saber de nada e lhe espanta:
_ Chispa daqui! Tu és um Diabo em carne em osso, só pensas nas tuas putas! Vai embora Tu! Eu e as crianças vamos ficar aqui solitos; não precisamos de ti!
Florisvaldo deu um pontapé na chaleira de água sobre a trempe de pedras; virando toda a água fervendo sobre o fogo. D. Ondina já esperava por isso, mas mesmo assim assustou-se.
Florisvaldo começou arrumar uma velha mala; e D. Ondina começou a andar de um lado para outro.
_ Uma mulher separada era é coisa muito feia, não valia o que o gato esconde; pensa ela. _ Não quero nem pensar na língua do povo; só que ninguém sabe que quando ele chega a casa; mesmo achando tudo em ordem, queixa-se de tudo. E agora se vingou no guri; sabe-se lá do que?
Ela avizinha-se dele, viu as crianças dormindo, e não encontrou coragem de continuar com pensamento de separação. Deus que a livrasse de criá-los sem pai! O que, que os vizinhos iam falar? Pensou novamente no triste episódio, e mentalmente praguejou o Florisvaldo. Ela vivia quase o tempo todo sozinha, mas era melhor um dia do que nunca, era ruim com ele, mas pior sem ele.
A vida inteira vivia assim. Florisvaldo saiu sem falar nada com ela. Quando ele ia descendo o ultimo degrau da escada da cozinha alta, ela se aproxima e resmunga alguma coisa que não deu para entender nada.
Ele se volta para trás.
D. Ondina não quer perder a oportunidade de pedir que ele fique. Que ele não os deixe. Acontece um milagre. Florisvaldo sentou na escada e começou a conversar civilizadamente.
_ Eu nunca vou abandonar, nem tu, nem as crianças.
Ele tira uma carteira de cigarros da algibeira, e se coloca a procurar algo a mais nos bolsos. D. Ondina se adianta:
_ Tu procuras o que?
_ O avio! Não sei onde larguei! Mas, vou acender lá no borralho.
Este motivo levou-os, lá envoltos do fogo novamente; que continuam a conversarem:
_ Tie, eu vou procurar comprador para o sitio, e vamos embora daqui. Diz ele acendendo o cigarro.
_ É bom mesmo! Quem sabe em outro lugar vamos poder possuir mobílias, roupas e calçados, e até tirar a Certidão de Nascimento das crianças!
Além disso, ela disse ainda que eles trajavam-se, muito mal; ela e as crianças andavam quase nuns, e recolhiam-se, todas as noites em meio aos trapos, passando muito frio.
D. Ondina se azeda, reclamando que viviam assim por causa do dinheiro gasto por ele com as putas e com jogo.
Florisvaldo ficou ressentido com aquilo; que ele ouvia a vida inteira. Mas poupou a cólera, se equilibrou apesar de estar muito ofendido, e se não fosse a cagada que ele já havia feito neste dia, teria lhe soqueado a cara. Como ele se conteve; não lhe respondendo mal; ela curtiu o dissabor, e vem de novo o pensamento do espancamento do filho; que era a gota d’água. Estremeceu lembrando-se do episódio do espancamento do Miguel, o rosto moreno desbotaram, os olhos pretos estatelaram-se; mas diligenciou em afastar a recordação. Rezou baixinho uma Salve Rainha, ficando já mais tranqüila, com a atenção desviada para o fogo, empurrando os tições de nós de pinhos, com um pedaço de sarrafo.
Aquelas mãos grossas de calos, encheu a cuia de chimarrão entregando-a, para Florisvaldo. A cuia logo volta para suas mãos de palmas grosas, calejada pelo trabalho grosseiro da roça.
_ É capaz de Florisvaldo se esquecer deles quando chegar à cidade. Pensa ela.
Ela agachou-se novamente e atiçou o fogo, apanhou a cuia e encheu-a de água, colocou-se a chupar a bomba de metal. Encheu a boca de água e cuspiu ao lado, quase aos seus pés. Preparou outra cuia para Florisvaldo. E por uma simpatia, relacionou o ato do cuspo da água na cinza quente com a lembrança de Florisvaldo abandoná-los. Se a água fizesse um buraquinho fundo desaparecendo rápido. O Florisvaldo voltaria rápido, não os
abandonando. Ao retornar a cuia para suas mãos; ela encheu a boca de água novamente inclinou a cabeça para baixo e derramou-a, próximo dos pés em meio à cinza quente, e conseguiu o resultado que esperava. Fez várias vezes e o resultado foi o mesmo. Estava tudo certo; a simpatia estava valendo. Aproximou-se da porta que leva até a cozinha alta, onde um balde de água se erguia em uma mesa de pernas fixa ao chão, bebeu uma caneca de água; água cristalina, uma fonte de meio as rochas, geladinha pela baixa temperatura do forte inverno de mês de julho.
Florisvaldo foi dormir, para viajar logo ao amanhecer. D. Ondina tem dois pensamentos, que lhe trás duvidas; neutralizando-a. Que é a terra e os animais. Olhou para o chão, deram de cara com os pés magros, chatos e esparramados, os dedos bem afastados uns dos outros. Continua nos dois pensamentos:
_ Os animais iam ser todos vendidos, e a terra também.
Neste pensamento foi se deitar. Martelava na sua idéia o risco de ficar sem nada. Não confiava na administração do marido.
Já deitada, passou a mão na coberta para se cobrir; puxou-a para tampar a cabeça; enfiou um buraco na cabeça que desce com facilidade até o pescoço; quase se enfocando, ao se encher de cólera, tentando libertar-se, o pescoço do rasgo. Colocou o buraco para os pés, virando a coberta com as mãos. Em seguida cobriu a cabeça; encolhendo-se para não dar direto com os pés no mesmo ou em outro buraco da coberta fina; nem parecia agasalho de gente.
Encostou-se bem na pequena; a filha menor de cinco anos de idade, abraçando-lhe, protegendo-a do frio. Os pensamentos borbulhavam em sua idéia: vinha agora o tratamento que tinha como mulher; cujo nem um tipo de animal vivente merecia. Só tinha medo de ficar “desamparada” por completa. Nem ela e nem as crianças tinha o mínimo de cidadania; não tinham nem menos a Certidão de Nascimento. Eram como bichos brutos.
Coitado do Miguel. D. Ondina nem queria lembrar daquilo. Queria esquecer aquele episódio, para que pudesse dormir pelo menos umas duas horas. Os maus tratos que sofria não eram tanto; mas o de Florisvaldo espancar o filho; abriu-lhe uma ferida ainda maior. Quem beija a boca dos meus filhos adoça a minha; pensa-a. E a cólera reapareceu, lembrando do momento em que conseguiu
livrar o filho das garras do marido; foge completamente o sono. O seu ser é tomado de amarga angustia. Morta interiormente. Lembrando como carregava o filho para dentro de casa; ia arrastando-o, pouco a pouco; até chegar a filha mais velha; ajudando levá-lo para a cama. Florisvaldo era muito iracundo e ignorante.
Florisvaldo fora despertar-se às cinco horas da manhã; D. Ondina havia passado a noite em claro; não pregara o olho à noite todo. O fogo estava ali como se tivesse passado a noite toda clareando a cozinha. Florisvaldo suspirou; e pensou:
_ Deus não havia mais de permitir outra desgraça daquela! Balançando a cabeça em desaprovação daquela ação. Tomou uma cuia de chimarrão, e, encaminhou-se para a cidade, e D. Ondina foi jogar água nas plantas para derreter o gelo antes do sol sair; evitando que o sapecasse-as.
Florisvaldo quase não parava em casa, mas D. Ondina não suportava a idéia de ser uma mulher separada; viver sem ele; ela não saberia. Outra vez D. Ondina pôs-se a pensar no que o marido
havia dito. O de que nunca lhe abandonaria; isso troce lhe mais paz ao coração da camponesa. Tudo ali naquele momento parecia seguro. Aquela confissão troce-lhe uma sensação de firmeza, ia então passar a vida inteira ao lado dele.
As crianças foram levantando, uma a uma; a panela de bata doce estava lá os esperando. Só a vaca laranjinha estava dando leite. A vaquinha mesmo tendo passada a noite toda com o bezerro; deu dois litros de leite.
As crianças estavam todas em volta do borralho, cada uma com um prato esmaltado de cor verde; farto de batata doce com leite; menos o Miguel que a mãe trata-o na cama.
Enquanto a mãe tratava-o; Catarina foi enrolar-se do lado dele. D. Ondina voltou para junto do borralho, atiçou o fogo embaixo do caldeirão de ferro, que cozinhava o feijão preto. A água do feijão já estava quase seca; quando ela renova-a, mexendo-o com uma velha espumadeira de alumínio. Em seguida tirou alguns caroços, amassou nos dedos para ver se estava cosido; os grãos estavam bem macios, viraram uma massa. Era hora de temperar-lo. Chegou-se a uma velha crista – leira, onde guardava os gêneros alimentícios. Abriu uma das portas pegou o sal, a gordura suína e o alho, tirou uma meia concha de gordura, arredou o caldeirão; colocou uma panela pequena no lugar, derramou a gordura, afogou
o alho na banha, pegou um punhado de sal, jogou-o na panela e, em seguida jogou o alho dourado na banha, dentro do caldeirão de feijão, que volta para o fogo. Remexeu-o, com a concha de alumínio. Em seguida provou o caldo. Estava muito bom ao seu gosto.
Agora tinha que matar um frango para fazer uma canja para o Miguel. Foi só ela apontar para o cachorro Cóti, qual era; que em pouco tempo vem com ele se batendo na sua boca.
D. Ondina pegou-o, tirando da boca do cachorro que saltava em alegria; batendo o rabo para lá e para cá; muito ansioso, mas atento a cada movimento, vigiando, aguardando a parte que lhe ia tocar; que com certeza seria os ossos, a pele dos pés, as tripas e mais nada.
D. Ondina pegou uma chaleira com água fervendo, agachou se próximo de uma gamela; colocou-o, dentro e foi despejando a água fervendo rapidamente sobre as penas que iam se juntando encolhendo todo o coro do bicho.
Minutos depois o frango em pedaços ia sendo remexidos, chiando na caçarola de ferro.
O sol esquentava lá fora, os nevoeiros do inverno de mês de julho iam esmorecendo, levados pelo vento. Num instante o sol brilhava um brilho incandesceste.
La dentro uma mesa farta é arrumada. O frango cheirava de longe, o arroz pilado no pilão, grudado um caroço no outro; parecendo uma polenta de farinha de milho branco, o feijão preto de caldo grosso, batata doce e mandioca a revi - ria.
Os talheres tiniam nos pratos das crianças que rasgavam o frango nos dentes, era uma colherada de comida atrás da outra.
O Miguel esta a mesa, mas come com dificuldade. A boca esta ainda inchada. A D. Ondina retalha a carne para ele. Depois da refeição a cor do rosto volta mais um pouco. Ele não demorou nada para voltar para a cama.
Ele tira ainda mais dois dias de cama; a surra foi mesmo uma brutalidade.
O Cóti agitava o rabo, ouvindo o reboliço dos pratos e tampas de panelas. E como não podia participar daquilo, esperava ir cair lá fora os ossos que voavam pela janela e pela porta. Ficava de olho para os dois lugares; sabia que de um lado ou de outro cada instante surgia um osso.