LEMBRANÇAS DA ROÇA

Longínquos anos da década de 60…

Ainda não se tinha a consciência e a preocupação com controle ambiental, era muito comum as roçadas, as derrubadas das matas por àquelas bandas, para fazer as roças onde seriam plantadas as lavouras de subsistência ou mesmo as pastagens, para dar o sustento às criações.

Seu Zezé, era um desses lavradores, tinha uma pequena propriedade e trabalha com afinco para sobreviver, como era comum, em todo derredor daquele lugar. Homem honesto, de um caráter inabalável, sem muita instrução escolar, aliás, nunca freqüentou um banco de escola, mas tinha um discernimento apurado das coisas da vida, das coisas de Deus. E como não poderia ser diferente, procurava educar os seus três filhos com rigor.

As dificuldades para sobreviver eram muitas, o único meio de transporte regular que se tinha, era o “trem de ferro” cargueiro-passageiro, que cortava todos os dias àquele sertão mineiro, que embora tivesse seus horários estabelecidos, raramente conseguia cumpri-los devido aos atrasos. Mas mesmo assim, era o responsável por levar àquela população ruralista as condições de se locomoverem para as cidades ou lugarejos mais distantes.

Naquele ano, seu Zezé resolveu fazer um roça maior que de costume, com isso, tinha sempre bastante “camaradas – trabalhadores braçais, como eram chamados - ” à ajudá-lo na referida tarefa.

Tom era o caçula dos filhos, desde de muito cedo já demonstrava orgulho de querer seguir os passos do pai, era muito comum encontrá-lo querendo imitá-lo. Aos 5 anos já aprendera a ordenar as vacas e apesar da pouca idade, já o fazia com maestria.

Naquela época, como era de costume, os filhos tinham sua parcela de responsabilidade e obrigação para com os afazeres das propriedades, e assim também era com Tom.

Apesar de ser o mais novo dos irmãos – os outros dois eram um irmão e uma irmã, com diferença de idade de 7 e 2 anos, respectivamente - tinha a disposição de levantar sempre cedinho com a alvorada dos passo-pretos, acendia o fogo do fogão à lenha, deixava a chaleira no fogo para aquecer a água para sua mãe fazer o café e lá se ia para ajudar na ordena das vacas, que não eram muitas, mas tomava boa parte da manhã.

Logo que chegava em casa, o sol já adentrando para o meio do céu, se ocupava em arrumar os vasilhames da lida do leite, pois não tardaria à chegada da hora de levar o almoço para os camaradas, já que esses pegavam no batente bem cedo, muito das vezes ainda com o escurinho da madrugada, por isso ali pelas 9 horas da manhã a comida já estava pronta.

Tom então, pegava uma rodilha e agasalhava sobre seu chapéu de couro e sobre ela, sua mãe colocava uma gamela de madeira com a comida para os camaradas. Sobre os ombros, pendurava um embornal, com alguns litros de café, juntamente com um pouco de farinha com rapadura ou mandioca cozida em pedaços ou ainda, pedaços de queijo, para servirem de merenda no meio da tarde. De posse dessa tralha, rumava em direção onde estavam os camaradas.

Eram assim, a maioria dos dias da vida do Tom naquela época, de segunda à sábado, o ritual era o mesmo.

Após ter preparado o terreno da roça grande, vieram as primeiras chuvas e chegou a hora de começar o plantio.

Seu Zezé disse pra o Tom levar o milho para o plantio, que estava num pequeno saco de pano.

O Tom nos seus ainda, quase sete anos de idade, chamou o Zé, filho de um agregado, para ajudá-lo a levar, já que o saco era um pouco pesado. Acharam melhor, colocar o saco sobre um pedaço de madeira roliça e levá-lo de dois, sobre os ombros. Certa altura do caminho o saco caiu em cima de um pequeno toco e acabou por rasgar em pequeno orifício, o que acabou por derramar uma porção de milho no meio da areia.

Eles tentaram catar o milho, mas era muito difícil no meio daquela areia, Tom ficou com medo de dizer para o pai do ocorrido, pois ele era muito bravo, então, com as mãos, foram jogando a areia com o milho, dentro de alguns galhos secos que haviam do lado.

Ao retornar do trabalho no final da tarde, seu pai viu àquele batedor...resolveu averiguar e não demorou muito a descobrir a “arte” dos meninos.

Ao chegar em casa não disse nada ao Tom, apenas depois do jantar lhe disse: amanhã quando você for levar o almoço, leva também um embornal vazio. O Tom nem de longe imaginava para quê e muito menos, não se atreveu a perguntar.

No outro dia, Tom chegou na roça com a tralha de comida e o tal embornal vazio. Assim que ele acabou de almoçar – pois levava seu almoço para comer lá, para não atrasar – seu pai ainda com o prato não, pegou e embornal e disse:

ta vendo esse embornal aqui?? e sacudindo-o com uma das mãos, continuou...você vai lá na estrada e pegar àquele milho que vocês jogaram dentro dos “garranchos” e “digêro” – era dessa maneira que ele expressara a palavra ligeiro, quando estava com raiva.

O Tom saiu em disparada...pois tinha muito medo de apanhar do pai, sabia que se ele fosse bater, seria com algo tipo “ com a ponta de cabresto dos animais”.

Enquanto ia catando o milho por entre os galhos, ia também rezando para não nascerem os que ficassem, pois seria bem provável que seu pai viesse a querer aplicar um corretivo.

Antes de terminar, logo veio o seu irmão trazendo um recado do pai, que ele estava demorando muito...Ele então, saiu em disparada novamente, mesmo sob àquele calor infernal do mês de outubro. Assim que entregou ao pai, esse foi logo dizendo: isso é para você aprender a não fazer outra dessa.

Só que seu pai não conseguiu compreender que ele fez isso por medo de apanhar e nunca por vadiação.

E mais para o final da vida, demonstrou que por detrás daquela dureza toda, existia um coração grandioso, e porque não dizer, um coração “mole”.

Mas tudo isso, foi muito importante na formação do caráter do menino Tom e faz ele lembrar com imensa saudade do seu querido pai.

Menino Sonhador
Enviado por Menino Sonhador em 11/09/2011
Reeditado em 13/09/2011
Código do texto: T3213598
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.