SER INDIO

Sou índio e tenho orgulho de sê-lo. Nasci nas barrancas do Rio Negro no estado do Amazonas, filho de pai seringueiro e mãe índia, falante de língua da família tupi. Estou estudando na Universidade de Brasília onde entrei como índiodescendente, porém sem as cotas para indígenas que acreditei serem desnecessárias a julgar pelo meu próprio conhecimento e pelo meu acesso às escolas públicas do meu estado. De qualquer forma, fiquei também com receio das cotas possibilitarem o incremento do preconceito entre mim, que sou minoria e os meus colegas brancos.

Um professor da faculdade, afrodescendente, me falou que igualdade social não se consegue por decretos, e sim, por ações. Segundo ele, deve-se procurar qualidade na educação como acontecia até a década de 50 e início da década de 60, época em que ele estudou, quando a educação era pública, de excelente qualidade e para todos.

Nos primeiros dias de aula na Universidade eu era observado como um ser estranho pelos meus colegas porque não havia índios na minha turma e também porque eu me mostrava demasiadamente desconfiado, pois sabia que havia muito preconceito na cidade grande, mas, felizmente fui logo aceito pelos meus colegas principalmente pelo meu conhecimento e pelas minhas excelentes notas.

Na minha terra natal, em minha casa prepondera o costume indígena dos meus avós. Embora meu pai seja um caboclo, a cultura indígena se mostra mais forte e prepondera, apesar de que, ao chegar na cidade eu acreditava que aqueles conceitos indígenas fossem antigos, ultrapassados e até ignorantes. Inclusive passei a desconfiar da força da religião milenar que me foi passada pelos meus avós e pelos “paîés” da aldeia de minha mãe.

A despeito do pensamento dos povos conhecidos como ocidentais, os nossos parentes cultivam as experiências milenares dos mais idosos que por sua vez armazenam todos os conhecimentos obtidos em vida para compartilhá-los e difundi-los. Isso é que faz a cultura do nosso povo.

Agora eu vejo e tenho certeza dos conhecimentos que me foram passados pelos meus parentes mais idosos e tenho muito orgulho dela. Sinto-me confortável quando, ao ter qualquer problema físico ou espiritual, entro em contato com a minha mãe e ela prontamente me receita um remédio indígena que me deixa são e confiante na minha cultura.

Dessa forma, tanto quanto os meus parentes, acredito no poder de Monã (Deus), e respeito todas as entidades físicas da natureza (Rudá, Tupã, Îurupari) e todas as outras que fazem parte da nossa cultura milenar.