Tiro ao alvo
Ele sabia que ela podia magoá-lo, sentia na pele sua fúria quando ficava zangada. Mas sabia também que podia vingar-se. Sim, era mesmo isso que desejava sempre que ela o punha de castigo, ou quando lhe apertava os braços, dava beliscões e lhe enchia de sopapos. Como quando ela ordenou que não atravessasse a rua, ela estava mandando: “Mandando ouviu?”. Ele, no impulso de ser contrário à ordem dela, atravessara e, aos gritos, o coração dando aquele pulo – perdê-lo era fácil -, ela correu e o agarrou pela goela: Menino do cão! Era sempre assim: ela precisando castigá-lo.
Desta vez, porém, ela passara dos limites. Além de gritar, xingar e colocá-lo de castigo, ela o humilhara. Colocá-lo de cara contra a parede era fazê-lo perder qualquer indício de masculinidade, um dia seria um homem e jamais esqueceria disso. Nem de longe um amor edipiano. A odiava em certos momentos. Detestava aquela prepotência dela, aquele jeito de mãe, mulher e adulta, aquelas mãos redondas circunscrevendo suas possibilidades, seu espaço, seu direito de agir: “Coma tudo, mocinho”. E quando ele quisesse ir embora, ela deixaria? Um dia sumiria de propósito só para atormentá-la. Claro. Tinha este trunfo vil e que não prescindiria usar contra ela.
Naquela tarde, os braços avermelhados, resultado de sua anarquia infantil, as lágrimas escorrendo quentes como só escorrem dos olhos de quem sente ódio, ele jurou: “Ainda me vingo dela”. Lembrando-se então de seu trunfo, escondeu-se no canto mais obscuro da casa, no local onde ela jamais o procuraria, sequer lembraria. Ficou lá por horas. A noite caía quando ela, mãe, mulher e adulta, o procurou. Era hora da janta, a sopa dele iria esfriar: Moleque maldito! Perscrutou por toda a casa, quartos, cozinha, jardim, quintal. Nada do filho. Perguntava a si mesma: “Onde diabos ele se meteu?” – ainda pouco preocupada. Ela buscou na vizinhança, ligou para alguns meninotes da escola, o filho podia ter ido brincar. Sentindo o peito apertar, como uma galinha ao olhar em redor e não ver seus pintinhos, a mulher desesperou-se. Como não tinha asas, encolheu os braços e sentou na cadeira da cozinha. Chorava alto, chamava por seu filhinho. O menino, mais camuflado que uma coruja num buraco, ouviu o choro da mãe. Seu coração que antes era rígido, comprazeu-se com a dor da mãe. Ele cedeu. Apareceu, feito mágica, diante da mulher, que estava pálida de medo – coração de mãe é tão frágil, constatou o menino ao vê-la tão supcetível, exposta como um pássaro ao tiro. Ele a abraçou e, dando-lhe beijinhos na testa, jurou jamais fazer aquilo outra vez.
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