Estações
Resolvi escrever e te contar tudo o que sinto. Pensei em telefonar, mas minha voz não sairia. Isso porque a última frase que te disse foi “não te quero mais aqui”. Eu preciso desabafar, superar a represa que mantém as palavras presas. Penso: – Vamos lá... é preciso fazer isso. Sento em frente à janela. Com um suspiro, minha mão desenha as primeiras letras, contornando feridas vivas. A janela do quarto emoldura o céu púrpura que tantas vezes nossos olhos viram escurecer, quando não havia hora marcada para amar. Um tempo de primavera, repleto de cores, de sons, de vida. Rosas me despertavam de sonhos bons onde teu abraço era meu abrigo. Ao abrir os olhos, teu sorriso. Não demorou para a chegada do longo verão. Juntos, dançamos ao som do mar. O sol brilhava com força. E quando a chuva surgia, era apenas para acompanhar momentos de entrega. O calor intenso parecia não ter mais fim. Porém, sem que percebêssemos, o outono ganhava forma ao longe. Parecia aguardar o momento exato para tomar seu espaço. E esse momento veio com a traição.
Quando percebi o que havia ocorrido, não pude mais ser o mesmo contigo. Cheguei a te odiar por um momento, pois para ti estava tudo bem. E antes que fechássemos as janelas, o vento outonal invadiu nosso recanto. Sobre mim, as folhas amarelas caíam como dardos letais. Ainda havia calor à luz do dia, mas as noites tornaram-se cada vez mais frias e escuras. Chovia quase todos os dias. E a chuva já machucava. Foi em meio a uma dessas tempestades que eu disse que não te queria mais. Não seria justo manter um amor tão intenso em meio à névoa da traição. Aqui, teu coração já sentia frio.
Não sei onde erramos. Não sei como não percebi que isso aconteceria. Acho que poderíamos ter evitado. O fato é que nunca nos conhecemos por completo. Prova disso é o casulo que esconde meu verdadeiro ser, que agora desnudo diante de ti.
Quando a porta bateu e na sala apenas meus soluços ganharam espaço, chegou o inverno. Um inverno que já dura um ano. A estação que me corrói por dentro. Que salienta a tua ausência. Que me faz perceber que errei, também, ao te mandar embora.
Pego o papel. Leio. Releio. Amasso e jogo no lixo. Está tudo contado.