Desesperançado

Cheguei, em casa, bati a porta trancando-a, fui direto a cozinha, abri a geladeira, fiquei ali parado por ou menos uns dois minutos, não procurava nada; eu tinha essa velha mania de chegar abrir a geladeira e pensar... Todo doido tem sua mania e a minha era aquela – me pergunto ás vezes, se alguém mais no mundo tinha aquela mesma mania e eu creio que sim; tem doido pra tudo. Então fechei a geladeira, e virei de costas, seguidamente virei de novo de frente pra ela, abrindo-a mais uma vez.

Peguei uma latinha de cerveja que estava na porta logo próxima a mim – fazia dias que estava ali, á espera que alguém a bebesse e hoje eu a escolhi.

Fui direto para a única poltrona no meio da sala estreita e silenciosa sala, esparramei em cima dela, jogando todo o meu corpo – estava fadigado, passara o dia naquele mesmo trabalho; medíocre que eu tinha; a mesmice de sempre, os mesmos rostos de todos os dias, o mesmo velho e rabujento patrão. Que só sabia reclamar de tudo e todos – homem mal humorado, carrancudo, mal casado. Eu estava quase dessa forma com uma única diferença; eu não estou casado.

Peguei o controle da TV que estava próximo a mim no chão – tudo ali estava “meio” bagunçado, eu não tinha mais animo pra nada o trabalho, a vida medíocre, ocupada todo meu tempo. Liguei a TV – tomava goles grandes. Pelo menos a cerveja estava no ponto.

– Ah... Sorri. – troquei de canal uma dúzia de vezes, não contei quantas mais foi em torno disso. Nada me chamava atenção, eu estava me estressando. Continuava a trocar de canal.

Parei em um desses canais de leilões. – joguei os braços pro alto com raiva, fazendo derramar cerveja sobre mim. – droga! – gritei.

– Nada na TV, porra. E ainda derramei essa droga de bebida sobre mim, já não bastava nenhum canal me satisfazer.

Joguei a lata para bem longe de mim. Bateu na parede, caindo no chão, derramando o resto do liquido que ainda continha dentro. Eu ignorei tudo aquilo, logo secaria mesmo e amanhã a diarista limparia. Eu estava literalmente aborrecido, joguei o controle no chão. Fui á cozinha novamente, abri a geladeira, peguei outra lata e voltei para a sala. Meus pés mal saiam do chão, não tinha ânimo nem para andar, eu estava um lixo.

Sentei na poltrona outra vez, abri a latinha e tomei um gole consideravelmente grande, daqueles que praticamente seca a lata. Eu queria dessa vez aproveitar o gosto, pois a outra tinha ido de chão a fora e não de boca á dentro. Peguei o controle no chão. Procurei mais alguns canais sem muitas expectativas de êxito.

– Merda! Grande droga de TV a cabo. Mais de 100 canais e nada me agrada. Quase gritando.

Eu estava cada vez mais aborrecido. Levantei peguei mais umas cinco cervejas e bebi em frente aquela inútil TV que só me aborrecia. A minha no cotidiano era isso, só tinha tempo pra mim a noite, sozinho naquele cuvico de apartamento, solitário; na companhia de uma TV de merda, uma poltrona com cheiro de bebida, e algumas latinhas de cerveja... Mal humorado como o meu chefe. Levantei tombaleando. Erguendo-me, eu ficava o imitando brigando comigo no escritório. (Imitando a voz dele e a minha)

– Carlos Eduardo, cadê a pauta dos orçamentos?

– Está no armário na letra O, senhor Vasconcelos.

– Não esta não, seu irresponsável!

– Está sim senhor, quer que eu vá buscar?

– Não, ela vem sozinha até a mim! É claro, vai logo seu inútil. Ta igual a minha esposa com perguntas idiotas. Vai logo!

AHHH... Eu não agüento mais isso! – falei quase gritando. Eu não sou igual á gorda, velha e burra esposa dele, ora bolas!

Sentei no sofá novamente, pois tudo começava toda na minha cabeça. Estava tonto. Já tinha tomado todas as cervejas, estava ficando bêbado. Fiquei ali parado olhando pra TV, mais eu não estava assistindo, eu estava em transe.

Indaguei alto – droga de vida! Droga de homem que eu me tornei, um fracassado; como eu agüento a cinco anos o mesmo velho e rabujento chefe? Que só me põe ora baixo. Eu um diplomata.

Joguei todo o meu corpo no sofá, olhos pesados de sono – eu quero que aquele homem se foda! – falei em tom baixo. Lutando contra os meus olhos que insistia em fechar, tentativa inútil.

Adormeci ali mesmo. Esparramado na poltrona. A TV ligada em desenho animado. Com uma lata de cerveja á mão, e as outras espalhadas pelo chão. Adormeci em meio ao discurso, apelativo contra meu chefe.

J K Marinho
Enviado por J K Marinho em 08/09/2011
Código do texto: T3208438
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