O Mendigo
Meu nome é Darci, eu nasci no interior de São Paulo, e logo nos primeiros anos de vida vim parar em São Luis Gonzaga, depois fui para Santa Rosa, e acabei em Ijuí quando estava adolescente, estudei na escola Rui Barbosa, onde acabei o ensino médio. Meu pai era marceneiro, fazia e vendia móveis, eu desde cedo comecei a trabalhar com ele, aprendi tudo que ele podia me ensinar, e fazia aquilo com amor e orgulho.
Quando eu tinha 21 anos mais ou menos eu conheci uma moça, era a mulher mais linda que já tinha visto, morena, olhos verdes, sorriso estonteante, uma coisa de outro mundo, ela era uns três anos mais nova que eu, mas não me importava, apaixonei loucamente.
Lembro da primeira vez em que tentei conversar com ela, era um baile, lembro-me com se fosse hoje, ela estava com um vestido branco, até bem justo de uma malha fina o que dava certa noção exata de cada curva de seu corpo, eu fiquei mais ou menos umas duas horas apenas olhando para ela, tentava criar coragem para chegar nela e falar o quanto eu tava apaixonado, mas não, minhas mãos suavam, meu corpo inteirinho tremia, eu não teria coragem eu sabia que não teria coragem, e assim fiquei por quase duas horas até que uma amiga dela veio até mim e falou:
- Oi, a Mariana quer ficar com você?
Eu tapado que só vendo, demorei a entender, a expressão ficar não era muito comum na época, meio que gaguejei, me engasguei umas duas vezes, mas precisava ficar na minha altivez de predador experiente, que eu não era:
- Qual Mariana?- ela apontou com para direção da moça – Pode ser!
Meu pode ser queria dizer um claro que quero, quero muito, é tudo que mais desejo, mas enfim foi assim que tudo começou, e por pouco não terminou. Meu pai um verdadeiro viajante resolveu voltar para Ribeirão Preto e eu devia ir com ele, ela no inicio ficou meio redundante, mas acabou aceitando minha proposta e a gente se casou com pouco mais de três meses de namoro e ela foi comigo.
Em Ribeirão começamos nossa vida, não demorou muito meus pais morreram, foi horrível, eu estava em casa e de uma hora para outra chegou a noticia que os dois haviam sofrido um acidente, eu odeio carros, porque eles matam muita gente, eu então tive que arcar com tudo nos ombros, amadureci, tomei conta da marcenaria, e aos poucos fui ficando mais bem de vida, não era rico mas trabalhava dia e noite para melhorar de vida, aos poucos começou a crescer os negócios, e em pouco tempo eu já tinha uma fabrica de móveis com alguns funcionários e muitas entregas na grande São Paulo.
Tinha uma boa casa própria, tinha carro, tinha a fabrica rendendo bem e tinha uma mulher linda que sempre me dava força e me ajudava em tudo que eu precisasse eu descobri que ali eu era feliz, mesmo com o luto de perder pai e mãe juntos, mesmo com todas as dificuldades que eu poderia enfrentar na época Deus estava me abençoando, até que num final de tarde quando cheguei em casa do trabalho Mariana veio me trazer uma noticia, confesso que me pegou de surpresa eu quase não podia acreditar naquilo.
- Eu estou grávida!
Foi assim que a bela Mariana começou a conversa comigo, confesso que para mim foi um choque muito grande, mas no mesmo instante eu me acostumei com a idéia de ser pai, e mais do que isso passei a viver em fincão disso, as coisas são assim, quando nos demos conta que outras pessoas precisam da gente, começamos então a ver o mundo de outra forma, com mais vontade de viver e aprendemos a carregar e suportar melhor os pesos que são colocados sobre nós.
Eu aprendi isso e comecei a viver em função de meu filho, no inicio da gravidez, não sabia direito como agir, mas com o passar dos tempo aprendi a viver com mais dignidade e responsabilidade, tudo isso para que no futuro meu filho pudesse se orgulhar de mim, e apesar da vida que levo agora tenho certeza que fiz tudo aquilo que eu julgava melhor para a minha família.
Nasceu então a minha menina, uma linda menina, deve ter saído a mãe que era linda também, ela foi crescendo e eu acompanhando seu crescimento, aquilo era tudo era a melhor coisa de minha vida, minha filha crescendo e eu ali podendo sustentar e dar uma vida digna e com conforto para ela.
Mas as coisas estão em constante mudança e tudo que eu mais temia aconteceu, dois anos depois do nascimento de minha filha descobri que Mariana estava me traindo, com um amigo meu, eu não aceitei claro, mas hoje julgo que eu fui culpado, fiquei tempos e tempos sem fazer amor com ela, eu trabalhava como um condenado chegava ficar quinze horas por dia na fabrica, e esquecia de dar atenção que minha esposa merecia, mas ela não precisava me enganar, não, ela poderia ter me dito, olha Darci não da mais, vamos terminar por aqui, mas me enganar, enganar o homem que lhe pagava contas, que sustentava ela no maior luxo, enganar um homem que amava ela mais que tudo e que por mais que sexualmente meu casamento não fosse mais aquela coisa, eu ainda amava ela, respeitava ela demais.
Quando eu descobri foi um baque muito grande para mim, foi por acaso que um dia ia voltando para casa e quando passei na frente do motel ela estava saindo de lá com o desgraçado do Gildo, aquele canalha tava me traindo, “tava comendo minha mulher”, eles estavam armando pelas minhas costas.
Ele conheceu meu carro, e arrancou em alta velocidade, eu comecei a persegui ele. Corríamos como uns loucos pelas estradas, e ai a vida se encarregou de dar mais uma reviravolta, numa curva eu me perdi, e meu carro desceu uma ribanceira, era para eu ter morrido, mas Deus não permitiu, ele queria que eu sofresse um pouco mais, e foi ai que minha desgraça começou.
No dia em que eu acordei no hospital um médico que estava do meu lado falou tudo que eu nunca quis ouvir, algo que me fez sentir um inútil, que me fez ter preferido a morte que ouvir o que ele me falou...
- Apesar da violência do acidente você se saiu muito bem meu amigo, sem seqüelas graves, sem nenhum problema de saúde, você é um cara de sorte.
As palavras do médico soaram como um alivio para mim, mas como não sabia quanto tempo eu estava naquele estado vegetativo, a primeira coisa que quis saber era de minha esposa e de minha filha.
- Não há esposa, o senhor foi trazido para cá a cinco meses por uma equipe de resgate, mas nunca recebeu nenhuma visita, tentamos entrar em contato com a sua família, mas a mulher que esteve aqui somente pagou todas as despesas depois foi embora e nunca mais voltou.
Aquilo me atingiu em cheio naquele momento eu desejei ter morrido, por um breve instante eu desejei ter sido enterrado, pois pelo menos assim certamente eu teria tido um enterro justo, com honras de um homem que sempre deu a sua vida em prol da sua família.
Mas o pior ainda estava por vim, não a nada neste mundo, que estando ruim não possa piorar. Eu nunca tive muitos amigos, eram um ou dois empregados que eu tinha mais intimidade e acabava por ai, não tinha tempo para cultivar amizades, e isso foi o que mais me fez falta naquele momento.
A minha Mariana havia vendido nossa casa, vendido nossa fabrica, que eu por ingenuidade ou bondade demais coloquei tudo no nome dela, e ela com o Gildo havia sumido do mapa, sem dizer a ninguém para onde ia. Resumindo depois de Cinco meses em coma eu estava agora sem ter um teto para me abrigar, sem meu trabalho que eu tanto amava, sem minha mulher e sem minha filha, e ainda sem a única pessoa que era minha amiga naquela maldita cidade, amigos talvez sejam essas pessoas que cruzam por nós e não nos olham na rua, ou que apenas nos acenam a cabeça, pois estes anônimos em nossas vidas nunca iram nos trair, nunca iram nos enganar e nem roubar a nossa vida.
No inicio tentei raciocinar logicamente, mas logo passei a ser controlado pela raiva, pelo remorso, pelo ódio, e pelo amor pela minha filha, era uma mistura de sentimentos que me fez ficar louco, aqui e ali alguém me abrigava, um ou outro me ajudava com qualquer coisa, um lugar para ficar e tudo mais, mas eu sou uma pessoa orgulhosa, e por mais que eu pudesse arranjar um trabalho e tentar recomeçar a vida, eu precisava encontrar minha filha e não haveria recomeço sem que isso acontecesse, e foi então assim que comecei minha jornada pelos confins mais fétidos do inferno.
Imaginei que eles poderiam ter vindo para o sul e vim atrás, revirei toda quanto foi cidade que eu imaginava que eles poderiam estar, até que um dia do nada a sorte voltou a bater a minha porta e então eu fiz o que tinha que ser feito, algo que selou o meu destino, mas devolveu dentro de mim o meu orgulho de homem...
Eu sabia que um dia a sorte voltaria a bater na minha porta, e foi exatamente o que aconteceu, no dia em que fez um ano de minha incansável busca pela minha família eu cheguei a uma pista, eles estavam morando em Santa Maria, no centro do estado do Rio Grande do Sul.
Quando cheguei à cidade, comecei a procurar, não demorou muito para localizar os três, Gildo, Mariana e minha filha, que estava agora grandona, eu juro que tentei fazer o certo, fui atrás de Mariana, falei com ela, tentei chegar a um acordo, eu somente queria que ela me garantisse o direito de ver minha filha e devolvesse pelo menos devolvesse um parte de meu dinheiro, tentei argumentar de todas as formas, mas ela foi irredutível, disse que era para mim entrar na justiça se quisesse algo, mas eu sabia que com o passar destes últimos tempos os meus direitos haviam se perdido, e depois eu não tinha condições financeiras nem para comer quem dirá para pagar um advogado.
Já tinha desistido de tudo, até que numa noite eu estava num bar na zona norte da cidade quando dois homens chegaram a começaram a beber comigo, no inicio bebemos muito junto e depois eles sabendo de minha história e situação, me convidaram para ir para a casa de um deles, eu é claro aceitei, não tinha mesmo para onde ir, quando fomos e acabei parando em uma rua escura eles começaram a me bater, me batiam muito, os dois contra um, não tinha condições de reagir, não tinha possibilidade nenhuma de reação.
Mas eu sempre ouvi que qualquer animal se torna perigoso quando esta prestes a ser morto, e acho que foi este instinto de sobrevivência que me fez reagir, eu estava lá no chão, meu corpo inteiro doía, parecia que um caminhão havia me atropelado, mas no fundo de minha alma eu consegui força para seguir os dois, e para a minha surpresa eles pararam diante de um carro, e advinha quem estava dentro? Se você pensou no Gildo estava certo, o desgraçado tinha pagado para os caras acabarem comigo, e concluí que se ele tava metido, Mariana também tava, senti meu corpo ser tomado por uma raiva tremenda, e fiz o que não devia ter feito nunca, assim que os dois sujeitos partiram, eu cheguei próximo do carro, estava com uma pedra na mão, antes que ele pudesse arrancar o carro eu dei-lhe uma pedrada pela janela do carro, nem percebi se acertei ou não apenas fiz um daqueles atos irracionais que a gente faz, e depois corri, corri muito.
Para a minha infelicidade aquela pedra não só acertou como matou o desgraçado, e no outro dia uma foto minha já estava nas capas dos jornais, meu nome estava sendo dito por todos os locutores, eu era um procurado da justiça acusado de assassinato.
Pensei em me entregar, mas depois percebi que eu nunca mais sairia da prisão se isso acontecesse, não sem ter um tostão para pagar um advogado, e então voltei a Ijuí, e passei a viver nas ruas, um mendigo, um morador típico de rua.
Acho que desta forma eu fiquei invisível, porque até as algumas pessoas que me conheciam aqui nesta cidade as vezes cruzam por mim e não percebem que eu sou eu, é incrível, é como se nós que vivemos nas ruas não existisse, e por isso nunca a policia pensou em prender um pobre mendigo.
A verdade que independente de nossas roupas rasgadas, que nossos corpos magros, quase esqueléticos, são invisíveis para a sociedade, e por mais que nós estejamos todos os dias por ai, eles olham e pensam que sempre fomos mendigos, sempre fomos assim, que nunca fomos crianças, nunca fomos adultos, nunca tivemos família, que nunca existimos, e às vezes por algum motivo acho que eles tem razão, nós não temos nomes, nós não temos idade, nós não temos vidas, nós simplesmente não existimos, somos o nada vergonhoso da sociedade.
Meu nome é Darci, eu nasci no interior de São Paulo, e logo nos primeiros anos de vida vim parar em São Luis Gonzaga, depois fui para Santa Rosa, e acabei em Ijuí quando estava adolescente, estudei na escola Rui Barbosa, onde acabei o ensino médio. Meu pai era marceneiro, fazia e vendia móveis, eu desde cedo comecei a trabalhar com ele, aprendi tudo que ele podia me ensinar, e fazia aquilo com amor e orgulho.
Quando eu tinha 21 anos mais ou menos eu conheci uma moça, era a mulher mais linda que já tinha visto, morena, olhos verdes, sorriso estonteante, uma coisa de outro mundo, ela era uns três anos mais nova que eu, mas não me importava, apaixonei loucamente.
Lembro da primeira vez em que tentei conversar com ela, era um baile, lembro-me com se fosse hoje, ela estava com um vestido branco, até bem justo de uma malha fina o que dava certa noção exata de cada curva de seu corpo, eu fiquei mais ou menos umas duas horas apenas olhando para ela, tentava criar coragem para chegar nela e falar o quanto eu tava apaixonado, mas não, minhas mãos suavam, meu corpo inteirinho tremia, eu não teria coragem eu sabia que não teria coragem, e assim fiquei por quase duas horas até que uma amiga dela veio até mim e falou:
- Oi, a Mariana quer ficar com você?
Eu tapado que só vendo, demorei a entender, a expressão ficar não era muito comum na época, meio que gaguejei, me engasguei umas duas vezes, mas precisava ficar na minha altivez de predador experiente, que eu não era:
- Qual Mariana?- ela apontou com para direção da moça – Pode ser!
Meu pode ser queria dizer um claro que quero, quero muito, é tudo que mais desejo, mas enfim foi assim que tudo começou, e por pouco não terminou. Meu pai um verdadeiro viajante resolveu voltar para Ribeirão Preto e eu devia ir com ele, ela no inicio ficou meio redundante, mas acabou aceitando minha proposta e a gente se casou com pouco mais de três meses de namoro e ela foi comigo.
Em Ribeirão começamos nossa vida, não demorou muito meus pais morreram, foi horrível, eu estava em casa e de uma hora para outra chegou a noticia que os dois haviam sofrido um acidente, eu odeio carros, porque eles matam muita gente, eu então tive que arcar com tudo nos ombros, amadureci, tomei conta da marcenaria, e aos poucos fui ficando mais bem de vida, não era rico mas trabalhava dia e noite para melhorar de vida, aos poucos começou a crescer os negócios, e em pouco tempo eu já tinha uma fabrica de móveis com alguns funcionários e muitas entregas na grande São Paulo.
Tinha uma boa casa própria, tinha carro, tinha a fabrica rendendo bem e tinha uma mulher linda que sempre me dava força e me ajudava em tudo que eu precisasse eu descobri que ali eu era feliz, mesmo com o luto de perder pai e mãe juntos, mesmo com todas as dificuldades que eu poderia enfrentar na época Deus estava me abençoando, até que num final de tarde quando cheguei em casa do trabalho Mariana veio me trazer uma noticia, confesso que me pegou de surpresa eu quase não podia acreditar naquilo.
- Eu estou grávida!
Foi assim que a bela Mariana começou a conversa comigo, confesso que para mim foi um choque muito grande, mas no mesmo instante eu me acostumei com a idéia de ser pai, e mais do que isso passei a viver em fincão disso, as coisas são assim, quando nos demos conta que outras pessoas precisam da gente, começamos então a ver o mundo de outra forma, com mais vontade de viver e aprendemos a carregar e suportar melhor os pesos que são colocados sobre nós.
Eu aprendi isso e comecei a viver em função de meu filho, no inicio da gravidez, não sabia direito como agir, mas com o passar dos tempo aprendi a viver com mais dignidade e responsabilidade, tudo isso para que no futuro meu filho pudesse se orgulhar de mim, e apesar da vida que levo agora tenho certeza que fiz tudo aquilo que eu julgava melhor para a minha família.
Nasceu então a minha menina, uma linda menina, deve ter saído a mãe que era linda também, ela foi crescendo e eu acompanhando seu crescimento, aquilo era tudo era a melhor coisa de minha vida, minha filha crescendo e eu ali podendo sustentar e dar uma vida digna e com conforto para ela.
Mas as coisas estão em constante mudança e tudo que eu mais temia aconteceu, dois anos depois do nascimento de minha filha descobri que Mariana estava me traindo, com um amigo meu, eu não aceitei claro, mas hoje julgo que eu fui culpado, fiquei tempos e tempos sem fazer amor com ela, eu trabalhava como um condenado chegava ficar quinze horas por dia na fabrica, e esquecia de dar atenção que minha esposa merecia, mas ela não precisava me enganar, não, ela poderia ter me dito, olha Darci não da mais, vamos terminar por aqui, mas me enganar, enganar o homem que lhe pagava contas, que sustentava ela no maior luxo, enganar um homem que amava ela mais que tudo e que por mais que sexualmente meu casamento não fosse mais aquela coisa, eu ainda amava ela, respeitava ela demais.
Quando eu descobri foi um baque muito grande para mim, foi por acaso que um dia ia voltando para casa e quando passei na frente do motel ela estava saindo de lá com o desgraçado do Gildo, aquele canalha tava me traindo, “tava comendo minha mulher”, eles estavam armando pelas minhas costas.
Ele conheceu meu carro, e arrancou em alta velocidade, eu comecei a persegui ele. Corríamos como uns loucos pelas estradas, e ai a vida se encarregou de dar mais uma reviravolta, numa curva eu me perdi, e meu carro desceu uma ribanceira, era para eu ter morrido, mas Deus não permitiu, ele queria que eu sofresse um pouco mais, e foi ai que minha desgraça começou.
No dia em que eu acordei no hospital um médico que estava do meu lado falou tudo que eu nunca quis ouvir, algo que me fez sentir um inútil, que me fez ter preferido a morte que ouvir o que ele me falou...
- Apesar da violência do acidente você se saiu muito bem meu amigo, sem seqüelas graves, sem nenhum problema de saúde, você é um cara de sorte.
As palavras do médico soaram como um alivio para mim, mas como não sabia quanto tempo eu estava naquele estado vegetativo, a primeira coisa que quis saber era de minha esposa e de minha filha.
- Não há esposa, o senhor foi trazido para cá a cinco meses por uma equipe de resgate, mas nunca recebeu nenhuma visita, tentamos entrar em contato com a sua família, mas a mulher que esteve aqui somente pagou todas as despesas depois foi embora e nunca mais voltou.
Aquilo me atingiu em cheio naquele momento eu desejei ter morrido, por um breve instante eu desejei ter sido enterrado, pois pelo menos assim certamente eu teria tido um enterro justo, com honras de um homem que sempre deu a sua vida em prol da sua família.
Mas o pior ainda estava por vim, não a nada neste mundo, que estando ruim não possa piorar. Eu nunca tive muitos amigos, eram um ou dois empregados que eu tinha mais intimidade e acabava por ai, não tinha tempo para cultivar amizades, e isso foi o que mais me fez falta naquele momento.
A minha Mariana havia vendido nossa casa, vendido nossa fabrica, que eu por ingenuidade ou bondade demais coloquei tudo no nome dela, e ela com o Gildo havia sumido do mapa, sem dizer a ninguém para onde ia. Resumindo depois de Cinco meses em coma eu estava agora sem ter um teto para me abrigar, sem meu trabalho que eu tanto amava, sem minha mulher e sem minha filha, e ainda sem a única pessoa que era minha amiga naquela maldita cidade, amigos talvez sejam essas pessoas que cruzam por nós e não nos olham na rua, ou que apenas nos acenam a cabeça, pois estes anônimos em nossas vidas nunca iram nos trair, nunca iram nos enganar e nem roubar a nossa vida.
No inicio tentei raciocinar logicamente, mas logo passei a ser controlado pela raiva, pelo remorso, pelo ódio, e pelo amor pela minha filha, era uma mistura de sentimentos que me fez ficar louco, aqui e ali alguém me abrigava, um ou outro me ajudava com qualquer coisa, um lugar para ficar e tudo mais, mas eu sou uma pessoa orgulhosa, e por mais que eu pudesse arranjar um trabalho e tentar recomeçar a vida, eu precisava encontrar minha filha e não haveria recomeço sem que isso acontecesse, e foi então assim que comecei minha jornada pelos confins mais fétidos do inferno.
Imaginei que eles poderiam ter vindo para o sul e vim atrás, revirei toda quanto foi cidade que eu imaginava que eles poderiam estar, até que um dia do nada a sorte voltou a bater a minha porta e então eu fiz o que tinha que ser feito, algo que selou o meu destino, mas devolveu dentro de mim o meu orgulho de homem...
Eu sabia que um dia a sorte voltaria a bater na minha porta, e foi exatamente o que aconteceu, no dia em que fez um ano de minha incansável busca pela minha família eu cheguei a uma pista, eles estavam morando em Santa Maria, no centro do estado do Rio Grande do Sul.
Quando cheguei à cidade, comecei a procurar, não demorou muito para localizar os três, Gildo, Mariana e minha filha, que estava agora grandona, eu juro que tentei fazer o certo, fui atrás de Mariana, falei com ela, tentei chegar a um acordo, eu somente queria que ela me garantisse o direito de ver minha filha e devolvesse pelo menos devolvesse um parte de meu dinheiro, tentei argumentar de todas as formas, mas ela foi irredutível, disse que era para mim entrar na justiça se quisesse algo, mas eu sabia que com o passar destes últimos tempos os meus direitos haviam se perdido, e depois eu não tinha condições financeiras nem para comer quem dirá para pagar um advogado.
Já tinha desistido de tudo, até que numa noite eu estava num bar na zona norte da cidade quando dois homens chegaram a começaram a beber comigo, no inicio bebemos muito junto e depois eles sabendo de minha história e situação, me convidaram para ir para a casa de um deles, eu é claro aceitei, não tinha mesmo para onde ir, quando fomos e acabei parando em uma rua escura eles começaram a me bater, me batiam muito, os dois contra um, não tinha condições de reagir, não tinha possibilidade nenhuma de reação.
Mas eu sempre ouvi que qualquer animal se torna perigoso quando esta prestes a ser morto, e acho que foi este instinto de sobrevivência que me fez reagir, eu estava lá no chão, meu corpo inteiro doía, parecia que um caminhão havia me atropelado, mas no fundo de minha alma eu consegui força para seguir os dois, e para a minha surpresa eles pararam diante de um carro, e advinha quem estava dentro? Se você pensou no Gildo estava certo, o desgraçado tinha pagado para os caras acabarem comigo, e concluí que se ele tava metido, Mariana também tava, senti meu corpo ser tomado por uma raiva tremenda, e fiz o que não devia ter feito nunca, assim que os dois sujeitos partiram, eu cheguei próximo do carro, estava com uma pedra na mão, antes que ele pudesse arrancar o carro eu dei-lhe uma pedrada pela janela do carro, nem percebi se acertei ou não apenas fiz um daqueles atos irracionais que a gente faz, e depois corri, corri muito.
Para a minha infelicidade aquela pedra não só acertou como matou o desgraçado, e no outro dia uma foto minha já estava nas capas dos jornais, meu nome estava sendo dito por todos os locutores, eu era um procurado da justiça acusado de assassinato.
Pensei em me entregar, mas depois percebi que eu nunca mais sairia da prisão se isso acontecesse, não sem ter um tostão para pagar um advogado, e então voltei a Ijuí, e passei a viver nas ruas, um mendigo, um morador típico de rua.
Acho que desta forma eu fiquei invisível, porque até as algumas pessoas que me conheciam aqui nesta cidade as vezes cruzam por mim e não percebem que eu sou eu, é incrível, é como se nós que vivemos nas ruas não existisse, e por isso nunca a policia pensou em prender um pobre mendigo.
A verdade que independente de nossas roupas rasgadas, que nossos corpos magros, quase esqueléticos, são invisíveis para a sociedade, e por mais que nós estejamos todos os dias por ai, eles olham e pensam que sempre fomos mendigos, sempre fomos assim, que nunca fomos crianças, nunca fomos adultos, nunca tivemos família, que nunca existimos, e às vezes por algum motivo acho que eles tem razão, nós não temos nomes, nós não temos idade, nós não temos vidas, nós simplesmente não existimos, somos o nada vergonhoso da sociedade.