Contando estórias
Quando meu primeiro filho nasceu eu estava com vinte e três anos de idade e realmente o peso da realidade caiu sobre os meus ombros fazendo-me sentir como se estivesse carregando a própria Terra. Minha preocupação não era focada em relação ao sustento da criança, em momento algum senti isso, mas como lidar com as situações que adviriam.
Não tive tempo para ser testado se estava ou não preparado porque logo em seguida veio o meu segundo filho e não demorou muito a minha filha.
Naquela época não se usavam as fraldas descartáveis, elas eram feitas de um pano bem fino, quando acabava de se trocar uma fralda era o outro que sujava, em seguida vinham as mamadeiras, os banhos ou então a hora de colocá-los para dormir. Quando um estava quase dormindo era o outro que gritava e lá ia eu para ajudar a minha mulher.
O mais velho adorava brincar com uma fazendinha, onde bois, cavalos, carneiros e apetrechos plásticos representativos de uma fazenda eram colocados no chão e lá ficava ele fazendo o seu imaginário funcionar. Quando alguém passava por perto, ele reclamava dizendo que naquele lugar em que não víamos nada, estava parte do seu rebanho, obrigando-nos a contornar para não levarmos chifradas.
Numa outra fase o mais velho começou a me pedir para contar estórias. Imaginei, isso para mim é fácil, vou engambelar esse moleque tranquilamente.
Não queria contar para ele essas estórias tradicionais dos três porquinhos ou outras dos irmãos Grimm porque achava que tinha que se lidar com a realidade brasileira, nada de lobo mau que comesse a vovozinha e que continuava ainda inteirinha na barriga do lobo esperando que os lenhadores o matassem e salvassem a velhinha.
Contava então estórias de macacos que vinham roubar bananas nos quintais das casas ou uma esperta gambá que vinha com a fileira de gambazinhos roubar os ovos nos galinheiros. Dizia a ele que esses macacos ladinos ou a gambá com seus gambazinhos tinham feito um curso de especialização em Brasília e que ninguém, por mais sagaz que fosse, conseguia frustrar o roubo deles.
Ele ouvia tudo prestando muita atenção, em verdade não sei se ele entendia tudo o que lhe dizia, mas um dia ele me convidou para brincar de esconder, dizendo que eu me passasse por gambá. Já estava começando a me sentir orgulhoso quando lá pelas tantas ele me disse que o gambá verdadeiro dava um uivo, UUuuh, como se fosse um lobo. Só então percebi que aquele era um sinal do atavismo que nos ligava às nossas origens, às raízes da humanidade, DNA dos nossos ancestrais quando os homens das cavernas tinham que se livrar das matilhas para preservar a espécie e que os irmãos Grimm estavam certos. Foi então que o meu gambá uivou: UUh, uuh!
Quando meu primeiro filho nasceu eu estava com vinte e três anos de idade e realmente o peso da realidade caiu sobre os meus ombros fazendo-me sentir como se estivesse carregando a própria Terra. Minha preocupação não era focada em relação ao sustento da criança, em momento algum senti isso, mas como lidar com as situações que adviriam.
Não tive tempo para ser testado se estava ou não preparado porque logo em seguida veio o meu segundo filho e não demorou muito a minha filha.
Naquela época não se usavam as fraldas descartáveis, elas eram feitas de um pano bem fino, quando acabava de se trocar uma fralda era o outro que sujava, em seguida vinham as mamadeiras, os banhos ou então a hora de colocá-los para dormir. Quando um estava quase dormindo era o outro que gritava e lá ia eu para ajudar a minha mulher.
O mais velho adorava brincar com uma fazendinha, onde bois, cavalos, carneiros e apetrechos plásticos representativos de uma fazenda eram colocados no chão e lá ficava ele fazendo o seu imaginário funcionar. Quando alguém passava por perto, ele reclamava dizendo que naquele lugar em que não víamos nada, estava parte do seu rebanho, obrigando-nos a contornar para não levarmos chifradas.
Numa outra fase o mais velho começou a me pedir para contar estórias. Imaginei, isso para mim é fácil, vou engambelar esse moleque tranquilamente.
Não queria contar para ele essas estórias tradicionais dos três porquinhos ou outras dos irmãos Grimm porque achava que tinha que se lidar com a realidade brasileira, nada de lobo mau que comesse a vovozinha e que continuava ainda inteirinha na barriga do lobo esperando que os lenhadores o matassem e salvassem a velhinha.
Contava então estórias de macacos que vinham roubar bananas nos quintais das casas ou uma esperta gambá que vinha com a fileira de gambazinhos roubar os ovos nos galinheiros. Dizia a ele que esses macacos ladinos ou a gambá com seus gambazinhos tinham feito um curso de especialização em Brasília e que ninguém, por mais sagaz que fosse, conseguia frustrar o roubo deles.
Ele ouvia tudo prestando muita atenção, em verdade não sei se ele entendia tudo o que lhe dizia, mas um dia ele me convidou para brincar de esconder, dizendo que eu me passasse por gambá. Já estava começando a me sentir orgulhoso quando lá pelas tantas ele me disse que o gambá verdadeiro dava um uivo, UUuuh, como se fosse um lobo. Só então percebi que aquele era um sinal do atavismo que nos ligava às nossas origens, às raízes da humanidade, DNA dos nossos ancestrais quando os homens das cavernas tinham que se livrar das matilhas para preservar a espécie e que os irmãos Grimm estavam certos. Foi então que o meu gambá uivou: UUh, uuh!