Um café

Saiu apressadamente. Os passos não se entendiam, entrou no primeiro lugar que achou confortável. A luz fraca, objetos de decoração rústicos. Cada mesa tinha um pequeno abajur.

Antes de se sentar procurou alguém que a atendesse. Todos ocupados. Passou então por entre duas, três, quatro mesas e sentou-se no canto. Desarranjou o casaco, mas retirou-o devido ao calor iminente. Jogou para trás o cabelo de um lado. Do outro, os fios desciam-lhe pelo ombro. Estava quente e começou a se incomodar com isso.

Olhava para o balcão tentando chamar atenção. Um estava de costas, debruçado sobre a máquina de café italiana. O outro fazia contas perto do caixa. Um sino atrás da porta soava quando alguém entrava. Poucos entravam, alguns saíam. De um lado havia um casal que conversava baixinho. As xícaras em cima da mesa evidenciavam que foram atendidos. Em frente, uma senhora saboreava uma bela torta de limão. Olhos cerrados, a boca se fecha e puxa o garfo, raspando até o último creme. Um copo vazio e uma carteira dourada estavam em cima da mesa. Foi atendida já faz algum tempo, com certeza.

Nunca entrou ali. Primeira vez, primeiras impressões. Era limpo. Aconchegante. O vidro esfumaçado dava um tom pastel ao dia lá fora, envelhecendo-o. Era outono. Mas não um dia típico de outono. Lembrou-se do livro neste instante, pegou-o na bolsa. Colocou os cotovelos na mesa e começou a folheá-lo.

Passou alguém de repente, bem perto, quase tocou a mesa. Foi um vulto. Quando levantou o rosto, já estavam atendendo outra mesa. Fixou-se no bloco onde o garçom anotava os pedidos. As pessoas da mesa se entreolhavam, discutiam. Entraram agora pouco? Quem são essas pessoas? Sentam-se e são atendidas. Seus olhos azuis fitaram os rostos por mais um instante. Terminaram o pedido. O garçom virou-se para o balcão.

Entrou um menino de uns dez anos. Logo em seguida vem os pais. A mãe escolhe a mesa e os três se sentam. Vejamos, chá para a mulher, café para o homem, um pedaço de torta ou de bolo para o menino, acompanhado de um refrigerante... Ou suco. Ou suco para a mulher? Tanto faz.

O relógio ficava num lugar estratégico, na parede acima do balcão, entre a tabela de preços e uma réplica das Nenúfares, a melhor, e era possível vê-lo de qualquer ponto do salão. Apontava cinco horas da tarde, mais alguns minutos. O rapaz, que outrora fazia as contas no caixa, agora lavava a louça. A água quente, derramando-se sobre a pia, levantava um vapor mínimo, suave. As mãos se divertiam na pequena sauna das porcelanas. Até que alguém o chama, interrompendo o vapor.

Outra pessoa se levantou, um homem com uma pasta embaixo do braço. Saiu fazendo o sino tocar novamente. Entusiasmada, aprumou-se na cadeira, o garçom caminhava na sua direção. No meio do trajeto foi capturado. Na mesa de onde o homem da pasta acabara de sair, ainda repousava outro rapaz, mais novo, o sequestrador do garçom. Um bule de chá, xícaras, biscoitos. Estavam lá há bastante tempo.

Alguém a observava. Virou-se rapidamente com esperança. Apenas um senhor, que acabara de se levantar. O guarda-chuva do velho estava preso entre a mesa e a cadeira. Pediu licença, retirou o obstáculo e partiu. Ao caminhar para a porta, esbarrou com o garçom, que o cumprimentou.

Recostou-se e colocou o livro sobre a mesa. Cruzou os braços e fechou os olhos. Conseguiu ouvir o som das xícaras, dos pires, dos talheres, dos pratos batendo ao serem recolhidos. Escutou cada voz, separando as masculinas, femininas e infantis.

Alguém a tocou. Era o encontro tão esperado. Depois de tanto tempo. A satisfação a fez lembrar de sua infância naquela casa velha de madeira. O tempo passava devagar nas lembranças, sempre tivera esta habilidade, parava o tempo. Imaginava-o com algumas alterações. Pequenos detalhes. Depois da última decepção, há alguns minutos atrás, desejaria voltar para a casa velha de madeira e abraçar sua mãe.

Foi até um verão destes onde os corpos suados e as mãos escorregadias das meninas puxavam o corda para um lado. Os meninos, sem suas camisas, puxavam a corda para o outro, fazendo cara de que venceriam o duelo de qualquer maneira. Assim se deu uma daquelas tardes no quintal da “casa velha”, como costumavam chamar. As férias eram felizes, constatou. Os pais eram alegres, os primos, os tios.

Recordava-se de cada cômodo e de cada ponto. O quarto dos pais era espaçoso e o closet poderia ser transformado em um outro quarto. Ainda na parte de cima, seu próprio quarto tinha uma janela com visão para o lago. Quando acordava, o primeiro movimento era verificar se as montanhas, que ficavam muito distantes do lago, mas completavam com ele um quadro perfeito de Pissarro, estavam cobertas por nuvens de chuva. A negativa significava que poderia sair a explorar o bosque de pinheiros - Batia de porta em porta atrás dos amigos e vizinhos, e todos se metiam no mato, como aventureiros de uma terra desconhecida.

Descendo um andar, estava a sala grande com a lareira, a cozinha, a dispensa... E tantos outros lugares populares e secretos que ela frequentava. O quarto de hóspedes ficava numa pequena construção anexa à casa. Era um quarto sombrio, com árvores velhas, enormes e quebradiças caídas sobre seu telhado. Ponto ideal para as histórias de terror. Sentavam-se ali em círculo e disputavam quem era o mais corajoso...

Talvez já pudesse abrir os olhos agora, e parar de sonhar. Mas flutuou nas memórias por mais alguns segundos. Escutou mais algumas vozes. Não conseguiu identificar. Tentou concentrar-se...

Acordou e encarou o garçom. Vestido de branco, um avental verde escuro por cima da roupa, perguntou confuso:

- A senhorita está bem?

Recuperando-se respondeu:

- Ah, sim. Desculpe... Traga-me um café por gentileza.

Guilherme Pedrosa Lima
Enviado por Guilherme Pedrosa Lima em 01/09/2011
Código do texto: T3195090
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