No ginásio
Meu pai tinha seis filhos seus, todos homens e duas filhas adotivas. Embora fosse ótimo dentista com uma numerosa clientela, não tinha condição de pagar ensino particular para todos os filhos.
O meu irmão, dois anos mais velho passou para um colégio estadual em regime de semi-internato, o João Alfredo, em Vila Isabel, no Rio de Janeiro.
No ano seguinte eu estava prestando a prova de seleção que entre mais de duzentos candidatos selecionaria onze ocupantes para as vagas.
Assim, em março de mil novecentos e cinqüenta e dois eu ingressei no primeiro ano do ginasial.
Domingo às sete horas da noite a garotada chegava para iniciar a semana escolar.
Ao toque do sino as turmas se reuniam no pátio e esperavam a hora de seguirem, uma a uma, em fila indiana para o segundo andar, onde ficava o dormitório.
Eram duas fileiras de camas por ala, sendo uma ala para os garotos menores e a outra para os maiores, das turmas de terceiras e quartas séries.
Antes, no primário, era somente uma professora, agora era um professor ou professora por matéria: português, latim, matemática, desenho, geografia, história, francês, ginástica, canto orfeônico e religião. Dez matérias, dez professores. Quem quisesse ainda poderia se inscrever para participar da banda, tendo aulas de música.
Mas a grande mudança foi se acostumar a acordar às seis horas da manhã, arrumar rapidamente a cama, lençol, cobertor, travesseiro e seguir para o chuveiro de água fria.Quem vacilasse em entrar em baixo d’água, receberia uma vaia com a gritaria dos colegas e a complacência do inspetor:
- Gato, entra logo debaixo d’água, vamos!
Depois da higiene e escovação dos dentes, o refeitório. Sempre o mesmo cardápio, café com leite, pão e manteiga. Em dias festivos um pedaço de bolo como acréscimo.
Em seguida o sino indicava que as turmas teriam que ser formadas no pátio, alunos menores na frente, maiores atrás, perfilados para cantar o hino nacional. Nos dias de chuva, as turmas se alinhavam sob as marquises que rodeavam o pátio e em seguida íamos para as salas de aula.
Lembro-me com perfeição das primeiras aulas de latim quando tínhamos que decorar as declinações porque o latim, diferentemente do português é uma língua sintética enquanto o português é uma língua analítica, usando preposições como uma forma de ligação entre as palavras. No latim, as terminações variavam, segundo as palavras tomassem a forma nominativa, genitiva (do fulano), acusativo, correspondente ao nosso objeto direto ou dativo correspondente ao nosso objeto indireto (complemento nominal), ao ablativo correspondente ao nosso adjunto adverbial e ao vocativo.
Foi difícil entender essa diferenciação e na primeira prova foi um desastre. O professor, um ex-seminarista meio afeminado, em seus modos, nos repreendia:
- Sr. Fulano, o senhor está crescendo como rabo de cavalo!
Era uma realidade dura. Não havia quem nos desse aula de apoio ou outra ajuda paralela. Ou entendíamos o que era ensinado na sala de aula ou fracassávamos. Um colega se apoiava no outro, tirava dúvida com quem estava no mesmo barco... No final ou comemorávamos juntos ou afundávamos juntos.
Em verdade aquela escola nos ensinou as grandes lições da vida. Responsabilidade pessoal e coletiva, bons hábitos e costumes, nos ensinou a viver.
Foi acima de tudo uma escola de vida.