O MAGNÍFICO RECO-RECO
O magnífico Reco-Reco
Tinha uns quinze anos de idade. Seu nome de batismo ninguém sabia. Na Rua Aritibá, um dos seus redutos favoritos, todos só o conhecia como Reco-Reco. Esse vulgo talvez se devesse a sua magreza e seu jeito serelepe. Diziam que ele morava com a avó lá no Jardim Novo Realengo, subúrbio da central. Ele sempre aparecia pontualmente todas as manhãs. Era querido por muitas famílias e gozava da liberdade de entrar numa ou noutra residência. O mulatinho muitas vezes era obrigado a almoçar, seus anfitriões faziam absoluta questão de tê-lo à mesa com os seus gracejos. Era um bamba. Quando chegava o tempo de bola de gude ele se metia no meio da garotada onde sempre saía vencedor nas grandes partidas. Com latas cheias de bolas Reco-Reco as ofertava ao garoto que havia lhe emprestado o primeiro punhado para entrar no jogo.
Quando chegaram as lotações que faziam ponto final no largo da Rua General Azeredo a molecada inventou de ficar pegando carona na parte traseira e externa da condução. Saltar com o veículo em movimento era a regra da brincadeira. Reco-Reco era o melhor. Com seu jeito malandro e sua ginga natural deixava todos os garotos com inveja de tanta esperteza.
Ele tinha o carisma de agradar quem quer que fosse e isso lhe angariou admiradores de todas as idades. Onde passava ouvia: - Fala Reco!... - Grande Reco-Reco!
Abandonou a escola pública ainda na terceira série do primário. Achava que a instituição educacional tinha pouco a lhe oferecer e sendo assim ele mesmo tratou de construir o seu saber diante do mundo. Não era dado a vícios, apesar de vez em quando se juntar a um grupo de beberrões para alguma pilhéria.
Quase todas as sextas feiras adolescentes de várias ruas iam para a chácara dos Teixeiras. Por serem intrusos se movimentavam por cima das árvores para escaparem dos cães ferozes que ficavam soltos. Nas poucas vezes que Reco acompanhou esses garotos desafiou a lei da gravidade. Subia até as copas das gigantescas àrvores, sustentado apenas por galhos finos e frágeis. – Cuidado aí Reco! Era o que mais dizia a molecada. Não andava bem vestido e nem em trapos. O curioso era que as suas roupas eram sempre largas como se quisessem ocultar alguma coisa. Era um nato circulador. De manhã freqüentava a Aritibá, de tarde ficava na Alcides Bezerra e Correia Teixeira. À noite ninguém o vìa. Não ia a baile e nem a festas. Em toda rua que passava se deparava com um ou mais fãs.
Nunca alguém teve notícias dele ter trabalhado. Em alguns domingos o magnífico passava quase todo o dia nos vários campos de futebol da Rua Capitão Teixeira onde era solicitado para atuar em diversos times de várzea, ainda mais quando estavam com desvantagem no placar. -Aí Reco, dá uma força pra gente! Ele recebia a camisa dez, ia lá e revertia o placar. Sua felicidade ao marcar um gol coloria ainda mais o ambiente ensolarado com diversas bandeiras. Graças a esse talento acabou por receber um convite para um teste no Bangu F.C. Pegou chuteiras e um par de meião emprestados e foi. Lá, após alguns minutos da bola rolando o treinador o mandou entrar em campo. Ficou nos primeiros dez minutos sem que ninguém lhe passasse a bola e então resolveu sair da sua posição de atacante e foi para o meio de campo conquistá-la. Com posse da pelota driblou um, dois, três e avançou na intermediária driblando o goleiro, ao invés de marcar o gol voltou driblando os adversários até a lateral e de letra cruzou a bola na área, alguém do seu time acabou a chutando pra fora. O treinador, furioso, parou o treino e se dirigindo ao Rèco disse: - Vá procurar um circo, aqui não é o seu lugar! Ele saiu dando de ombros, mostrando todo o seu desinteresse pela carreira de jogador.
Quando ia completar dezesseis anos sumiu. Ninguém mais o viu nem na Aritibá e nem em lugar algum. Depois de algum tempo do seu desaparecimento soube-se por intermédio de dona Jurema lavadeira, vizinha da avó de Reco-Reco, a verdadeira estória sobre o seu sumiço. Dona Jurema contou que Reco-Reco era na realidade uma menina e por não aceitar a sua condição feminina se passava por garoto. Como estava ficando difícil ocultar o seu desenvolvimento físico de mulher resolveu ir morar com a mãe na baixada fluminense.
Dona Carolina que era uma das fãs de reco-reco e que ouvia estupefata o relato de Jurema lavadeira a pediu que não revelasse a ninguém esse segredo.
No fundo dona Carolina estava orgulhosa de uma mulher como ela possuir tanto talento e destreza. "Grande Reco-Reco" pensou Dona Carolina e em seguida deixou escapulir um risinho vitorioso pelo canto dos lábios. FIM