GONGÔ
GONGÔ
Há mais de vinte anos que ele vivia encolhido sobre sua cadeira de rodas. Na infância teve poliomielite que só o permitia ter movimentos da cintura para cima. Morava com a mãe anciã e uma irmã que ficava pouco em casa. Sua figura sanfonada sobre a cadeira e o mal cheiro de fezes e urina que exalava à distância enchia de pena o Odivam, que passava todas as manhãs no portão de Gongô. Ambos moravam na mesma rua da baixada fluminense. A estática existência de Gongô só o permitia a contemplar as montanhas e a ouvir o canto da passarinhada matutina. Tinha vinte e cinco anos, mas sua mentalidade ainda estava na pré-adolescência. Quando o avistava Odivam pensava. ”Bem que eu poderia cuidar desse rapaz”. A idéia cresceu e ele foi falar com a irmã de Gongo que não só concordou como também agradeceu o gesto. Gongô ficou num quartinho externo da casa de seu novo tutor que o pegava no colo diariamente para cuidar de sua higiene.
– Tenho uma boa aí pra gente! Disse Odivan.
– Que boa cara, que boa? Interrogou Gongô com seu jeito aflito.
No dia seguinte Odivam levou o rapaz para a rodoviária de Nova Iguaçu e o orientou: – Tu só tem que com sua cadeira de rodas andar de um lado pro outro com a mão aberta. De noite venho te buscar!
Assim foi feito e uma torrente de moedas afogou os bolsos do jovem. Essa ação virou rotina de segunda a sábado. Na rodoviária Gongo descobriu um novo mundo, comia um monte de besteiras. Balas, salgadinhos, churrasco e até bebia cerveja.
– Cara, isso aqui é bom demais! expressava o rapaz cheio de felicidade. A gula de Gongo aumentou sua produção fisiológica dando mais trabalho para o Odivam. Mas ele não ligava, a captação diária de um salário mínimo era repartida meio a meio. Todo o sábado Odivam dava um dinheirinho pra mãe de Gongo e ela voltou a sorrir. Na rodoviária Gongo também conheceu as meninas de rua e com elas o sexo. Tudo ia bem até que o pastor local soube do empreendimento e todo o domingo mandava alguém buscar Gongô para o culto na igrejinha local. Sua oferta era a maior de todas. Em seguida o pastor decretou guerra a Odivam, espalhando picuinha contra ele. Um dia se encontraram e quase se pegaram.
– Deus tá vendo a tua exploração! Acusou o religioso.
_ Vocês estão é de olho no dinheiro do rapaz! Retrucou o divam que temendo o pior entregou Gongô de volta para a mãe, deixando as milhares de pessoas da rodoviária sem o veículo principal do exercício de suas caridades. Em pouco tempo o dinheiro de congo esgotou e ninguém mais veio buscá-lo para o culto dominical. Ele voltou a forma sanfonada sobre a cadeira de rodas. Ao invés de montanhas e gorjeios a alucinação o contemplava com a rodoviária iluminada, as guloseimas e as meninas de rua. Um dia, por descuido, Gongô caiu em si e voltou para para a realidade. Aí, olhou os montes pela última vez, suspirou e se deixou morrer. No dia seguinte foi encontrado duro e encolhidinho, igual a um indefeso passarinho.