BULLYING: A Arma do Preconceito

Bullying é um conjunto de maus-tratos, ameaças ou outros atos de intimidação física ou psicológica exercido de uma forma contínua em uma pessoa considerada mais fraca ou vulnerável. Eu não sabia disso, na verdade, nem sequer fazia questão de saber. Sempre tive os melhores amigos, as melhores turmas e as pessoas mais irresponsáveis do meu lado. Eu era assim! Eduardo Oliveira, moreno claro, olhos claros, podia ter a garota que eu quisesse! E era fácil, muita mulher gosta disso, homem que a faça correr perigo, que mostre ser autônomo, dono de si próprio, mesmo que ele seja o homem mais ridículo e ignorante da face da terra.

O que dizer de Pedro Cardoso? Jamais vi alguém em toda a minha vida que fosse tão retraído, tão na dele, tão isolado quanto ele. Sempre o vi com indiferença, sempre o tratei com o total desprezo que ele merecia. Por quê? Na escola ou você se alia às pessoas que podem te trazer benefícios ou se torna um ‘qualquer um’ miserável escolhido para sofrer as dores que todos jogam fora.

Àquele começo de tarde o vi caminhar junto com os outros alunos. Desajeitado, cabisbaixo, como se sua vida fosse uma eterna tristeza. De longe acompanhei seus passos. Vi quatro garotos da nossa sala se aproximarem dele e a espancá-lo. Aquilo me aturdiu. Corri e o ajudei, livrando Pedro das mãos daqueles primatas. Estendi minha mão para que ele pegasse. Se levantou e notei uma amargura insolente em sua face, ferido, ele não derramara uma gota de lágrima que fosse.

Por incrível que pareça, Pedro e eu conversamos bastante a caminho da casa dele. Alguma coisa estava começando a acontecer, eu bem sabia que existia muito mais de mim a ser descoberto do que eu aparentava. Quando expliquei aos pais de Pedro o que havia acontecido, meu colega de classe se prontificou:

“Valeu Eduardo, valeu mesmo!” Ele sorriu e me senti feliz por ter feito, pela primeira vez na minha vida, algo para ajudar alguém. E ele merecia, porque, para ser bem sincero, o que Pedro havia feito contra mim? Nada, absolutamente nada! Quando o Senhor Abraão, pai do Pedro abriu a porta, senti um zéfiro me acalentar como se estivesse me agradecendo por mudar um pouco da história maldita da vida daquele garoto. Então, balbuciou:

“Quer dizer que... Você é o tal Edu?” Assenti. Ele franziu o cenho e depois sorriu paternalmente.

Nunca imaginei na vida que iria sentir a falta do Pedro, mas depois de notar três dias seguidos a ausência dele nas aulas decidi ir até sua casa e convencê-lo a voltar. Tanto faz se ele fosse bater a porta na minha cara e me chamar de filho de uma puta, quem sabe ele não começasse a entender que eu estava sentindo a sua falta.

No dia seguinte lá estava ele. Magoado. Talvez até acostumado a ser chacota pra todo mundo. Quando saímos para o intervalo um garoto o encostou na parede, foi quando eu comecei a andar mais rápido para saber o que estava acontecendo e ouvi nosso colega chamar Pedro de viadinho orelhudo. Aquilo me fez sentir um ódio puro! Cara, o que leva um anormal a agir assim com alguém? Peguei aquele garoto na mão e soquei a rosto dele. Devo ter quebrado o nariz daquela ameba, mas fiquei mais tranquilo. Não foi nenhuma novidade o Pedro não ter voltado para a sala de aula, quem sabe o que se passa na mente dele? Suicídio? Ódio? Vontade de se vingar de todo mundo? Não dá pra imaginar, mas, com certeza, tem dores que nem o coração suporta.

Uma semana sem dar as caras na escola.

“Seu Abraão, posso falar com o Pedrinho?” Fui até a casa dele, saber o que tinha acontecido e saber o porquê dele ficar uma semana sem ver as aulas. Foi um choque!

“E aí seu maluco, cê ta bem?” Questionei.

“Estou ótimo! Melhor impossível! O que te trouxe aqui?” Fiquei admirando aquele garoto, nunca havia reparado que o cabelo dele era super fino e com um penteado maneiro, sua pele tinha um tom claro, moreno, seus lábios pareciam desenhados à mão, rosados, e seus olhos demonstravam que havia outra pessoa escondida ali dentro daquela cor negra. Seu jeito meigo, sua fala suave e seu desajeitar eram apaixonantes. Apaixonantes?

“Pode ir ao cinema comigo hoje? – fiquei sem jeito. – Eu ganhei um par de ingressos do meu pai e pensei em ir com você... o que acha?” Eu nunca havia convidado um garoto como Pedro para ir ao cinema comigo. Que gay!

“Tudo bem...”

Aquele sábado estava quente, romântico e misterioso. Sabe quando você sente aquelas borboletas no estômago? Eu fiquei sentindo isso o tempo inteiro ao lado dele. Definitivamente eu estava curtindo demais a companhia do Pedro.

“Sabe que eu me sinto bem com você?” Me expressei tímido.

“Você tem feito bem pra mim, mesmo sem saber, parece um anjo que caiu do céu!”

“Você é gay não é?” Fui direito.

“É... sou! Não vai me bater agora, ou vai?” Isso me deixou confuso.

“Bater em você? Só se você fizer a babaquice de tentar suicídio por causa de uns idiotas de novo!” Peguei as mãos dele e afaguei. Senti meu coração arder em chamas e pulsar acelerado quando ele olhou nos meus olhos e sem um pingo de restrição, me disse:

“Nunca poderíamos ser namorados... Eu sempre te vi, te desejei, te fiz dentro de mim como se fosse único e se eu precisasse de você pra viver... – tentou, em vão, conter as lágrimas, que sequei com minha mão – Sempre fui um indiferente qualquer pra você, um nerd retardado, mas esse é o meu jeito e você tem lá os seus amigos, suas namoradas, sua vida... Por mais perfeito que esteja sendo estar com você Edu, existe muito entre você e eu que impede que eu continue alimentando esse sentimento” Tomei um choque de emoções, de sentimentos que nenhuma garota me fizera sentir na vida. Tudo bem que ainda sou novo!

Ele fechou a noite levando meu coração com ele. O garoto mais popular da escola agora estava de quatro pelo garoto mais ridicularizado, que coisa linda! Deixei o meu Pedro na casa dele e selamos o dia com um beijo terno no rosto. Uau!

Cada dia que passava notava que muita coisa tinha perdido a graça, desde as brincadeiras com os colegas de classe aos encontros de sexta à noite que saíamos pra beber na casa de algum dos nossos amigos, que por sinal, faziam de Pedro um saco de pancadas! Me cansei, me enojei e me apaixonei.

Na noite de quinta feira recebi um telefonema do Abraão, porém, não estava em casa porque resolvi ir à casa de uma garota que eu estava ficando. Quando resolvi aparecer minha mãe me pediu para ir até a casa daquele tal de Pedro porque ele estava no hospital.

Não pode ser! Comecei a imaginar tudo de ruim, tudo mesmo. Liguei para a casa dele e me disseram que ele havia tomado mais de dez comprimidos antidepressivos na tentativa de suicídio. Como seus pais notaram que Pedro chegara da escola atordoado, machucado e com um dos braços quebrados, pouco tempo depois, subiram até o quarto do garoto e o encontraram caído.

Passei a noite em prantos e em oração com Deus, pedindo que ele aliviasse a barra porque nós estávamos apaixonados. Será que notei tarde demais que aquele garoto retraído era um ser humano normal que precisava ser amado?

No hospital me vi de frente com ele, deitado em uma cama, rodeado de aparelhos, pálido, com os olhos fundos, respiração ofegante e triste.

“Você quer saber de uma coisa? – eu disse, confortando as mãos dele às minhas – Eu estou loucamente apaixonado por você! – percebi as lágrimas rolarem dos meus olhos – Me perdoa por ter notado esse sentimento só agora, mas eu sou capaz de abandonar todas aquelas pessoas pra te dar toda atenção Pedrinho... Nunca senti algo assim por alguém! – ele sorriu e cada lágrima que invadia seu rosto pálido cortava meu coração – Fica comigo que faço de você a pessoa mais feliz do mundo! Eu te dou a minha palavra...” Foi tudo o que consegui dizer. Me aproximei de Pedro e fiz o que meus sentimentos me mandavam, o beijei e fui correspondido, como se nossas almas tivessem se entrelaçado naquele momento.

“Edu, você será inesquecível...” Foi aí que acabou o que mal havia começado.

Cada lembrança que tenho dos poucos momentos que partilhei com Pedro me dói e me faz sentir que ele foi e sempre será a esperança que tenho na vida. Ele partiu e levou meu coração! Jamais vou esquecer que ele me amou. Às vezes deixamos tanto se perder pelo simples fato de que se divertir com a dor alheia é prazeroso, tratar com indiferença alguém que pode nos amar pode ser um risco e que o bullying é uma arma que corrói a alma, sem disparo, sem barulho e que mata quando menos se imagina.

Hilton Luzz
Enviado por Hilton Luzz em 30/08/2011
Código do texto: T3191194
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