LÚCIFER ANDOU SOBRE A TERRA DO REAL- ENGENHO

Lúcifer andou sobre o chão do Raal-Engenho.

Na década de setenta o terrível Lúcifer andou sobre o chão do Realengo, subúrbio da cidade do Rio de Janeiro. Partia diariamente do seu QG na praça do canhão indo até às Casas da Banha, depois da igreja NSª da Conceição no centro do bairro para tomar seu habitual cafezinho de cortesia. Ela tinha o corpo castigado pelas intempéries noturnas. Só andava vestido de sunga preta, capa vermelha e levava sempre um enorme tridente na mão. Com olhos nublados, cavanhaque ralo e um rastro de bigode ia e voltava diariamente. Com seu ar sereno sempre deixava escapulir um risinho cínico toda vez que cruzava com uma mulher que ao vê-lo fazia o sinal da cruz e apertava o passo. Depois do seu aparecimento as igrejas não bastaram para a grande procura dos fiéis. Milhares de ovelhas desgarradas retomaram a fé esquecida. Lúcifer nunca falou com ninguém, apenas caminhava elegantemente mantendo a sua rotina na terra do Real engenho. Antes de ser o anjo decaído era funcionário da extinta fábrica de cartucho. Tinha mulher, dois filhos e uma bicicleta Phillips. Atendeu durante muitos anos o chamado do apito da fábrica. Um dia a indústria bélica calou para sempre o seu apito e repousou seus maquinários. O desemprego assolou o bairro. Muitos não receberam os anos trabalhados. A mulher do nosso protagonista, não suportando a situação pegou as crianças e foi para Minas Gerais morar com os familiares. Já o marido passou a habitar o coreto da praça do canhão ao lado da fábrica desativada. Vivia pelas encruzilhadas pegando garrafas de cachaça nos despachos semanais. E foi num lugar conhecido como coletivo (praça) que avistou um enorme trabalho de oferenda. Era meia noite em ponto. Entre os objetos havia uma capa vermelha e um trídente preto de um metro e meio de tamanho. Vestiu a capa e ergueu o tridente. Bolas de fogo subiram do alguidar. Um cheiro horrível de enxofre empestiou a madrugada. A cabeça da nossa personagem rodou três vezes em cima do próprio pescoço. A partir daquele momento ele já não era mais o mendigo desgraçado e nem desempregado, mas sim Lúcifer, o príncipe das trevas. Sua existência caminhando pelas ruas do bairro durou apenas dois anos, Prazo suficiente para mudar o comportamento local. Foi então que numa sexta feira noturna, fria e chuvosa, Lúcifer caminhou para a Rua do Imperador e, na travessia da linha férrea, parou no meio dos trilhos. Na sua frente o farol do trem cresceu dentre a neblina. Ele ergueu o tridente e gritou: – Nada vence o príncipe das trevas!

Foi engolido, mastigado e deglutido pelas ferragens do trem em alta velocidade. E hoje, quem anda por esse misterioso bairro não imagina nem de longe que em um dia Lúcifer caminhou sobre o seu solo quente e solitário. Há que diga que ele tenha emergido da chaminé de fumaça preta da antiga fábrica de cartucho e não daquele despacho da praça do coletivo à meia noite.

Seja como for, Deus que me livre do mardito !…