Cães

Ao buscar o menino no colégio, o pai percebeu um objeto estranho em suas mãos. Um brinquedo que não era dele. Decidiu esperar que o pequeno se manifestasse, dando-lhe mentalmente um prazo até o término da viajem. Esgotado o prazo, ao chegarem em casa, a curiosidade do pai interrompeu o silêncio do filho:

- Filho, o que é isso que tem entre as mãos?

- É um brinquedo, pai.

- Sim eu sei. Mas o que está fazendo com ele? Não é seu.

- Eu o achei, não sei de quem é.

O pai mandou devolver o brinquedo no dia seguinte, o garoto deveria abandoná-lo no mesmo local onde teria encontrado. A criança concordou em obedecer, mas não compreendeu o porquê de tal atitude, já que não sabia quem era o dono e provavelmente alguma outra criança iria se apossar do brinquedo. O pai, sábio como todo adulto, explicou ao filho uma introdução à educação moral. Explicou que todos deveriam ser pessoas boas, que a bondade não é apenas deixar de fazer o mal e sim fazer boas ações e que ele não aguardasse recompensas por isso.

- Por que devo ser bom?

- Porque sendo bom, sua vida será mais feliz e você fará as pessoas felizes. Você fará o bem para que os outros façam o bem pra você. Deus quer que sejamos bons...

Após uma longa conversa, o garoto entendeu a primeira lição. Entendeu que na vida ele precisará das pessoas e elas precisarão dele. Entendeu que, com uma vida pacífica e de cordialidade, conquistará o bem comum. Percebeu que seus atos refletiam no meio em que vivia e que aquela abstração chamada Deus, não precisaria obrigá-lo a agir de tal forma. As coisas à partir de então tornaram-se mais lógicas. Os ensinamentos obviamente continuaram e, ao seu tempo, o garoto entendia as regras da sociedade. O pai acreditava que, ainda com o apoio da escola e da religião, formaria uma pessoa apta a enfrentar o mundo e contribuir para que ele fosse melhor, uma pessoa dotada de caráter, de moral e de justiça.

Certa vez, naquele mesmo ano, ao buscar seu filho no colégio como de costume, o pai percebeu uma certa ansiedade no garoto.

- Aconteceu alguma coisa filhote? Por que está apertando seu braço?

- Estou machucado.

- Deixe me ver. - Era uma mordida funda e estava sangrando. Parece que a professora não havia percebido, não tinha curativo e ele nem havia sido avisado. - Como foi que isso aconteceu?

- O Pedrinho me mordeu! Nunca fiz nada pra ele, nem falo com ele e ele vive me machucando...

O pai havia ensinado o filho as regras sociais, a ser uma pessoa íntegra, de virtudes e que contribuirá com o bem estar comum. Mas havia se esquecido de prepará-lo para se defender de cães, da irracionalidade e da imprevisibilidade. Lembrou de sua infância, de quando sua mãe lhe proibia de tomar banho de chuva e que, quando pela primeira vez a desrespeitou, pegou uma pneumonia. Lembrou de quando encarou o mundo pela primeira vez e viu a crueldade. Lembrou da angústia de enfrentar um mundo externo tão diferente das teorias, longe dos mimos, proteção e moralismos caseiros. Estava temperando o filho para que as feras o devorassem.

Petrico
Enviado por Petrico em 29/08/2011
Código do texto: T3189336
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