Espeto
 
Já estava chegando à adolescência, imaginava problemas em tudo, achava-me feio embora não o fosse, tinha na cabeça um caldeirão fervilhante que gostaria de dizer para o mundo todo, ao mesmo tempo uma censura amedrontadora me impedia de sequer emitir a minha opinião. O medo de dizer alguma coisa indevida, de ser chamado a atenção me aterrorizava, por esse motivo fechava-me como ostra e ninguém conseguia imaginar o que se passava na minha mente.
Olhava-me no espelho e concentrava-me em cada espinha como se nelas estivessem as causas de todos os meus problemas. Espremia, espremia, espremia e depois lavava o rosto com sabonete com muita espuma, como se a espuma pudesse transformar a minha face.
Na escola apelidaram-me de espeto. Um dia, uma senhora disse-me que aquilo era acne, uma inflamação do folículo do pêlo que estava nascendo e que quando era espremido contaminava o resto da pele. Que o certo era higienizar sem espremer. Talvez fosse também a gordura acumulada que impedia os poros de exercerem suas funções.
Mas espremer tinha se tornado uma compulsão, mesmo sabendo não ser o certo, meus dedinhos nervosos estavam prontos para tocar, coçar, espremer.
Certa vez meu tio, irmão do meu pai, um sujeito brincalhão e extrovertido, contador de piadas, mas com pouca sensibilidade para lidar com certas situações, no meio de todos os presentes, disse-me:
-Espetinho, vem cá, você sempre teve muita liberdade comigo, não é?
- É verdade, tio, respondi meio encabulado, pressentindo que vinha algo desagradável.
-Essas espinhas são sinal de que você anda tocando muita punheta... Acertei?
- Que é isso, tio?
- É verdade ou não é, pode me dizer porque eu também gostava muito. Afinal de contas é bom, não é?
Todos os outros em minha volta começaram a me gozar e eu não sabia onde enfiar a cara, afinal estavam ali também o meu pai e os meus irmãos e nunca havíamos tocado nesse assunto.
E ele com aquele seu jeito risonho, meio debochado, arrematou:
- Não fica chateado não, quem aqui não tocou uma punhetinha?
Saí da sala incontinenti enquanto todos riam de mim.
Naquele tempo certos temas relativos à sexualidade eram tabus, ninguém comentava e quando o faziam eram com intuitos repressivos,  por deboche ou gozação.
Minha avó que me viu chateado, amuado no quarto, sem me perguntar o porquê, me disse carinhosamente:
- Seja lá o que tenha acontecido não leve isso a sério, tudo passa, o tempo é o melhor remédio para tudo. Dê  tempo ao tempo...
Realmente o tempo curou minhas feridas da face e da alma, hoje vejo tudo aquilo como uma lição, dolorosa, mas necessária. Não guardei mágoas e aquele tio foi um dos melhores amigos que tive.
Hoje os adolescentes são muito mais assistidos, freqüentam psicólogos, existem outras abordagens, mas os jovens atuais, apesar de tudo, sofrem muito durante essa transição. É a explosão dos hormônios, dizem...