No tempo da assombração
 
Assombrados pela nossa própria imaginação, mas cada vez mais curiosos sobre as coisas do além, nas noites de sextas-feiras esperávamos terminar a novela O Direito de Nascer na qual o Albertinho Limonta era o galã e a Helena era a mocinha e ficávamos colados ao rádio para ouvir as narrações dos casos de assombrações do programa Incrível, Fantástico, Extraordinário.
Cena por cena íamos ouvindo os contos fantásticos. As narrações radiofônicas, diferentemente da televisão e do cinema permitiam que a nossa imaginação forjasse as imagens dos personagens, das cenas e da própria ambientação de modo que mesmo não tendo a plástica do cinema e da televisão e os recursos da sétima arte, a encenação lida pelos artistas da fala eram extremamente lúdicas,  sensuais e emotivas. Os contos sobre assombração, aparição de espíritos e almas do outro mundo eram sempre muito cercados de expectativa.  
As músicas que entremeavam as falas causavam sempre um grande suspense.
Esperávamos arrepiados a aparição. Era a noiva, toda de branco que aparecia sempre na porta do cemitério no momento em que badalava o sino da meia noite, ou então, quando a cachorrada começava a latir, surgindo a figura misteriosa do cavaleiro com seu corcel negro, ele de capa branca e chapéu que não permitia ver seu rosto.
Naquelas noites custávamos a dormir e meus irmãos costumavam aprontar alguma peça para assustar aos mais novos.
Minha avó que era espírita e dirigia um centro cardecista que ela fundara, sempre incentivou em nós a filosofia da sobrevivência da alma, da vida após a morte do corpo físico e da comunicação entre encarnados e desencarnados.
Assim, vivíamos neste clima de misticismo, parecendo estar sob uma vigilância permanente das entidades do além que policiavam constantemente nossos passos. Não existiam somente os olhos de Deus a nos vigiar, mas também os olhos dos nossos anjos de guarda, dos guias espirituais e das falanges do além, filmando os nossos passos, as nossas ações e os nossos pensamentos, antecedendo para nós os tempos do Grande Irmão.
Meus irmãos mais velhos freqüentavam uma espécie de catecismo espírita que os orientavam na boa prática da vida.
Em determinada época havia as reuniões espíritas, com palestras e passes que eles freqüentavam.
 Eu como era mais novo tinha muita curiosidade em saber como eram essas reuniões, o que lá era dito, como eram as sessões de cura, já que, na minha imaginação infantil, se um cego fosse atendido lá, sairia enxergando como foi feito por Jesus.
Até que num determinado dia premiaram a minha curiosidade e disseram que na próxima sessão eu poderia assistir.
Cheio de curiosidade, mas com uma pontinha de medo, esperei a quarta-feira chegar com a maior ansiedade e quando chegou o dia  as horas não passavam para chegar as oito horas da noite, horário da reunião.
Lá fui eu, compenetrado e sentei-me ao lado do meu irmão mais velho. Depois de longa espera, já com sono, começaram a reunião com uma palestra comprida, demorada, que nunca terminava. E nada de eu ver as curas...
Cochilava, dava uns solavancos com a cabeça para frente porque no banco não tinha onde encostar e meu irmão me cutucava para me acordar.
Lá pelas tantas, um rapaz que estava atrás de mim, visivelmente perturbado, teve uma manifestação e deu um grito e eu que estava cochilando na ponta do banco me assustei, levantei-me num salto e até hoje eles estão me esperando para voltar.
Tenho o maior respeito por todas as religiões, mas daí para frente adotei que mais importante que ter religião é ter religiosidade, é acreditar em Deus e seguir seus mandamentos